O Juizado Especial pode ser um risco para o leigo

por Alexandre Araujo de Carvalho

O procedimento nos Juizados Especiais Cíveis impõe ao leigo uma opção desguarnecida de cautela e, por fim, Justiça.

Quando o cidadão está convencido de que foi lesado por outra parte e pensa que o fato é tão claro e seguro, busca, sozinho, o balcão do Juizado. Em casos como o da Telefônica, por exemplo, em que houve grande divulgação na mídia de que a cobrança da “assinatura mensal” era irregular, quase todos buscaram o balcão do Juizado para verem devolvidos os valores pagos indevidamente. Sabemos que houve até orientação para que, em determinados Juizados da Capital, fossem postados os dados para o pedido, em outros filas imensas para o preenchimento do formulário etc.

Ignorou-se, contudo, tanto à mídia como os atendentes dos Juizados, o dever de orientar aos cidadãos que a outra parte é e era muito mais preparada tecnicamente para o embate, e que o melhor era buscar o auxílio de um técnico – Advogado. Isto porque, a formulação do pedido vincula a ação e a alegação singela de que a dita cobrança era indevida deixa incólume aspectos de ilegalidade deverás importante.

Assim, quando a negativa vem e o autor sente-se ofendido uma vez mais – agora pela negativa do Judiciário naquilo que ele cria certo e justo –, busca o auxílio do técnico que tem pouco ou quase nada a fazer. Por isto, há de haver mudança na sistemática dos Juizados, quiçá na Lei processual específica – Lei n. 9.099/95.

Sugerimos, então, que o mérito do recurso mantenha-se nos limites dos fatos apontados (ilegalidade, indevido, abusivo etc – para o exemplo elucidado), abordando-se a necessidade do Recurso poder apreciar argumentos próprios para o restauro da decisão profligada.

O cotejo dos artigos 14 e 42 da Lei 9.099/95, especialmente, não veda, na sistemática dos juizados especiais, a possibilidade do Advogado, em razões de recurso, reforçar a fundamentação com apreciações legais e pertinentes.

O que temos como supedâneo do ordenamento é a proibição da alteração da causa petendi. Se, contudo, ampliarmos o alcance do artigo 517, in fine, do CPC, poderemos concluir pela possibilidade do reforço da tese albergada pela parte com questões de ordem pública, por exemplo, como a tratada neste exemplo de recurso ordinário dos Juizados ser a cobrança ilegal por se tratar de uma taxa e não tarifa.

Em apreciação aos excelentes trabalhos elaborados por Rogério Lauria Tucci , Roberto Portugal Bacellar , José Rogério Cruz e Tucci , Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva , nada foi encontrado que obstasse o pleito. Porém, no trabalho do i. Ricardo Cunha Chimenti , encontramos a assertiva de que “… este recurso não sofre limitação no que se refere à possibilidade de se pleitear o reexame tanto da matéria de fato como aquela de direito”.

Mas é na dissertação de mestrado de Marco Antônio Garcia Lopes Lorencini que encontramos a necessária reflexão sobre a importância da revisão de conceitos processuais para o sistema dos juizados. Assim temos que o “transportar mecanicamente os conceitos forjados na ciência processual ao modelo do juizado, sem adaptações, é decretar sua morte, é operar este novo modo de fazer justiça de forma atécnica” (pág. 182).

Sublinha que “a desigualdade técnica faz com que passe a existir uma grande divisão nas causas cuidadas pelo juizado especial: causas que contam com a assistência do advogado desde o início e causas sem advogado, pelo menos na apresentação da demanda. E a igualdade é um apanágio do Estado de Direito.” (pág. 183)

Isto para enfatizar que o autor de demandas contra réus sabidamente mais competentes (Bancos, Autarquias, Empresas Públicas ou não etc), por si só, não tem, necessariamente, condições de lutar eficazmente por seus direitos, carecendo de uma orientação e/ou apoio técnico mais preparado. É dizer: “O autor fica à mercê daquele que eventualmente domine a técnica processual, seja porque rábula seja porque é coincidentemente bacharel de direito. (…) Há fatos que resultam em nada por não ter sido formulado o necessário pedido, tampouco exposto o necessário fundamento. (…) Os fatos são a única coisa segura que o autor sabe com minúcias e que não requerem maiores requintes técnicos na exposição. O outro elemento da causa de pedir e o pedido reclamam um conhecimento.” (pág. 185)

