por Raul Haidar
Os conselheiros da OAB paulista reúnem-se nos próximos dias para mais uma vez indicar advogados que desejam ser juízes dos Tribunais estaduais, dando cumprimento ao que determina o artigo 94 da Constituição.
Essas indicações devem crescer daqui por diante, com novas vagas que estão se abrindo, além das que se criarão com o anunciado aumento do número de juízes de segunda instância, os desembargadores.
Outros fatores indicam que haverá aumento nas vagas para o quinto. A ampliação da idade para a aposentadoria compulsória, que deve passar para 75 anos, bem como os estudos para restringir direitos dos que se aposentarão no futuro, por exemplo, estão incentivando pedidos de aposentadoria no poder judiciário.
Já divulguei meu entendimento contrário à nomeação de juizes pelo quinto, pois não foram poucas as notícias, no país inteiro, do mau uso do instituto, quando foram nomeadas pessoas sem real atividade advocatícia, ocasião em que se dizia que a OAB estava sendo transformada em balcão de negócios ou mero cartório estatal. Gente que pouco ou nada havia feito na profissão de advogado foi transformada em magistrado, usando o prestígio da OAB, quando conselheiros mal informados permitiram a farsa.
De tempos para cá, porém, muita coisa mudou. Na seccional paulista da OAB, por exemplo, o processo de escolha vem ganhando transparência cada vez maior, legitimando as indicações, muito embora ainda se verifiquem algumas tentativas de pressão sobre os conselheiros que, sendo humanos, não possuem o dom da infalibilidade.
Minhas críticas ao quinto são, essencialmente, quanto à indicação de pessoas que fazem “bico” em nossa profissão, que não respeitam a advocacia e desprezam os advogados, mas que quando querem um cargo de juiz num Tribunal, são capazes de tudo, até mesmo de pedir a “benção” daqueles que antes desprezavam e que, caso se tornem juizes, continuarão desprezando.
Por tudo isso, parece-nos oportuno lembrar mais uma vez a todos os advogados que os conselheiros não são “donos” das indicações e menos ainda o são os diretores da OAB. Vergonhosas e ridículas, portanto, eram as antigas “listinhas” distribuídas aos Conselheiros pela diretoria, no dia das votações, onde se colocavam os nomes do indicados pelos coronéis, cartolas e caciques que se imaginavam “donos” da entidade, esses que por ai se diziam “fazedores de chapas” ou “estrelas” da advocacia. Por isso mesmo é louvável o processo atual de escolha, onde os candidatos remetem seus dados pessoais aos conselheiros para que estes façam escolhas conscientes.
Pois aí é que nós assistimos a situações curiosas e até engraçadas. Já vi “curriculum” de candidato ao quinto onde, ao final, se mencionava “salário a combinar”, o que indicava que ali estavam os dados pessoais de quem apenas procurava um emprego, embora falasse em “vocação” e “sonhos”…
Também me lembro de uma ilustre advogada que, ao mencionar sua profissão, sempre fazia questão de assinalar que era “Procuradora do Estado”, como se tal função pudesse impressionar os votantes. Havia até casos tristes, onde ficava claro que o candidato não conhecia o conceito de “saber jurídico”, um dos requisitos da indicação.
Face a tais experiências do passado, manifestei-me contrário ao quinto, chegando a propor sua extinção, tese que ganhou a adesão até de uma Associação de Juizes, o que começou a me preocupar. Ainda não mudei de opinião, mas, como não sou dono da verdade, pode ser que venha a revê-la, pois só os idiotas não mudam de opinião.
Pensando bem, talvez a extinção venha a ser algo radical demais, especialmente agora que a magistratura vem se formando com jovens sem experiência de vida, muitos apenas em busca de um emprego como qualquer outro, que logo se frustram quando descobrem que ser juiz não é o paraíso que imaginavam, mas exige grande dose de sacrifício e renúncia, a que meros empregados não se entregam sem sofrimento. Assim, muitos se tornam arrogantes, ensimesmados, isolados do mundo e da realidade, chegando a contaminar-se com a “juizite” no seu tipo mais crônico, com sérios prejuízos para a verdadeira Justiça. Daí porque, como muitos afirmam, se faz necessária a existência do quinto, para que advogados experientes possam ajudar a Justiça, auxiliando os Tribunais.
