Emidio de Souza
OSASCO – Em 22 de dezembro de 2003 entrou em vigor em todo território nacional a Lei Federal nº 10.826 (Estatuto do Desarmamento), que tem como objetivo regular o registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, tipificando condutas criminosas e estabelecendo as diretrizes do SINARM (Sistema Nacional de Armas).
Considerado por organismos e entidades internacionais como um dos mais importantes diplomas legais para a redução da violência, na esteira do que deliberou a ONU (Organização das Nações Unidas), durante a realização de seu 9º Congresso na cidade do Cairo, Egito, em 1995, o Estatuto do Desarmamento se destaca pela implementação de um dos mais democráticos instrumentos de decisão existente na história de nosso país: o referendo popular, consagrado no inciso II do Artigo 14 da Constituição Federal de 1988 _a Constituição Cidadã_, e elemento de exercício da soberania popular, pelo voto direto, secreto e obrigatório de todos os eleitores brasileiros.
Assim, no próximo domingo, dia 23 de outubro, milhares de brasileiros estarão contribuindo diretamente para a consolidação da democracia brasileira ao emitirem, individualmente, no recôndito da urna eletrônica, sua opinião sobre a seguinte pergunta: O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?
Antes de buscarmos qualquer resposta para essa indagação, é necessário entender a razão pela qual, e em que condições, o Estatuto do Desarmamento, obriga a realização do referendo.
Como exposto, o Estatuto já está em vigor há quase dois anos e implantou no Brasil a política do desarmamento da população civil como medida eficaz para a redução dos índices de violência, prevendo novos crimes, enrijecendo a concessão de portes de armas, e estimulando em todo o país a implantação de postos de recolhimento de armas, como aqueles que a Prefeitura Municipal de Osasco implementou nas bases de sua Guarda Civil em convênio com a Polícia Federal.
O referendo popular do dia 23, exigência do artigo 35 do Estatuto, é, portanto, apenas mais um elemento da política nacional de desarmamento já em curso, e por essa razão, com os olhos voltados para o futuro de nossa nação, para que a essa política pública seja consolidada na sua integralidade, é que teclarei o nº 2, pelo “sim”, pela proibição da comercialização de armas de fogo e munição no Brasil,exatamente nos ditames do espírito inspirador do Estatuto. Confiante na eficácia da opção nº 2, convido o leitor para algumas reflexões.
Inicialmente, cabe esclarecer que o cidadão que atualmente é titular de porte de arma também é detentor de direito adquirido, e por essa razão a vitória do “sim” no referendo do dia 23 não tem o condão alterar a sua situação jurídica, em respeito ao mandamento do inciso XXXIV do artigo 5º da Constituição Federal.
Também não haverá o encerramento da produção industrial de armas e munição no Brasil, muito menos o de sua exportação. Com isso, cai por terra o argumento de que a vitória do “sim” geraria desemprego em massa com o conseqüente fechamento das fábricas produtoras de armas e munição.
A vitória do “sim” apenas direcionará o escoamento dessa produção, nos moldes do artigo 6º do Estatuto do Desarmamento, para as corporações armadas do Brasil, como a guardas civis municipais, as polícias militares dos Estados e do Distrito Federal, as Forças Armadas nacionais e a Polícia Federal; para os agentes operacionais da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), e para os agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; para os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais; para os integrantes das escoltas de presos e para as guardas portuárias; para as empresas de segurança privada e para as empresas privadas especializadas no transporte de valores; para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo, e para os cidadãos residentes em áreas rurais, que comprovem depender do emprego de arma de fogo para prover a subsistência alimentar familiar, sendo autorizado, nesse caso, o porte de arma de fogo na categoria “caçador”.
Importante salientar, ainda, que não ficam excluídas outras hipóteses decorrentes de legislação específica que venha estabelecer novas exceções.
