Medidas cautelares no direito eletrônico

Claudia Moura Salomão

SÃO PAULO –

I. Introdução a respeito das cautelares

Esse trabalho visa proporcionar uma breve noção sobre a aplicação do instituto das medidas cautelares a recentes questões surgidas com o advento do denominado direito eletrônico, cibernético, informático, de internet, ou qualquer outra denominação dada a este novo ramo do direito, que seja da preferência do leitor, obviamente, sem a pretensão de esgotamento do tema.

No que tange às cautelares, há que se ter em mente algumas características e requisitos fundamentais para o ajuizamento da respectiva ação, como as suas condições, pressupostos, espécies e finalidades, com o intuito de se obter uma melhor compreensão das questões a serem abordadas posteriormente.

Primeiramente, como condições para o ajuizamento de uma ação cautelar, temos aquelas condições básicas para o exercício de todo e qualquer direito de ação pelo indivíduo, previstas no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, quais sejam, a legitimidade das partes, o interesse para agir e a possibilidade jurídica do pedido.

Afinal, embora a ação seja autônoma e o direito de seu exercício seja absolutamente subjetivo para o seu titular (ou seja, ele o exercerá somente se e quando estiver disposto, observado o prazo prescricional e/ou decadencial), ela é intentada contra o Estado e em face do demandado, com o objetivo de que aquele solucione o litígio da melhor maneira possível; e sem as três condições da ação previstas no citado dispositivo processual, o Poder Judiciário não terá as condições mínimas para analisar corretamente a questão e pôr fim ao conflito de interesses que lhe é apresentado.

Já quanto aos pressupostos processuais, cuja ausência quando do ajuizamento da ação enseja a extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do inciso IV do artigo 267 do Código de Processo Civil, são os requisitos de validade do processo, os quais se encontram dispersos por todo o sistema processual vigente e que em momento algum podem ser confundidos com as condições da ação.

Todavia, em se tratando de processo cautelar, que possui, inclusive, procedimento próprio, não se pode deixar de elencar os requisitos e características intrínsecos a este tipo de ação, prevista a partir do artigo 796, do Código de Processo Civil.

Neste ponto é importante ressaltar ainda a diferença existente entre ação cautelar e medida cautelar.

A primeira, que pode ser preparatória da ação principal (ajuizada anteriormente) ou incidental à principal (ajuizada durante o seu curso), refere-se à natureza da ação intentada, a qual, conforme informado anteriormente, possui procedimento específico a ser obedecido pelo juízo com o fim de conservar e assegurar “os elementos do processo (pessoas, provas e bens), eliminando a ameaça de perigo ou prejuízo iminente e irreparável ao interesse tutelado no processo principal” (Theodoro Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume II. Forense: Rio de Janeiro, 2004, pág. 351), ou seja, é o instrumento processual através do qual é exercido o direito de ação visando garantir um resultado útil da ação principal.

Já a segunda, pode ser entendida como “a providência concreta tomada pelo órgão judicial para eliminar uma situação de perigo para direito ou interesse de um litigante, mediante conservação do estado de fato ou de direito que envolve as partes, durante todo o tempo necessário para o desenvolvimento do processo principal” (Theodoro Jr., Humberto. Op. Cit., pág. 352), decorrendo, daí, a característica de provisoriedade da medida cautelar.

Esclarecida tal distinção, insta salientar, ainda, que os requisitos para o ajuizamento da ação cautelar estão enumerados no artigo 801 do Código de Processo Civil, merecendo destaque o inciso IV, que prevê a necessidade de o autor da ação expor sumariamente qual o seu direito que está sendo ameaçado, bem como o receio da lesão a ser sofrida caso não lhe seja concedida a tutela jurisdicional pleiteada, a fim de restar devidamente fundado o requerimento para a concessão da medida cautelar objeto da referida ação.

Por fim, o juiz poderá conceder a medida cautelar em dois momentos distintos: em caráter liminar ou com a justificação prévia do autor, em qualquer momento durante o desenvolvimento do processo e antes de ser proferida a sentença, desde que comprovada a existência dos requisitos do fummus boni juris e do periculum in mora, com fundamento no artigo 804, do Código de Processo Civil; ou na própria sentença, ao julgar procedente ou parcialmente procedente a ação cautelar.

Todavia, em razão da atual situação de morosidade do Poder Judiciário brasileiro, a praxe é o autor requerer o imediato deferimento da medida cautelar (em caráter liminar), e o juiz, uma vez distribuída a respectiva ação principal no prazo de trinta dias após a concessão daquela medida, deixa para julgar ambas as ações conjuntamente.

II. Breves considerações sobre o direito eletrônico: questões processuais possíveis e sua natureza jurídica

É indiscutível que, nos dias atuais, um dos meios mais utilizados para a troca e divulgação de dados e informações ocorre por meio da Internet, através de e-mails, de publicações efetuadas em sites, da utilização de softwares. A disponibilidade e a troca destes dados e informações atinge volumes extremamente grandes, tendo em vista a possibilidade de ocorrer em tempo real pelo envio de um simples e-mail ou pela atualização do conteúdo de um site, por exemplo.

