O estado natural de Thomas Hobbes e a necessidade de uma instituição política e jurídica

Dayse Braga Martins
advogada em Fortaleza (CE), mestranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho é dedicado ao estudo da Filosofia de Thomas Hobbes, uma filosofia afeita sobretudo à política.

Ao longo deste trabalho tentamos sempre desmistificar interpretações equivocadas feitas por alguns autores da filosofia de Hobbes.

Defensor do absolutismo estatal do Rei, Thomas Hobbes criou uma teoria que fundamenta a necessidade de um Estado Soberano como forma de manter a paz civil.

Em sua construção hipotética partiu do contrário, ou seja, iniciou sua teoria a partir dos homens convivendo sem Estado, para depois justificar a necessidade dele. Esse estágio do convívio humano sem autoridade, onde tudo era de todos, recebe o nome de estado natural.

A conseqüência deste estado natural é a ameaça da manutenção da humanidade, que leva os homens a pactuarem entre si, transferindo o direito de autodefesa existente no estado natural para o Estado, que garante a efetividade do contrato.

Além da sua inteligente construção teórica que justifica a necessidade do Estado Soberano, Thomas Hobbes inovou em diversos pontos da política, a serem analisados no decorrer deste trabalho.

2.O FILÓSOFO THOMAS HOBBES

Este breve relato da vida de Thomas Hobbes, possibilitará uma melhor compreensão de sua filosofia:

Thomas Hobbes, nasceu na Inglaterra, em Westport, Malmesburry, em 05 de abril de 1588, vindo a falecer em 04 de dezembro de 1679. Seus pai, um vigário humilde, entregou-lhe, ainda criança, ao tio, que lhe proporcionou uma boa educação.

Teve a oportunidade de, desde os sete anos de idade, estudar os clássicos com Robert Latimer. Interessando-se pelo estudo, aos quatorze anos, Hobbes ingressou na universidade de Oxford, “Magdalen Hall”, foi um estudante mediano. Nesta época, morre Elizabeth I e assume seu primo Jaime I, iniciando a dinastia dos Stuart.

Depois de formado, com vinte anos, foi indicado para ser preceptor do filho de uma família de prestígio. Naquela época os filhos de famílias ricas tinham uma espécie de professor particular, era o chamado preceptor. Esta profissão não rendia muitos ganhos, mas Hobbes pôde usufruir do conforto da casa e da vasta biblioteca, possibilitando o aprofundamento de seus conhecimentos. Além disso, viajou pela França e Itália, onde aperfeiçoou seus idiomas.

Em 1629, Hobbes foi o primeiro a traduzir para o inglês a obra “Guerra do Peloponeso”, do importante historiador grego, indicado como inventor da história racionalista, Tucídides. A partir daí, o filósofo começa a mostrar suas tendências políticas.

Além do acesso aos pensamentos racionalistas de Tucídides, Hobbes foi secretário de Francis Bacon, empirista, e, em suas viagens, leu a obra de Euclides, racionalista; teve oportunidade de discutir, através do Padre Mersenne, com René Descartes; e depois, na Itália, esteve com Galileu.

Com este conhecimento eclético, Hobbes formulou sua própria metodologia para a fonte do conhecimento, o empirismo racionalista. Esta metodologia original foi aplicada em sua ciência política, ao analisar os fatos sociais, deduzindo conceitos, nominando-os e, por fim, pondo-os em uma ordem sistematizada. Esta transformação de conceito para palavra é o chamado nominalismo.

Hobbes fazia construções lógicas, deduzidas dos conceitos formulados da realidade da natureza humana.

Sempre mostrou grande interesse pelos problemas sociais, sendo fiel defensor do despotismo político. É o que comprova seus escritos: “Elementos de Lei Natural de Política”(publicado em 1640, época em que voltou para França em decorrência de atritos políticos); “O Cidadão”(publicado em 1642. Fala do homem em seu estado natural.); “Leviatã” (publicado em 1651). Era preceptor do príncipe de Gales, que depois veio a ser Rei Carlos II da Inglaterra).

Apenas a título de informação, “Leviatã” é um monstro bíblico citado no Livro de Jó, 40-41, muito poderoso, sem medo de nada e com um coração de pedra. Hobbes atribui a uma de suas obras mais importantes o nome deste monstro bíblico, Leviatã, comparando-o ao Estado.

