por Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda
A manutenção de um Órgão Especial num Tribunal de Justiça como o de São Paulo, que congrega quase quatro centenas de desembargadores é, diante dos contemporâneos conceitos de administração pública, trocar seis por meia dúzia, como diz o vulgo.
Desde que a Constituição Federal facultou aos tribunais de Justiça a criação de um Órgão Especial com poderes administrativos e jurisdicionais delegados pelo Tribunal Pleno, penso que a manutenção desse órgão, ainda que com a metade de seus membros eleitos, é desatender o princípio maior constitucional federativo de execução de um planejamento político administrativo judiciário em perfeita correspondência com as peculiaridades da Justiça Estadual paulista.
Não podemos ir à praia e ficarmos só olhando as espumas que se desfazem na areia, como diz o poeta, mas olharmos para além da linha do horizonte onde se guarda o segredo do novo mundo.
Celso Limongi assumiu a presidência do maior Tribunal de Justiça do Brasil, parece que determinado a olhar para o horizonte. E também parece que o acompanham o vice-presidente, Caio Canguçu, e o corregedor-geral, Gilberto Passos.
Eis a oportunidade única que se abre para desmontar a velha ordem administrativa, título que usei em artigo que escrevi, nesta mesma revista, contra o atraso e o conservadorismo do Tribunal de Justiça na condução de sua administração, independente da qualidade moral e intelectual dos desembargadores que exerciam atividades de administração.
A moderna administração pública, antes de tudo, exige descentralização. E mais ainda: em tempos de uma ciência informática novidadeira que transforma tudo e a todos quase que diariamente, manter um anacrônico Órgão Especial formado por apenas 25 desembargadores, ainda que sua metade seja eleita, com poderes absolutos acima do próprio Tribunal Pleno, é simplesmente perpetuar o atraso com uma aparente evolução na forma de escolha dos 25.
A nova direção do TJ-SP tem de correr atrás do prejuízo e instalar um novo processo de administração. É absolutamente inconcebível que se use do computador como uma mera máquina de escrever e postar mandados e alvarás, quando existem meios de comunicação escrita em tempo real; que se mantenha um quadro funcional impregnado de uma mentalidade do início do século passado, que pratica uma burocracia de personagem machadiana e que transforma a extração de uma simples e prosaica xerox numa verdadeira viagem de Ulysses. O mais grave está aí: centenas de processos crimes de réus presos, que estão em prateleiras, prostrados, mais indolentes do que o Jeca Tatu, de Monteiro Lobato.
Essa velha e ultrapassada estrutura administrativa, principalmente com um Órgão Especial, principesco e privilegiado, decidindo coisas que um funcionário com formação em direito administrativo e que está, até muitas vezes, mais habilitado a decidir do que um desembargador que trabalhou a vida inteira no crime ou no cível, não pode continuar sob pena de a Justiça paulista se transformar numa organização apenas formal.
Mas sei que a crítica só não basta. É preciso oferecer soluções, ainda que estas possam ser equivocadas ou sem profundidade.
Assumo o risco. Ofereço a minha idéia.
1. Em primeiro lugar, se deve imediatamente separar a administração, (1) do Tribunal de Justiça, enquanto órgão jurisdicional e administrativo de segunda instância da (2) administração dos serviços administrativos e judiciários de primeira instância. Somente a partir dessa separação é que se pode pensar em estruturar os órgãos administrativos e jurisdicionais do Tribunal de Justiça.
2. Feita a separação, começaria pela organização e administração Tribunal de Justiça enquanto órgão de juízo recursal de segunda instância, com funcionamento e estruturas administrativas próprias e absolutamente descoladas da administração de primeira instância. O Tribunal Pleno funcionaria como órgão máximo decisório apenas para as questões administrativas relevantes e para a expedição de atos normativos exclusivamente de interesse do Tribunal de Justiça, enquanto órgão recursal de segunda instância. No âmbito jurisdicional, o Pleno delegaria para as seções especializadas o julgamento de assuntos jurisdicionais tratados como de competência originária do Tribunal, expedição de súmulas judiciais, etc. Assim, no plano jurisdicional, as sessões plenárias das seções de direito teriam competência tanto recursal, quanto originária de forma a estabelecer um pensamento jurisprudencial sustentado em conhecimento sólido e especializado da matéria, condizente com as evoluções jurídicas ditadas pela rapidez com que se dão os fatos sociais à vista da tecnologia cibernética.
