Dever de alimento é transmitido a cônjuge e companheiro

por Maria Luiza J de Arruda Camargo e Luiz Carlos de Arruda Camargo

O direito a alimentos sempre foi considerado uma espécie de direito da personalidade. Tratado como obrigação personalíssima e de natureza pública, se extinguia com o óbito do devedor.

A maioria dos doutrinadores e a maciça jurisprudência sempre perfilharam o conceito de que os alimentos têm ativa e passivamente, caráter pessoal (“Alimentos — Filho que se aproxima da maioridade e da independência — Mãe que pretende sejam os alimentos revertidos a si — Caráter personalíssimo dos alimentos — Improcedência do pedido. A característica fundamental do direito de alimentos, como ensina Yussef Cahali, é representada pelo fato de tratar-se de direito personalíssimo.” RT 464/86). De fato, ensinava Yussef Cahali, “(…) sua titularidade não passa a outrem, seja por negócio jurídico, seja por fato jurídico.” (Dos Alimentos, ed. RT, 3ª ed., p.55).

E era essa a expressa previsão do artigo 402 do antigo Código Civil:

“A obrigação de prestar alimentos não se transmite aos herdeiros do devedor.”

Bem estratificada essa regra, veio a Lei do Divórcio (Lei 6.515/77) estabelecendo em seu artigo 23, que:

“A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do artigo 1.796 do Código Civil.”

E o artigo 1.796 do Código Civil:

“A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.”

Sobre essa radical alteração muito se discutiu (uns entenderam que o artigo 402 foi simplesmente revogado, outros que a controvérsia ficava restrita a cônjuges, eis que a mudança veio no bojo de lei especial que trata do divórcio, outros ainda, que apenas os valores em atraso seriam transmissíveis), tendo a fonte pretoriana fixado, de modo dominante, que os valores vencidos e não pagos, deviam ser suportados pelos herdeiros do de cujus; não porque os alimentos se transmitiam, mas pelo fato desses atrasados não terem mais caráter de pensão alimentícia, e sim de dívida comum. E mais, a jurisprudência assentou que o artigo 402 do Código Civil não fora derrogado, mas que a transmissão dos alimentos ficou explicitada pelo artigo 1.796, isto é, transferiam-se aos herdeiros os valores vencidos até a abertura da sucessão do devedor e no limite das forças da herança.

O fato é que o artigo 23 da Lei de divórcio rompeu com a anterior regra geral, superando o antigo e consagrado cânone, sobrevindo, afinal, o novo Código Civil que estabelece, em seu artigo 1.700:

“A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do artigo 1.694.”

Essa norma legal alterou todo o entendimento anterior; o artigo 1.700 retirou a natureza personalíssima do direito de alimentos. Contudo ainda cabem alguns questionamentos:

Por exemplo, no caso em que a viúva é a segunda mulher do falecido; na qualidade de herdeira, deverá responder aos alimentos que o de cujus eventualmente pagasse à primeira mulher? E os filhos dessa segunda união, deverão assumir a pensão que o finado pai pagava à primeira esposa? E o município, a União, que herdam na hipótese de não haver cônjuge, companheiro nem parente algum, assumem o dever de alimentar a ex-mulher do morto? E mais, se o falecido não deixou bens, ainda assim a universalidade de seus herdeiros assume o dever alimentar?

Resumida exegese do mencionado artigo 1.700 do Código Civil:

O ordenamento jurídico deve ser estudado em sua integralidade, não bastando interpretar um artigo de lei de modo individual e apartado do organismo do qual é parte.

Pois bem, em primeiro lugar o artigo 1.700, do Código Civil menciona o artigo 1.694 que por sua vez estabelece:

“Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.”

Note-se que esse artigo confina o pleito de alimentos a uma bem definida classe de credores e devedores, isto é, parentes, cônjuges e companheiros podem pedir e, reciprocamente, devem assumir os alimentos. O artigo não diz que os demais herdeiros, o espólio, os colaterais, os filhos de outro casamento e esse cônjuge supérstite, o Município, ou União, devam ser convocados para substituir o devedor de alimentos.

E a esses demais herdeiros, o que lhes é transmitido? Para responder a questão, invocamos o artigo 1.997 do Código Civil:

“A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.” Ou seja, todas as dívidas comuns, entre elas a dívida alimentar vencida, passam à universalidade dos herdeiros. Já o dever alimentar é transmitido só aos parentes, cônjuges e companheiros do alimentado.

Deveras, parece que a melhor inteligência do artigo 1.700 em consonância com os artigos 1.694 e 1.997, todos do Código Civil, garante ao credor de alimentos que seus parentes, cônjuges e companheiros arquem com a obrigação, isto é, fixa a transmissibilidade do dever de alimentos aos herdeiros ali mencionados, numerus clausus, e para todos os efeitos legais; e mais, aos outros herdeiros cabem os valores vencidos, as dívidas pré-existentes (“A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido…”), e no limite das forças da herança.

Assim, salvo melhor juízo os herdeiros estrito senso, mencionados na lei, assumem a obrigação alimentar para com seus parentes, cônjuges e companheiros (artigo 1.700, c.c. artigo 1.694). Já o espólio, (a totalidade dos herdeiros), assume as dívidas pretéritas vencidas (artigo 1.700, c.c. artigo 1.997), no limite das forças da herança e enquanto durar o inventário.

Revista Consultor Jurídico

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