Depois de tantas lutas políticas, tendo sido alvo de muitas perseguições, dentre outros, por acharem suas obras “O Cidadão” e o “Leviatã” ateístas, aos setenta e dois anos, Hobbes volta aos estudos dos clássicos e suas traduções. Seus últimos anos de vida foram de paz.

Thomas Hobbes faleceu em 1679, com noventa e um anos. E, só dez anos depois de sua morte, as idéias liberais que tanto combatia triunfaram.

Depois das breves considerações sobre a vida de Hobbes, é oportuno transcrever a Cronologia constante na Introdução do livro “Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil”(1):

“1588 – A 5 de abril, nasce Thomas Hobbes, na aldeia de Westport, Malmesbury, Inglaterra.

1603 – Morre Elizabeth I, a última dos Tudor. Sucede-a seu primo Jaime I, que inicia a disnatia dos Stuart. Hobbes ingressa no Magdalen Hall, Oxford.

1608 – Termina seu bacharelado em Oxford e é indicado para preceptor do filho de Lorde Cavendish.

1610 – Faz sua primeira viagem ao continente.

1625 – Morre Jaime I, sucedendo-o no trono seu filho Carlos I.

1629 – Hobbes publica um tradução da Guerra do Peloponeso, de Tucídides.

1640 – Produz seu primeiro tratado, Elementos de Lei Natural e Política. Em face dos acontecimentos políticos ingleses, retira-se para a França, onde permanece onze anos.

1642 – Publica Sobre o Cidadão. Inicia-se na Inglaterra a Guerra Civil, quando Carlos O é decapitado, e inicia-se o período da Commonwealth, sob a liderança de Cromwell.

1645 – Hobbes é nomeado preceptor do príncipe de Gales, que virá a ser o Rei Carlos II da Inglaterra.

1651 – Publica na Inglaterra o Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de uma Comunidade Eclesiática e Civil.

1652 – É banido da corte inglesa no exílio e volta definitivamente à Inglaterra.

1654 – Publica Sobre o Corpo.

1658 – Publica Sobre o Homem. Morte de Cromwell.

1660 – Restauração dos Stuart com Carlos II.

1668 – Hobbes traduz, em versos ingleses, partes da Ilíada e da Odisséia.

1679 – Morte de Hobbes em Hardwick.”

3. A METODOLOGIA DA TEORIA DE THOMAS HOBBES NO ESTUDO DA CIÊNCIA POLÍTICA

Thomas Hobbes, sempre voltado aos interesses políticos, vivendo num período de muitas guerras, acreditava que somente a figura de um Estado forte poderia acabar com esses conflitos.

Para justificar a necessidade do Estado Soberano, formulou uma teoria hipotética.

Hobbes desenvolveu sua teoria utilizando o método resolutivo-compositivo. Resolutio, resolutivo em latim, é a análise, enquanto que compositio, compositivo em latim, é a síntese, a composição daquilo que foi detalhadamente analisado.

No prefácio do livro De Cive, ao comparar o Estado a um relógio, ficam claras as características de sua metodologia(2):

“Com efeito, conhecemos muito melhor uma coisa através dos elementos de que ela se constitui. Assim como não se pode saber, num relógio mecânico ou noutra máquina um pouco mais complexa, qual a função de cada parte ou roda, se ele não for desmontado e separadamente examinados o material, o desenho e o movimento: assim também, para estudar o direito da Cidade e os deveres dos cidadãos, precisamos, sem desmontar a Cidade, considerá-la como desmontada: isto é, para compreender corretamente a condição da natureza humana, com o uso de quais meios ela é capaz ou incapaz de dar corpo à Cidade; de que modo hão de ajustar-se entre si os homens, se querem alcançar a união.”

O Estado é o objeto de análise de Hobbes. O elemento formador do Estado é o homem. Ao analisar o Estado, Hobbes faz como um relojoeiro ao tentar conhecer a mecânica de um relógio: decompõe o Estado, analisa seus elementos, que são os homens e depois reformula o Estado.

