por Regis Fernandes de Oliveira
O mundo vive hoje fantástica persistência na afirmação dos direitos tradicionais. São os de primeira geração, isto é, aqueles que preservam a pessoa, constituindo-se em grande conquista da humanidade, após longos séculos de lutas, guerras e afronta ao indivíduo.
Os constitucionalistas insistem em consignar os fundamentos de suas teorias na necessidade de preservação de tais direitos e crescimento de outros, ditos de segunda (sociais), terceira (meio ambiente, solidariedade, etc.) e quarta geração (democracia, informação, pluralismo e orçamento). Os direitos de primeira geração podem qualificar-se de negativos, isto é, traçam os limites negativos de atuação do Estado contra o ser humano. Os de segunda exigem a presença do Estado, por meio das políticas públicas, para que possam ser atendidos. Daí seu rótulo de positivos.
De alguma forma, a luta histórica foi no sentido de institucionalização de tais direitos, de sua consagração em textos normativos formais.
Mas recentemente, a dificuldade não está na inserção de tais direitos nas constituições e nos textos legais. A dificuldade está em torná-los efetivos. Há receptividade da comunidade na declaração dos direitos ditos burgueses. Todos acham que deve haver proteção à pessoa, que as desigualdades devem diminuir, preservando-se a liberdade a qualquer custo.
O terrorismo individual, de grupos ou do Estado, objetiva injetar veneno ou medo no coração da sociedade. Entidades objetivam a destruição do Estado ou, em defesa de preceitos religiosos ignorados ou ocultos, postulam a eliminação de pessoas ou entes com fundamentos odiosos.
Do outro lado, o terrorismo internacional que se expande por diversos países, em fortíssimas organizações criminosas, invade Estados, objetivando aniquilar grupamentos étnicos, raciais ou religiosos. O ódio não tem fronteiras. As garras de psicóticos, doentes mentais ou desajustados sociais não encontram limites.
A Constituição brasileira consagra direitos individuais no artigo 5º . Por ali, se vê a livre manifestação do pensamento (inciso IV), a liberdade de consciência e crença (VI), atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (IX), inviolabilidade da intimidade, da vida privada (X), inviolabilidade da correspondência e de dados e das comunicações telefônicas (XII), liberdade de locomoção (XV), de associação e reunião (XVI e XXVII), etc.
Bem andou o constituinte em consagrar tais direitos em texto solene de preservação das liberdades.
A angústia que agora assola o intérprete diz respeito a como fazer com uma pregação que busque a superação de tais liberdades, em benefício da sociedade. Se asseguro a liberdade de pensamento, crença e consciência, permito que elas se manifestem. O que ocorre se elas se dirigem à destruição da própria liberdade? Como reagiria o ordenamento em restringir o uso da palavra que pregue ódio, sob o argumento de que o governo é auto-destruidor e tem agredido as liberdades públicas? Se alguém prega a destruição ou ataque às instituições, estará infringindo algum direito ou está exercitando-o?
O combate de antigamente dizia respeito à agressão aos bons costumes, à relatividade da moral, à preservação da família, ao respeito nas escolas. Saudade de tal fase. Agora, grupos organizados e armados hostilizam a sociedade, montando força paralela de dominação. Desafiam o Estado. Institui normas próprias de conduta, construindo um sistema normativo paralelo ao oficial e de maior eficácia. As sanções são imediatamente cumpridas com a morte do infrator. O direito oficial e as estruturas policiais são insuficientes para garantir a ordem e a segurança coletiva, gerando temor da sociedade. No entanto, tais grupos são apenas de violência e controladores do tráfico de drogas.
O mais agudo, na sociedade atual, são as organizações de meliantes que buscam destruir Estados, passando por cima de direitos consagrados.
Daí a crucial indagação: até que ponto os direitos devem ser preservados para que se possa combater, com eficácia, tais organizações criminosas nacionais e internacionais? A lavagem de dinheiro, o tráfico de drogas, o comércio ilegal de armas, o treinamento de adeptos de religiosidade exacerbada ou fanática, tudo isso agride ou pode agredir o cidadão cumpridor de seus deveres? Qual o limite da desconsideração dos direitos humanos para preservação da sociedade? Qual o ponto de equilíbrio na restrição a direitos fundamentais? Até que linde estaria disposta a sociedade a ceder em seus direitos para sua própria preservação? Poder-se-ia pensar em direitos humanos apenas para alguns?
Poderia, diante de grave atentado aos direitos humanos, haver lei sancionatória retroativa, em franca colidência com o inciso XXXIX do artigo 5º? Seria lícito pensar na criação de um tribunal específico para o julgamento de crimes contra os direitos humanos, em hostilidade ao inciso LIII do artigo 5º? Seria admissível haver julgamento em uma única instância, descumprindo o inciso LV do mesmo artigo? Gravações telefônicas obtidas sem autorização judicial poderiam ser admitidas em tal julgamento, em descompasso com o inciso LVI? Poderia o órgão público sonegar informações sobre pessoas ou fatos, em agressão ao inciso XXXIII?
Como se vê, o problema já não é mais de declarar direitos ou de assegurá-los, mas de restringí-los, em volta ao passado, em luta lenta e permanente na evolução nos conceitos de Parmênides e Nietzsche.
Haveria necessidade de nova redação dos direitos consagrados no artigo 5º ou bastaria a releitura efetuada pelas Cortes de Justiça? Estariam os juízes preparados para dar nova interpretação aos direitos previstos, reavaliando seus conceitos?
É curioso o caminho da construção dos direitos e das sociedades. A partir da existência de duas pessoas, começam a nascer as regras de comportamento, dando surgimento às sanções. Com o crescimento das comunidades, distingue-se o exercício dos poderes, de forma que um controle o outro. Lutas consagram os direitos. O ser humano passa a ser o centro do universo e sua individualidade cresce na preservação. Documentos solenes assim dispõem. Nascem os direitos de primeira geração, seguidos pelos sociais, pelos de solidariedade e ambientais, por fim, o pluralismo, a informação, etc.
Em tal seqüência, parece que retornaremos ao estado de barbárie. Agora, já se fala em encontrar brechas na preservação da sociedade, em detrimento dos direitos humanos. O choque será a limitação dos direitos, a delimitação mais estreita de seu conteúdo. Não mais o que Bobbio dizia, que os direitos já estavam assegurados; necessário será garanti-los. Diante da nova realidade, o que importa é dar nova definição aos direitos, para que não haja necessidade de regressão.
A defesa da sociedade, curiosamente, passa pela do Estado, em simbiose estranha, deixando de lado os direitos individuais. O essencial, diante de tal paroxismo social, convém que os doutrinadores e estudiosos comecem a meditar sobre qual a situação de equilíbrio que deve ser buscada.
Revista Consultor Jurídico
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