Aduz que “o juizado especial assumiu o compromisso de ser a justiça do cidadão com o intuito de mudar a realidade, isto é, os seus idealizadores partiram da constatação de que existe uma incapacidade do sistema ideal posto na lei do processo tradicional de dar resposta às causas de pequeno valor e complexidade. (…) o cenário que se descortina é: simplicidade, informalidade e oralidade ao propor a demanda e autorização de que ela possa ser apresentada sem advogado. Mas será isento de rigor quando do julgamento? Exige-se, em regra, que o pedido, os fatos e fundamento estejam perfeitos, ou pelo menos compreensíveis, seja para propiciar a defesa do réu, seja para que o julgador possa estabelecer os limites do que se discute.” (pág. 186).

Acerta novamente quando esclarece que “É bem verdade que o parágrafo segundo do artigo 9º da lei impõe ao julgador o dever de alertar as partes quando a causa recomendar o patrocínio do advogado. Sucede que a primeira oportunidade em que o julgador pode vir a tomar contato com o autor e sua pretensão é na audiência de instrução e julgamento (que não ocorre neste caso especial do exemplo) naquelas comarcas em que existe a figura do conciliador para tentar a conciliação(1). Este momento, processualmente, não autoriza modificação ou aditamento ao histórico inicial apresentado, a não ser que conte com a concordância do pólo passivo.”

E conclui, em termos, que “Em caso de ausência ou deficiência do pedido, a tarefa integrativa deve ser exercida por um técnico. Diante de uma impossibilidade deste fazê-lo, e de forma excepcional e com a anuência do réu, o julgador poderá melhor esclarecer a pretensão do autor*.” (pág. 201)

Quanto ao recurso assevera que “Este recurso, assimilável à figura do recurso de apelação do processo tradicional, se diferenciaria deste último por se revestir de um caráter de juízo de retratação*, embora na prática este traço possa ser pouco notado.” (pág. 268)

Assim, para o exemplo em apreço em que tivemos a divulgação pelos meios de comunicação que as ações contra a “assinatura mensal” poderiam ser propostas diretamente nos balcões dos juizados desta Capital, com procedimentos que contaram até com o auxílio dos Correios, e com julgamento, em boa parte, independente de audiência, pois matéria de direito, o autor sentir-se-á seguro e, pelo seu raciocínio, convencido da ilegalidade da cobrança, confiante no êxito da demanda e na retidão do Judiciário.

Após a negativa, sentença desfavorável, deve o autor procurar os serviços técnicos de um profissional, e o faz justamente por se sentir traído nesta confiança e no sistema disposto, mas com raros poderes de alteração do resultado.

A ilegalidade da cobrança da “assinatura mensal”, dentre tantas outras questões graves contra réus “poderosos”, deve ser melhor argumentada nas razões de recurso e a aceitação, da possibilidade deste estratagema (reforçar a fundamentação com apreciações legais e pertinentes), assegura a ampla defesa (art. 5º, LV, CF) àqueles que se viram ignorantes da complexidade – para eles, autores – da questão proposta em juízo.

Destarte, deve ser pleiteada a acolhida das razões do recurso com reforço na argumentação como forma de melhor demonstração do fato ilegal da cobrança da “assinatura mensal”, no exemplo, realizada pela concessionária dos serviços de telefonia fixa deste Estado.

Agir de outra forma é prestar um desserviço para a população que deve continuar confiando na busca perene da Justiça como forma de paz social e contar com o auxílio daquele que é indispensável à Justiça – o Advogado.

Alexandre Araujo de Carvalho

Advogado – OAB/SP n. 230.038

e-mail: alexandreacarvalho@yahoo.com.br

Revista Consultor Jurídico

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