Hobbes explica também no “Leviatã” sua metodologia no estudo da política(3):

“(…)primeiro através de uma adequada imposição de nomes, e em segundo lugar através de um método bom e ordenado de passar dos elementos, que são nomes, a asserções feitas por conexão de um deles com o outro, e daí para os silogismos, que são as conexões de uma asserção com outra, até chegarmos a um conhecimento de todas as conseqüências de nomes referentes ao assunto em questão, e é a isto que os homens chamam de ciência. (…)a ciência é o conhecimento das conseqüências, e a dependência de um fato em relação a outro, pelo que, a partir daquilo que presentemente sabemos fazer, sabemos como fazer qualquer outra coisa quando quisermos, ou também, e, outra ocasião. Porque quando vemos como qualquer coisa acontece, devido a que causas”

4. O CARÁTER HIPOTÉTICO DA TEORIA

A teoria de Hobbes é por vezes mal interpretada. E, para melhor entender sua teoria, antes de nos aprofundarmos, vamos tentar resolver esta problemática, analisando um trecho do livro de Paulo Nader, “Filosofia do Direito” (4):

“… em Leviatã (1651), o filósofo inglês partiu da crença no chamado status naturae, durante o qual os homens teriam vivido em constante medo diante das ameaças de guerra. Nessa fase que aconteceu à formação da sociedade não haveria em favor do status societatis se fizera por conveniência, pelo interesse em se obter garantia e tutela.”

Paulo Nader fala na “crença” de Hobbes num “status naturae”. Esta palavra “crença” leva os leitores a pensar que o estado natural de Hobbes é um fato histórico. Ocorre que toda sua teoria é uma construção hipotética, criada somente na sua mente.

Daí a importância de conhecer as fontes originais dos autores a serem estudados. Não só porque alguns intérpretes destorcem os pensamentos dos autores, mas também, porque são obscuros, deixando uma grande margem de erro para o leitor leigo no assunto.

Assim, importante sempre lembrar que tudo que falarmos sobre a teoria de Hobbes – estado natural, estado de natureza dos homens- é sempre hipoteticamente, dentro da teoria criada por ele.

5. 1ª ETAPA DA TEORIA HIPOTÉTICA DE HOBBES: A NATUREZA HUMANA

Ao fazer a decomposição do Estado para sua análise, estuda-se seu elemento, que é o homem. Hobbes estuda o homem no seu estado natural, sem interferência de nenhuma autoridade. Ele imagina os homens convivendo sem Estado.

Hobbes analisa a natureza humana dentro da sua teoria hipotética sobre o prisma realista. Ele não estuda a essência dos homens, mas sim, as condições objetivas dos homens no seu estado natural.

A convivência dos homens sem um Estado que os tutele, acarreta uma igualdade aproximada que leva à “guerra de todos contra todos”.

Neste estado de natureza todos os homens têm direito a todas as coisas. E, sabendo que os bens são escassos, quando duas pessoas desejarem um só objeto indivisível, estas são livres para lutar com todas as armas para satisfazer seu desejo.

A igualdade dos homens no estado de natureza da teoria de Hobbes é a igualdade no medo, pois a vida de todos fica ameaçada. Esta igualdade é na capacidade de um destruir o outro. Nem o mais forte está seguro, pois o mais fraco é livre para usar de todos os artifícios para garantir seus desejos e sua vida.

“Todos são iguais no ‘medo recíproco’, na ameaça, que paira sobre a cabeça de cada um, da ‘morte violenta’. Os homens ‘igualam-se’ neste medo da morte.” (5)

A “guerra de todos contra todos” pode ser melhor entendida, também, com as palavras do próprio autor, que no livro “Leviatã” (6) escreve:

“Portanto tudo aquilo que é válido para um tempo de guerra, em que todo homem é inimigo de todo homem, o mesmo é válido também para o tempo durante o qual os homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida por sua própria força e sua própria invenção. Numa tal situação não há lugar para a indústria, pois seu fruto é incerto; consequentemente não há cultivo da terra, nem navegação, nem uso das mercadorias que podem ser importadas pelo mar; não há construções confortáveis, nem instrumentos para mover e remover as coisas que precisam de grande força; não há conhecimento da face da Terra, nem cômputo do tempo, nem artes, nem letras; não há sociedade; e o que é pior do que tudo, um constante temor e perigo de morte violenta. E a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta.”