A administração propriamente dita dos serviços judiciários e administrativos do Tribunal de Justiça funcionariam sob a supervisão correcional do presidente do TJ, de sorte que tudo seria organizado, disciplinado e executado pelos presidentes das respectivas seções de direito, respondendo cada seção pelos seus funcionários, pelas decisões administrativas e expedição de atos normativos próprios e condizentes com as necessidades específicas de cada seção. Eventuais decisões que possam quebrar a harmonia do funcionamento do tribunal como um todo, ou, eventualmente, contrariar a política administrativa adotada pelo presidente do Tribunal e chefe do Poder Judiciário, este, de ofício, ou por provocação de qualquer um dos desembargadores, levaria o assunto ao conhecimento do Tribunal Pleno para a sua solução uniformizadora. Fica claro, portanto, que o Tribunal de Justiça, repito, enquanto órgão jurisdicional de segunda instância teria um regimento interno próprio e independente do regimento de primeira instância.
3. Já quanto a estruturação dos serviços administrativos e judiciários de primeira instância funcionaria com um Órgão Especial formado nos moldes do proposto pela CF, ou seja, no máximo com 25 desembargadores, metade eleita e outra metade formada pelos mais antigos, com a participação, por meio de eleição, de juizes de primeiro grau como opinadores, mas sem direito a voto. A presidência da administração de primeira instância ficaria a cargo do vice-presidente do TJ ou de desembargador eleito para essa função entre os desembargadores do Órgão Especial, montando-se, a partir daí, todos os demais órgãos administrativos inferiores, tudo também por meio de um regimento interno específico, aprovado pelo Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça.
4. Penso que essa descentralização administrativa, quase uma desconcentração administrativa, iria permitir uma dinâmica de atendimento aos interesses das duas instâncias mais condizente com as necessidades, urgências e prioridades de cada qual, deixando para o presidente do Tribunal de Justiça a relevante e indispensável tarefa de chefia, representação protocolar e política do Poder Judiciário de São Paulo, reservando-lhe uma agenda mais compatível com a magnitude de sua função.
Penso, pois, que o momento é para mudanças e não para a manutenção de um Órgão Especial integrado por desembargadores, os mais antigos na carreira e por aqueles oriundos do quinto constitucional, principalmente, os advogados, posto que, aqueles, de regra, já distantes da realidade da justiça de primeiro grau e estes, sem a indispensável experiência e sem conhecimento das vicissitudes do exercício jurisdicional nas comarcas do interior, acabam por produzir decisões administrativas inconstitucionais, como foram as últimas emanadas do referido órgão.
Urge, pois, que seja montada uma administração do Poder Judiciário paulista que não afaste do exercício da jurisdição tantos desembargadores como o que acontece atualmente, ou seja, afastamento que trás como prejuízo real e concreto para justiça o julgamento de mais de 20 mil recursos por ano. Por outro lado, que se ponha um fim definitivamente na convocação de juizes de primeiro grau para o exercício de tarefas administrativas que, segundo consta, no final de dezembro do ano vencido, somavam o número nada desprezível de 42 juízes, representando nada mais, nada menos do que, em princípio, 40 mil processos que deixam de ser julgados por ano.
Por certo que essa minha idéia será mais uma entre tantas idéias que poderão surgir. Que venham elas, mas para mudar, transformar, para, enfim, revolucionar ainda que os juizes temam essa expressão. É o único caminho para a revitalização do Poder Judiciário Paulista e romper para sempre com a velha e ultrapassada ordem administrativa até agora vigente e que, seguramente, tem quase cem anos de existência.
Sem riscos, ousadia e coragem nada se consegue na vida e não há outra forma de se romper com o velho senão de forma radical.
Os presidentes do Tribunal de Justiça, antecessores de Celso Limongi, recusaram-se ao novo, rejeitaram ingressar na história do Poder Judiciário paulista. Com toda certeza Celso Limongi cumprirá com o seu destino de tirar o verde azinhavre que encobre o reluzente e nobre metal de que foi feita a estátua da Justiça paulista. Allons! Enfants de la Justice!