Por outro lado, ressalte-se que antes mesmo da decisão popular, em apenas dois anos de vigência, o Estatuto do Desarmamento já elevou nosso país à liderança mundial no controle de armas pequenas. Em 12 de Julho deste ano, na ONU, a ANSA _rede internacional de ação contra as armas leves, que reúne mais de 600 ONGs por todo o globo, divulgou relatório nesse sentido, indicando o Brasil como exemplo no cumprimento do acordo internacional de prevenção, combate e erradicação do tráfico ilícito de armas, assinado em 2001 pelos países-membros das Nações Unidas.
Estudo divulgado no dia 9 de setembro de 2005 pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) revelou que no Brasil 5.563 vidas foram poupadas em 2004 devido ao Estatuto e à Campanha do Desarmamento. Nos hospitais paulistas e cariocas o número de feridos nos hospitais por armas de fogo caiu na média de 10%. Segundo dados da Fundação SEADE a taxa de homicídios na Grande São Paulo caiu 40,6%.
O Estatuto do Desarmamento é, portanto, um importante marco na regulação da segurança pública no Brasil. Ao contrário do que possa parecer, seus horizontes ultrapassam os limites da comercialização de armas e munição. Fornece às autoridades policiais os meios para desarmar os bandidos, como por exemplo, a inovadora medida da marcação de munição. Com as cápsulas marcadas, sabe-se de onde a arma foi desviada por meio do rastreamento de munição. Destaque-se, ainda, o rastreamento das próprias armas com o registro da origem e das apreensões.
Mas a violência no Brasil continua alarmante, e os dados não metem. No Brasil há 3 milhões de armas ilegais, conforme dados fornecidos pela Polícia Federal. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, 50% dos homicídios são causados por pessoas sem histórico criminal e por razões banais.
Nos últimos 5 anos, 77 mil armas registradas foram roubadas, na sua maioria de fabricação nacional e de calibre permitido. As armas de fogo matam uma pessoa a cada 15 minutos, ao custo de 10% do PIB nacional. Em nosso país, 68% dos óbitos por armas de fogo afeta os brasileiros na faixa etária de 15 a 24 anos.
Votar no nº 2 é dizer não à comercialização e “sim” à vida, por isso, o jargão “desarmar a sociedade para armar o bandido” utilizado pelos adeptos do “não” é altamente equivocado. Vejamos.
A proibição do comércio de armas e munição visa acabar com a causa da maioria dos homicídios no Brasil, decorrentes de acidentes com crianças, de crimes passionais, de crimes praticados pela violenta emoção ou pelo impulso gerado no estresse das grandes cidades, das brigas de trânsito ou das desavenças de vizinhança.
Com a proibição da comercialização das armas de fogo e munição, assistiremos as significativas quedas de demandas geradas nos hospitais públicos pelos acidentes com balas. Assim, será possível a otimização dos recursos públicos para o aprimoramento dos serviços básicos de saúde.
Também estaremos estancando a derrama de armas que migram da legalidade para a marginalidade, por meio de roubos e furtos aos cidadãos de bem que sentem a falsa sensação de segurança ao portarem uma arma. Como conseqüência, a demanda aos órgãos policiais será reduzida e o Estado poderá reunir melhores condições para combater o crime organizado e o tráfico de drogas, fontes consumidoras de armas sofisticadas, detentoras em 85% de armas de uso restrito. Com a proibição, salvaremos vidas, garantindo o futuro de nossa juventude.
Evidente que essa não é medida mágica para o fim da violência. A paz na sociedade brasileira depende também da melhor distribuição de renda, de políticas sociais inclusivas, de reforma agrária, de desenvolvimento econômico, industrial e de serviços, com a geração de mais empregos, de forte investimento na educação, e na responsabilidade social e comprometimento dos órgãos de comunicação de massa com a cultura da paz. Porém, é inegável que a proibição do comércio de armas e munição é um passo histórico e decisivo para salvar o futuro de nossa juventude.
Por essas razões não há dúvida de que a equação correta é:
Vida + Paz = 2.