A teoria de Hobbes é também mal interpretada quanto a sua concepção antropológica. A exemplo do professor da Universidade de Bonn, Hans Welzel, que em sua obra “Derecho Natural y Justicia Material”(7), afirma:

“Todas estas fuentes tan diversas robustecen la idea pesimista que Hobbes tiene del hombre como un ser dinámico y peligroso como un lobo, que, al revés que los otros lobos, no tiene instintos sociales, y sólo es animado por el ansia de dominación sobre los demás.”

Em sua teoria hipotética, Hobbes não tem uma concepção pessimista do homem, e sim, uma visão realista.

No estado natural onde os homens encontravam-se numa total insegurança era impossível haver moralidade, os homens teriam que estar sempre preparados para a guerra, sob pena de comprometer seu bem mais precioso, a vida.

Contudo, quando o homem passa a viver numa sociedade, com uma autoridade para lhe reger, as tensões se acabam e, em conseqüência, os homens vivem relativamente bem, pois a desconfiança que existia entre os homens em seu estado de natureza era racional, e não como alguns autores afirmam, homem essencialmente mal.

6. O PACTO SOCIAL

O maior desejo do homem é manter sua vida. Hobbes atribui a este desejo o nome de instinto de conservação. No estado natural a vida está em constante ameaça.

Os homens, em decorrência do instinto de conservação, guiados pela razão, são levados a pactuarem entre si(8):

“(…)a condição preliminar para obter a paz é o acordo de todos para sair do estado de natureza e para instituir uma situação tal que permita a cada um seguir os ditames da razão, com a segurança de que outros farão o mesmo.”

Novamente, Norberto Bobbio, consegue exprimir fielmente o primeiro passo para a transformação do estado de natureza em Estado Civil, que é a criação da lei natural pela razão(9):

” O estado de natureza, como dissemos, é a longo prazo intolerável, já que não assegura ao homem a obtenção do ‘primum bonum’, que é a vida. Sob forma de leis naturais, a reta razão sugere ao homem uma série de regras (…), que têm por finalidade tornar possível uma coexistência pacífica.”

A Lei Natural é formada por diversas regras, dentre elas Hobbes destaca, no Leviatã as seguintes(10):

1ª) “procurar a paz e segui-la”;

2ª) “por todos os meios que pudermos, defendermo-nos a nós mesmos”;

3ª) “Que os homens cumpram os pactos que celebrarem”;

4ª) “gratidão”;

5ª) “complacência”, “que cada um se esforce por acomodar-se com os outros”;

6ª) “perdão”, “Que como garantia do tempo futuro se perdoem as ofensas passadas, àqueles que se arrependam e o desejem”;

7ª) “Que na vingança (isto é, a retribuição do mal com o mal) os homens não olhem à importância do mal passado, mas só à importância do bem futuro”;

8ª) “Que ninguém por atos, palavras, atitude ou gesto declare ódio ou desprezo pelo outro”;

9ª) “Que cada homem reconheça os outros como seus iguais por natureza”

Como se pode observar, as regras da Lei de Natureza são ditames morais elaboradas pela reta razão, que quer dizer a possibilidade do homem de agir da melhor forma para atingir os fins desejados.

Ocorre que, para estas regras terem efetividade têm que ser cumpridas por todos.

As leis naturais em si são válidas, mas não tem eficácia garantida, pois elas obrigam in foro interno, não têm alguém que obrigue a cumpri-las . Os princípios naturais só têm eficácia ou se forem positivadas ou se existir uma autoridade que obrigue o seu cumprimento.

Para acabar com a insegurança entre os homens e fazer cumprir a Lei Natural é fundamental e indispensável a presença de um Estado que esteja acima do interesse dos cidadãos para garantir a paz civil.

Pedimos vênia para fazer uma citação um pouco extensa, pois não conseguiríamos explicar a necessidade do poder soberano no pacto social de forma mais clara do que o próprio filósofo(11):

“A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. O que eqüivale a dizer: designar um homem, ou a uma assembléia de homens, como representante de suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquela que representa sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser respeito à paz e segurança comuns; todos submetendo assim suas vontades à vontade do representante, e suas decisões a sua decisão. Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: ‘Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações’. Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim, civitas”.

