A psicologia nos ensina que todo ladrão mente e quase todo mentiroso rouba. Quando rouba, o larápio não busca apenas um objeto, pois o que o move é apropriar-se das qualidades da pessoa lesada. É como o Tupinambá em seu festim canibalístico que, ao devorar seu inimigo, imaginava adquirir suas qualidades, sorte e bravura.
Assim, o malfeitor se engrandece com a imaterialidade do objeto furtado, pois são as qualidades do dono que ele busca em seus bens. Trata-se de uma atuação mágica, primitiva. Por outro lado, ninguém consegue impedir o larápio de mentir porque, quando o faz, ele rouba do outro a sua percepção da realidade, a sua consciência. É a mesma compulsão.
Podemos dizer então que, nas carências da alma, estão as motivações do roubo e da mentira, das quais resultam sentimentos de grandeza e onipotência no íntimo de seus praticantes.
Como diriam nossos adolescentes, ao enganar e furtar, o pobre de espírito “se acha”, sentindo-se igual ou superior àqueles que lesa, engana. Sabe-se ainda que o “olho grande” marca sua alma. Por carregar nela um contínuo sentimento de menos-valia, a inveja o aflige diuturnamente. Assim, a riqueza material ou espiritual alheios o atormentam, mobilizando suas iras e ações para levar privação e dor ao outro: “se pouco tenho, você nada terá”, seria seu lema.
Creio que a “maldade” seja o chefe da quadrilha constituída pela mentira, o roubo e a inveja. A maldade se realiza no momento em que o algoz vê refletido nos olhos de sua vítima, a perplexidade, a frustração, o desconsolo e a impotência. Para aí chegar, a vítima foi seduzida, nela sendo alimentadas esperanças grandiosas, o mais das vezes justas, ainda que não realistas. Como uma fruta que apodrece em sua mão, ao vê-la frustrada e impotente, o maldoso deposita em sua presa toda a dor, frustração e impotência que traz na alma. Ou seja, a maldade que um dia o atingiu e mutilou. A mentira e o roubo são, pois, instrumentos da inveja e da maldade, para resultar num triunfo maligno, através da dor alheia.
A prática da maldade, caro leitor, pode ser individual, como a de um “serial killer”. Pode ainda ser coletiva, quando lideranças perversas iludem e frustram multidões, sem culpas ou vergonha de suas semeaduras de promessas vãs, das apropriações não contabilizadas e da teia de mentiras em que se enrola, gradativamente, quando sua lama vem à tona.
Toda essa cadeia de miséria humana, leitor, está escrita nos fatos políticos que se descortinam hoje, sob nosso olhar perplexo, na novela dos Mensalões&Mensalinhos, que assistimos.
Se roubar para corromper congressistas é um triunfo, leitor, evidencia-se ser “a glória”, encobrir as extorsões e as cumplicidades com o submundo da coisa pública ou privada. Ao optar pela cadeia de mentiras para ocultar o sol com uma peneira, aqueles pegos com a boca na botija mensaleira, agem como o glutão que não renuncia às bordas recheadas que coroam sua saborosa pizza.
Depois de os escândalos que viabilizaram a decepção e a dor coletivas, a mentira torna-se a jóia da coroa no exercício da onipotência e no triunfo da maldade! Àqueles que hoje envergonham a Nação com seu perverso gozo mensaleiro e mentiroso, resta-nos deixar-lhes a canção de Gonçalves Dias, em Y-Juca-Pirama: “Possas tu, isolado na terra/ Sem arrimo e sem pátria vagando/ Rejeitado da morte na guerra/ Rejeitado dos homens na paz,/ Ser das gentes o espectro execrado,/ Não encontres amor nas mulheres,/ Teus amigos se amigos tiveres/ Tenham alma inconstante e falaz!
Valfrido Chaves
Pantaneiro, psicanalista