Não bastasse isso, além da celebração de contratos entre particulares com a utilização da rede, também as publicações diversas, propagandas e vendas de produtos pela rede tornaram-se muito comuns, o que afeta diretamente as relações de consumo. Neste aspecto, a grande novidade é o chamado “contrato-clique”, que é nada menos do que um contrato de adesão formalizado por meio de um simples clique pelo consumidor em mouse, por exemplo, no caso de atualização de um software pela Internet.

Conseqüentemente, assim como qualquer outra forma de celebração de um contrato ou de divulgação de produtos e serviços, a opção pela utilização da Internet acarreta o surgimento de responsabilidades _civil e penal_ e de obrigações para todas as pessoas físicas ou jurídicas que de alguma forma a utilizam.

Os artigos 225 e 383, dos Códigos Civil e de Processo Civil, respectivamente, prevêem expressamente a possibilidade de utilização dos documentos eletrônicos como instrumento probatório de fatos e atos jurídicos no processo civil. Sejam e-mails, páginas de sites impressas ou outros arquivos digitais, insta ressaltar que tais documentos são dotados de segurança e validade jurídica relativas, tendo em vista o fato de que estão vulneráveis a sofrer alterações substanciais em seu conteúdo por qualquer pessoa que possua razoável conhecimento em informática.

Neste ponto reside a importância da assinatura digital e da certificação eletrônica, por serem um diferencial para a validação e aceitação do referido documento como meio de prova no processo, possibilitando a comprovação de sua integridade, autenticidade e autoria, proporcionando-lhe, assim, maior credibilidade e conseqüente validade jurídica.

Para tanto, a Presidência da República, observando a grande relevância e a necessidade de regulamentação da matéria, editou a Medida Provisória 2.200-2, de 24/08/2001, instituindo a ICP-Brasil (Infra-Estrutura de Chaves Púbicas Brasileira) que, através de seu Comitê Gestor, ficou responsável pelo desenvolvimento da política referente a utilização de documentos eletrônicos, aplicação de suporte e certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras.

Observa-se, portanto, que o direito eletrônico envolve não apenas interesses particulares em esferas diversas, mas também interesses públicos, uma vez que a informática tornou-se uma ferramenta essencial e de uso freqüente na sociedade atual; os particulares, as empresas públicas, privadas ou de economia mista e o próprio poder público utilizam a Internet diariamente para exercício de suas funções de forma mais econômica, prática, ágil e eficiente, resultando no estabelecimento de relações jurídicas de ordens diversas.

Outros fatos que corroboram a existência de relevante interesse da sociedade referente a este assunto são as inúmeras possibilidades de práticas de crimes com a utilização da Internet, fazendo com que seja necessária a criação de uma regulamentação eficaz acerca da segurança no armazenamento, divulgação e troca de dados e informações pela rede.

Com isso, cabe fazer uma análise sobre a natureza jurídica deste emergente ramo do direito, assunto este que é abordado por poucos autores em suas obras sobre o tema.

Em recente reunião do Grupo de Estudos de Direito Eletrônico da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, sob orientação do professor Paulo Egídio Seabra Succar, fazendo uma analogia com a discussão existente sobre a natureza do direito internacional, o grupo concluiu que o direito eletrônico não possui natureza jurídica específica, pré-determinada; em outras palavras, dependendo do aspecto a ser analisado, ele será enquadrado como ramo do direito público ou privado.

Assim, tendo em vista a sua relativa autonomia (uma vez que há grande interdependência com os demais ramos), o direito eletrônico pode, tal como o internacional, ser considerado um macrossistema, constituído de diversos microssistemas que seriam, no caso, os demais ramos do direito inseridos em questões eletrônicas, tal como direito civil eletrônico, direito penal eletrônico, direito administrativo eletrônico, direito comercial eletrônico, direito internacional eletrônico etc. desta forma, cada um destes microssistemas terá características e natureza jurídica próprias, recebendo a classificação como ramo do direito público ou privado em razão das peculiaridades das relações jurídicas por ele abrangidas.

III. Aspectos práticos das cautelares no direito eletrônico

Além da questão processual probatória, há diversas outras situações advindas da utilização da rede mundial de computadores que, mais do que uma simples relação jurídica travada por intermédio da utilização de recursos eletrônicos, podem resultar na prática de inúmeros atos ilícitos, como a utilização de softwares piratas, violação de direito autoral de obras literárias e artísticas, invasão de sistemas e bancos de dados de empresas que resultem em prejuízos, divulgação indevida de imagens e fotografias, interceptação de dados trocados por e-mails, alteração de dados de um sistema ou de documentos etc.

