Supremo já perdoou o calote nas dívidas públicas

por Flavio José de Souza Brando

O valor do calote nacional do Poder Público em suas dívidas judiciais deve estar beirando R$ 100 bilhões. O valerioduto ainda não chegou a 1% disto (modesto R$ 1 bilhão), mas os mercados se dizem preocupados com o potencial de crise institucional conseqüente. Wall Street estaria nervosa, mas penso que isto é bobagem ou hipocrisia. Senão, vejamos.

Estados e Municípios são inadimplentes crônicos em suas dívidas judiciais (bilhões e bilhões de reais), descumprem consistentemente ordens dos Tribunais e isto nunca preocupou os tais mercados.

Porque o Poder Público não paga?

Não tem punição (o Supremo Tribunal Federal já deu indulgência plena para o calote), pagar dívida não dá voto nem comissão para político corrupto.

Mas este estoque de calote não aparece nos balanços dos Estados e Municípios, impedindo que recebam ou rolem suas dívidas?

Nada disto, as dívidas judiciais não são contabilizadas (é o princípio Delúbio aplicado às ordens das Cortes) e os Tribunais de Contas (que deveriam agir como auditores externos) aprovam quaisquer números apresentados por Poder Executivo.

Como se isto não bastasse, os governadores e prefeitos, para efeito da Lei de Responsabilidade Fiscal (e principalmente para obter novos empréstimos no Banco Mundial, BID, BNDES etc) colocam como “bons e recebíveis” 100% de sua dívida ativa (impostos em atraso e condenações judiciais), quando qualquer estagiário de Direito ou Economia, sabe que nem 10% resultará em dinheiro para os cofres públicos.

Resumindo: as contas públicas no Brasil são absolutamente frias (ativos e passivos), os auditores são inúteis, mas, através desta fraude contábil gigantesca (a) os governadores e prefeitos podem alegar para efeitos políticos e midiáticos que “as contas estão em ordem e temos superávit”, e (b) os bancos continuam emprestando toneladas de dinheiro a juros que envergonhariam qualquer agiota (ou banqueiro não-contabilizado, na visão delubiana).

Voltando então à introdução do artigo, para acalmar os mercados, os srs. e sras. credores governamentais convivem (alegre e lucrativamente) há décadas com fraudes contábeis e calote institucional, logo convenham que não será um bilhãozinho lavado por publicitários mineiros que fará diferença agora.

Ok, numa época do politicamente correto (apesar do impressionante silêncio dos intelectuais com a roubalheira dos companheiros — e onde anda aquele Procurador Luiz Francisco?) fica bem aos mercados fazer um charme de preocupação ética. Mas todos imaginam que isto passará logo.

Será mesmo?

Fraude contábil no Brasil sempre foi um assunto chato para contadores apenas, mas na semana passada o J.P. Morgan concordou em pagar U$ 1 bilhão em multa por sua colaboração nas fraudes da Enron. Vários executivos da WorldCom já foram para a cadeia, igualmente por fraudes. Lá nos EUA, é bem verdade…

Problemas maiores surgirão talvez na arena dos direitos humanos, quando os bancos internacionais (ou seus acionistas, ou a mídia estrangeira) descobrirem que somente no Estado de São Paulo mais de 35.000 credores já morreram sem receber seus legítimos créditos judiciais.

Um verdadeiro genocídio moral, respaldado em contabilidade pública fria, gastos enormes em publicidade e Tribunais sem apetite para fazer cumprir suas próprias ordens.

O mercado precisa ficar esperto, pois as exigências de transparência chegarão aqui logo, logo.

No que se refere ao descumprimento de ordens judiciais, os advogados se preparam para ir até os Tribunais de São José, na Costa Rica (OEA), Haia e Nurenberg, se as Excelências locais continuarem omissas e eruditas, usando citações até em alemão para abençoar calote.

Os mercados sabem muito bem que o “funding” do valerioduto vem do calote nas ordens judiciais de pagamento, o que também é dramaticamente visível nas filas do INSS e dos hospitais. O dinheiro das velhinhas e viúvas paga as “recepcionistas” sexuais dos companheiros poderosos em Brasília.

Um dia esta casa de tolerância cai de vez, pois não tem fundações técnicas e morais. O telhado já se foi.

Revista Consultor Jurídico

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