Caracas não tem muitos pontos turísticos, mas se um visitante escrever o nome de um deles e mostrar a qualquer pessoa na rua, ela saberá ler. A Venezuela é um território livre do analfabetismo. Este é, hoje, seu maior monumento à história.
Há três anos, a Venezuela tinha 1,5 milhão de adultos analfabetos. Quando o governo iniciou a operação para eliminar o analfabetismo, poucos acreditaram naquela meta. O presidente Chávez lançou a Operação Robinson I, sob a coordenação do ministro Aristóbulo Istúriz. As Forças Armadas lançaram o programa-piloto em duas cidades, para mostrar que a meta era possível.
Confirmado o sucesso, a operação foi levada ao resto do país. Milhares de agentes visitaram cada casa. O slogan “Eu, sim, posso!” mobilizou todos os venezuelanos. Aos poucos, cada cidade levantou uma bandeira declarando-se “Território Livre de Analfabetismo”. Em 28 de outubro, o país declarou-se Território Livre do Analfabetismo, com aval da Unesco.
Tive a honra de ser convidado para a celebração. Em uma tocante solenidade na Assembléia Nacional, ouvi falar emocionada uma recém-alfabetizada. O presidente do Congresso, na presença de uma representante da Unesco, assinou um Ato Congressional, declarando a Venezuela Território Livre de Analfabetismo. À tarde, essa Declaração foi entregue ao presidente Chávez, diante de milhares de alfabetizadores e recém-alfabetizados. O povo na rua comemorou orgulhoso.
Depois deste 28 de outubro, a Venezuela nunca mais será a mesma. É como se um país, que há cem anos abre poços de petróleo, abrisse o poço de uma energia muito mais poderosa – a capacidade intelectual de seu povo.
Considera-se livre de analfabetismo o país com mais de 95% de seus adultos letrados. Na Venezuela, eles são 99%. Passaram com sucesso pelo programa 1,4 milhão de jovens e adultos, de todas as idades, portadores de deficiências, presos, doentes. Cada alfabetizador recebe, no dia da diplomação, uma coleção de livros simples de leitura, clássicos da literatura, e é inscrito na Fase II do programa, até a conclusão da 4ª série. O próprio presidente cita livros e recomenda leituras em seus discursos.
Testemunhar um país declarar-se livre de analfabetismo é como assistir a sua Declaração de Independência. Ver a enorme bandeira – Território Livre do Analfabetismo – era como ver a verdadeira bandeira da Venezuela só agora hasteada. No Brasil, isso seria ainda mais emocionante, porque nossa bandeira só é reconhecida pelos alfabetizados. Além de cores, tem palavras.
Por isso, para um brasileiro, a alegria de assistir ao êxito venezuelano é entristecer-se um pouco. Porque se o Programa Brasil Alfabetizado tivesse sido mantido nos moldes de 2003, com uma secretaria específica para o assunto (nossa operação Robinson) e recursos assegurados, o Brasil estaria pronto para erradicar o analfabetismo antes do final de 2006. É inexplicável que o presidente Lula tenha preferido extinguir a Secretaria para a Erradicação do Analfabetismo, reduzir o Brasil Alfabetizado a um programa sem metas nem ambições, e chegar a 10 de outubro de 2005 tendo aplicado 10,5% dos recursos previstos para este ano.
Em setembro de 2003, o presidente Lula recebeu no Teatro Cláudio Santoro, em Brasília, um prêmio da Unesco pelo Brasil Alfabetizado. Naquele momento, imaginei-o em 2007 recebendo o Nobel da Paz por ter erradicado o analfabetismo no Brasil. Durante a solenidade no Teatro Teresa Carreño, em Caracas, percebi que essa chance está mais próxima do presidente Chávez.
Cristovam Buarque
Professor da Universidade de Brasília e senador pelo PDT/DF