O Pacto da teoria hipotética de Hobbes é feito entre todos os cidadãos, que renunciam ao direito de autodefesa. O Estado está fora do contrato.

Os cidadãos se privam da liberdade do estado natural de fazer justiça com as próprias mãos e transferem esse direito renunciado ao Estado.

A função do Estado é de garantidor da paz civil. Ele está acima dos homens, como beneficiário dos direitos dos cidadãos. Os cidadãos são para o Estado súditos. O Estado tem o poder soberano.

6.1 O PODER SOBERANO

Soberania para Hobbes é o poder que está acima de tudo e de todos. Assim o Estado Soberano está acima das leis e acima da Constituição, sendo um poder absoluto e indivisível.

Mais uma vez, Norberto Bobbio fala com precisão das características do Estado Soberano(12):

“O poder estatal não é verdadeiramente soberano e, portanto, não serve à finalidade para a qual foi instituído se não for irrevogável, absoluto e indivisível. Recapitulando, pacto de união é:

a)um pacto de submissão estipulado entre os indivíduos, e não entre o povo e o soberano;

b)consiste em atribuir a um terceiro, situado acima das partes, o poder que cada um tem em estado de natureza;

c)o terceiro ao qual esse poder é atribuído, com todas as três definições acima o sublinham, é uma única pessoa.”

Contudo, apesar do súdito ter que obedecer a tudo que o soberano mandar, existe uma exceção: o súdito pode resistir ao perigo da morte. Esta exceção tem uma explicação muito razoável, pois como poderia o homem não conservar sua própria vida, seu bem inalienável, já que o poder soberano vem da reta razão, por sua vez, advinda do instinto da auto conservação? Isto seria uma incoerência. Logo todos os homens têm o direito de resistir a qualquer ato do Estado que ameace a conservação da sua vida.

6.2 AS FORMAS DE GOVERNO

O poder soberano pode ser adquirido de duas formas: pela livre vontade dos cidadãos, que é chamado de Estado Político/Estado por Instituição; ou pela imposição aos cidadãos, que são obrigados a acatar sob pena morte, é o Estado por Aquisição.

O Estado por instituição, na política de Hobbes, pode ser governado por três espécies: pela Monarquia, governo de uma pessoa; por uma Democracia, governo popular, de todos; e pela Oligarquia, governo de poucos.

A Monarquia é a melhor forma para de se governar um Estado Soberano. Hobbes defende a autoridade absoluta do rei com única forma de se exercer um poder soberano, já que este é uno e indivisível. A Oligarquia seria possível, mas poderia acarretar a descontinuidade do exercício do poder soberano. A Democracia era inviável, porque fatalmente iria acarretar a dissolução do poder soberano.

A Democracia para Hobbes é diferente da concepção de Democracia da nossa Constituição. A Democracia que se fala na CF/88 é a representativa, já a de Hobbes é a democracia direta, como explica Denis L. Rosenfield, no prefácio de De Cive(13):

“(…) Com efeito, Hobbes tem em vista uma forma de democracia direta, tal como era exercida na Grécia clássica, e não o que hoje entendemos por democracia indireta ou governo representativo. Assim, a democracia exigiria um alto grau de politização, sendo suscetível das mais diferentes formas de instabilização proveniente da retórica dos demagogos.”

7. CONCLUSÃO

Thomas Hobbes foi um filósofo político inovador, que formulou construções teóricas muito inteligentes.

Dentre as várias contribuições de Thomas Hobbes para a ciência política e jurídica, vale ressaltar:

7.1 RACIONOLISMO E EMPIRISMO

Contemporâneos de Thomas Hobbes, Francis Bacon, empirista, e René Descartes, racionalista, marcaram suas épocas com o antagonismo de suas filosofias. Os empiristas radicais como Bacon defendiam a idéia de que a a única fonte do conhecimento é a experiência, enquanto que os racionalistas afirmavam que o conhecimento com validade universal só se dá através da razão.

Hobbes revolucionou ao formular suas teorias possibilitando a convivência destas duas correntes antitéticas: sua filosofia é formulada através de um raciocínio correto dos fenômenos.