Tais ilícitos atingem direitos que, se não resguardados de forma rápida e eficaz, resultarão em enormes prejuízos para a vítima, os quais, em determinados casos, podem ser irreparáveis caso não seja tomada uma medida urgente para inibir a ação do agente, como nos casos de divulgação de fotografias ou lesão do direito à honra do indivíduo, por exemplo. Desta forma, em consonância com os requisitos advindos da teoria geral do processo cautelar e considerando cada caso em concreto, poderão ser utilizadas medidas cautelares de busca e apreensão, produção antecipada de provas e interpelações, por exemplo, que são os instrumentos mais utilizados para o resguardo de direitos envolvendo o direito eletrônico.

situação muito comum de utilização de medida cautelar de busca e apreensão, cujo procedimento se encontra nos artigos 846 e seguintes do Código de Processo Civil, ocorre quando há utilização de softwares piratas. Nestes casos, apesar de a maioria dos juízes conceder a liminar, a grande dificuldade do autor da ação é a comprovação do fummus boni juris e do periculum in mora para o deferimento em caráter liminar da medida, pois não é simples a demonstração da verossimilhança de suas alegações e da efetiva utilização de produto ilegal pelo réu já no momento do protocolo da petição inicial.

Já a medida cautelar de produção antecipada de provas, prevista nos artigos 846 e seguintes do diploma processual, terá aplicabilidade quando, por exemplo, houver perigo de serem perdidas as informações a serem extraídas e analisadas em determinado computador, e cuja perícia seja essencial para o julgamento da ação principal. Ora, é sabido que as atualizações dos computadores hoje em dia se dão de forma extremamente rápida, e tanto particulares quanto empresas acabam substituindo suas máquinas periodicamente. Ademais, é indiscutível o grande risco de um computador ser invadido a qualquer momento por algum vírus que destrua todas as informações ali contidas.

Nestes casos, considerando-se que uma ação em trâmite pelo rito ordinário pode levar até mais de três anos para iniciar a perícia, é latente a possibilidade de perecimento da referida prova. Destarte, a parte pode requerer em juízo a realização antecipada da perícia eletrônica em determinado computador a fim de que o julgamento da ação principal não seja prejudicado por ineficácia das demais provas produzida nos autos, ou até mesmo por sua ineficácia em razão da perda de informações cruciais para a análise do mérito.

Por fim, imaginemos o caso de alguém enviar e-mails em nome de outrem, ou ainda, fazer ameaças através de endereços eletrônicos não identificáveis. Sabendo-se que os provedores possuem condições técnicas de armazenar dados dos usuários, como o IP e os logs de acesso, por exemplo, aquele que se sentir prejudicado poderá, com fundamento no artigo 867 do Código de Processo Civil, entrar com um pedido de Interpelação.

O objetivo de tal requerimento é a obtenção da determinação judicial para que se proceda a intimação do provedor responsável pela conta de e-mail utilizada para a prática dos ilícitos com o fim de que sejam preservados aqueles dados e fornecidas ao interpelante as informações sobre o acesso à referida conta. Com a posse de tais informações, a vítima terá condições de tomar as providências cabíveis contra o indivíduo que esteja praticando os ilícitos.

Contudo, na prática, a obtenção de tais dados não é tão simples assim; alguns provedores não mantêm estas informações armazenadas, ou as guardam por um período muito curto, e outros simplesmente se recusam a fornecê-las. Neste último caso, resta ao indivíduo a ajuizamento de uma ação de obrigação de fazer com pedido de antecipação de tutela em face do provedor.

Na realidade, todos os procedimentos citados visam a preservação da prova, ainda que de forma indireta, para que o indivíduo ameaçado ou prejudicado possa exercer da melhor maneira possível o seu direito de ação e garantir seus direitos em relação a terceiros. Afinal, a prova é um dos elementos mais importantes para o julgamento da ação; aquele que melhor provar a existência de seu direito, ou a inexistência de sua responsabilidade, provavelmente terá maiores chances de obter a tutela jurisdicional a seu favor.

Por derradeiro, deve-se salientar que em todos os exemplos citados, uma importante peculiaridade a ser observada pelo juiz é a minuciosa descrição da ordem liminar concedida, devendo ser muito bem detalhada. O mandado de intimação deverá conter determinações especificadas para o oficial de justiça responsável pelo seu cumprimento, evitando ou ao menos diminuindo a possibilidade de o cumprimento da ordem exceder o estritamente necessário para o devido resguardo do direito ameaçado do autor.

Diante de todo o exposto, é possível observar que, apesar da complexidade técnica da matéria discutida, o ordenamento processual brasileiro disponibiliza institutos por meio dos quais é possível solucionar diversas situações surgidas com o advento da era da informática, cabendo ao advogado apenas analisar cuidadosamente a questão e, com o mínimo conhecimento técnico, eleger o instituto processual que melhor atenda às necessidades de seu cliente

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