Muitos desse colegas que “emprestamos” à magistratura trabalham mais de dez horas por dia, inclusive em fins de semana, honrando a Advocacia e trazendo orgulho para os que neles votaram.
Quando fui conselheiro, durante cinco anos, tive a honra de votar em pelo menos dois colegas que hoje, tenho certeza, iluminam os cargos que ocupam, trabalham com muita dedicação, enfim, honraram os votos de seus colegas.
Se o quinto existe, a OAB não pode se omitir. Assim, hoje os conselheiros passam a enfrentar um problema cada vez mais difícil, que é fazer uma escolha sensata, séria, que não resulte de compadrios ou conchavos, nem de indicações estranhas à consciência de cada um.
Os conselheiros da OAB não estão subordinados à diretoria da entidade. Ali todos são independentes e, ainda que estejamos hoje sob o péssimo sistema eleitoral de “chapas”, quando a eleição deveria ser individual, todos sabemos que cada conselheiro está ali pelo seu valor pessoal. Cada um representa seus colegas, seus amigos, sua família, sua consciência.
Muitas vezes, — e isso aconteceu comigo na última eleição — os advogados votam numa chapa, mas “engolindo” um ou outro integrante dela de quem não gostamos ou em quem não confiamos.
Votamos no conjunto de conselheiros e é possível que no meio de uma centena haja algum que não mereça nosso voto. Mas o que interessa é o resultado final, é a soma dos ideais de muitos. Por isso mesmo, o voto dos conselheiros na escolha do “quinto” é fundamental.
O conselheiro deve votar em advogados verdadeiros, não em carreiristas que procuram um bom emprego para obter uma boa aposentadoria.
Não interessa termos juizes com títulos de mestres e doutores. Os Tribunais são lugar de muito trabalhar, de fazer Justiça, de dar andamento rápido aos recursos. Não são academias para que supostas “estrelas de capa preta” passem suas tardes tomando chazinho, suas noites em solenidades ridículas onde recebam ou distribuam medalhinhas honoríficas, fazendo ou ouvindo cansativos discursos que não levam a nada. Isso, é claro, para não falarmos das suas manhãs nas salas de aula, onde alguns fingem que ensinam a muitos que fingem estudar.
Portanto, a primeira recomendação que se pode fazer na eleição do quinto é que os conselheiros não se impressionem com títulos acadêmicos. Os Tribunais não precisam de mestres ou doutores, mas de juizes. A verdadeira Justiça não carece de professores, pois ninguém vai ao Tribunal em busca de saber ou cultura, mas quer apenas Justiça e se possível rápida.
Também não tem sentido o conselheiro servir de instrumento para que os Tribunais pátrios se transformem em filiais da Índia antiga, com verdadeiras “castas” ali se encastelando, como se a magistratura fosse hereditária, onde apenas algumas determinadas famílias pudessem ter qualidades para os Tribunais. Apesar dos avanços da genética, não se tem notícia de um “gene” que qualifique alguém para a magistratura. Há, sim, uma certa tendência natural para que os filhos sigam as carreiras de seus antepassados, o que é natural no caso dos concursos públicos.
Parece-nos impróprio, ainda, que advogados que sempre exerceram atividades apenas burocráticas, como, por exemplo, diretores de estatais, assessores de políticos, consultores de empresas, chefes de gabinete etc., sejam levados aos Tribunais para representar a advocacia. Como já se disse, o Tribunal precisa de advogados que lá se tornem juizes, não de “aspones” que lá ingressam para trocar um emprego por outro ou, quem sabe, um carro oficial por outro…Já existem na história deste país juizes que ingressaram pelo quinto porque exerciam relevantes e brilhantes funções…na imprensa !!!
Portanto, se o quinto tem que ser preenchido, que o façamos apenas com quem, efetivamente, possa ser um advogado no tribunal, e não apenas mais um profissional alheio às nossas lutas, às nossas dificuldades, e que quer apenas obter um bom salário, uma boa aposentadoria ou mesmo apenas ser tratado de “excelência”! O “quinto”, enquanto existir, pertence aos advogados, aos que encostam o umbigo no balcão, aos que enfrentam filas, aos que correm atrás de prazos, aos que vivem de honorários. Fora disso, estaremos apenas preenchendo formalidades e fazendo papel de tolos…
Revista Consultor Jurídico