7.2 ESTADO NATURAL E ESTADO SOCIAL

Para defender sua concepção política, Hobbes cria um teoria, desenvolvida por um método resolutivo-compositivo, que justifica a necessidade do Estado, partindo da análise da convivência dos homens sem autoridade.

A análise do estado de natureza dos homens teve caráter realista ao mostrar a necessidade de uma autoridade política com leis positivas. Entretanto Hobbes foi idealista ao não observar a possibilidade do abuso do poder por parte do Soberano. Ele afirmava que a separação dos poderes iria enfraquecer a unidade estatal e defendia um Estado com poderes ilimitados, acima da constituição e das leis civis.

7.3 ESTADO – CRIAÇÃO DE DEUS x CRIAÇÃO HUMANA

O momento histórico vivido por Thomas Hobbes, era marcado por uma grande interferência da Igreja no Estado, tinham o Estado como uma criação da vontade de Deus. O Estado era criado porque era da vontade de Deus. Hobbes mais uma vez foi autêntico em seu pensamento. Ele afirmava que o Estado era uma criação do homem, não tinha qualquer relação com a vontade de Deus, era um ato puramente humano.

A prova do Estado ser leigo é o contrato social, que demonstra ser a criação do Estado nada mais do que pura vontade política, criado pelo pacto entre os homens, um ser artificial, independente da vontade divina.

7.4 LEI NATURAL E LEI CIVIL

A relação entre Lei Natural e a Lei Civil na teoria de Hobbes e sua concepção jus naturlista e jus positivista poderia ser estudada exclusivamente em outro trabalho, mas vamos enfocá-lo de forma resumida .

Hobbes, sempre a frente de sua época, apesar de pertencer à história do direito natural, antecipa as tendências do direito positivo do século XIX e, apesar de serem correntes antagônicas, atribuiu às leis naturais e civis de sua teoria hipotética características jus naturalistas e jus positivistas.

Para Hobbes não existem dois direitos, mas apenas um, que é o direito positivo. Contudo reconhece a lei natural como fundamento do direito positivo, sendo obrigatória a lei natural somente quando em conformidade com a lei positiva.

NOTAS

1. Thomas Hobbes, O Leviatã , “Vida e Obra”, p. XIX.

2. Thomas Hobbes, De Cive , Prefácio, p. 10.

3. Thomas Hobbes, O Leviatã, p.30.

4. Paulo Nader: “Filosofia do Direito”. 7ª Edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1999, página 132.

5. Thomas Hobbes: De Cive, p. 27.

6. Thomas Hobbes, Leviatã, p. 76.

7. Hans Welzel: “Derecho Natural y Justicia Material”, p. 146.

8. Norberto Bobbio: Thomas Hobbes, p. 40.

9. Ibid, p. 40.

10. Thomas Hobbes, Leviatã, p. 78/95.

11. Thomas Hobbes, O Leviatã, p.105.

12. Norberto Bobbio, Thomas Hobbes, p. 43.

13. Thomas Hobbes, De Cive, Prefácio, p. 37/38.

BIBLIOGRAFIA

1. BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Rio de Janeiro, Campus, 1991.

2. CAPELA, Juan Ramón. Os Cidadãos Servos. Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998.

3. CHÂTELET, François. Uma História da Razão: entrevistas com Émile de Noel. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1994.

4. COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. Ser, Saber e Fazer 14. ed., Saraiva, 1999.

5. HOBBES, Thomas. De Cive, Filósofos a Respeito do Cidadão. Tradução de Ingeborg Soler, Petrópoles, Vozes, 1993.

6. HOBBES, Thomas. O Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil., São Paulo, Os Pensadores, 4 ed., Nova Cultura, 1998.

7. KELSEN, Hans. O que é Justiça? 2. ed. São Paulo, Martins Fontes, 1998.

8. KELSEN, Hans. O Problema da Justiça 3. ed., São Paulo, Martins Fontes, 1998.

9. NADER, Paulo. Filosofia do Direito 7. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999.

10. NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Manual da Monografia Jurídica. São Paulo, Saraiva, 1999.

11. WELZEL, Hans. Derecho Natural y Justicia Material, preliminares para una Filosofia del Derecho. Madrid, Aguilar, 1957.

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