Li, com preocupação e espanto, o editorial publicado no Correio do Estado do dia 23 de janeiro do corrente ano – “Uma repulsa mais veemente para o caso”, da autoria do ilustre Auditor Fiscal da Receita Federal (aposentado) e ex-vereador J. Bandeira.
O artigo imputa as pessoas ali nominadas, com base nas informações que o autor colheu através do farto noticiário da imprensa, diversos crimes, entre eles, de sonegação fiscal, fraude, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e formação de quadrilha.
Fiquei, confesso, arrepiado e perplexo.
É sabido que as atividades de investigação de um fato tido como criminoso, produzidas através de inquérito policial pela autoridade policial, aguçam o repórter e alimentam a crônica policial.
O impacto da ocorrência, mormente quando envolve pessoas da sociedade, desperta a curiosidade pública e repercute socialmente.
É bom sempre lembrar, principalmente para os leigos, que a polícia judiciária exerce na apuração dos fatos função meramente investigatória, basicamente consistente em recolher informações sobre o crime (em tese) para possibilitar ao Ministério Público o oferecimento da denúncia.
Fora daí, tenho o inquérito policial como “um nada”, porque se as provas colhidas na fase investigativa tivessem um valor probante definitivo, é óbvio, não haveria necessidade de destas mesmas provas serem reproduzidas em juizo, aí sim, assegurando-se aos acusados em geral o inalienável e sagrado direito de defesa.
O direito de defesa, assegurado constitucionalmente aos acusados, somente ocorre no embate do contraditório, com a presença das partes, legitimamente representadas, através do advogado, do Ministério Público e do Juiz de Direito.
O artigo do ilustre Auditor da Receita Federal (aposentado), sem dúvida, coloca as pessoas envolvidas no Inquérito Policial, investigado pela diligente Polícia Federal, na condição de culpados, quando a ação penal sequer teve o seu início.
Daí porque a afirmação positiva no sentido de que se ter um mínimo de respeito as prerrogativas conferidas constitucionalmente a qualquer acusado de não ser tido como culpado até que a sentença penal condenatória transite em julgado, evitando, assim, qualquer consequência que a lei prevê como sanção punitiva antes da decisão final.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LVII, reza que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.
Se a Lei das Leis, a quem devemos obediência e reverência, assim proclama, é elementar dizer que todo e qualquer acusado de um crime tem o direito de ser tratado com dignidade enquanto não se estratificam as acusações, através de uma sentença definitiva, transitada em julgado.
Do princípio constitucional citado, emergem outros de igual relevância: o direito à ampla defesa, o direito de recorrer em liberdade, o duplo grau de jurisdição, o contraditório, entre outros.
A Desembargadora Suzana Camargo, integrante do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, afirmou no julgamento do Mandado de Segurança 2004.03.00.008540-9, com muita propriedade, que o “processo penal, por si só, tem o peso da infâmia para aquele que o sofre”.
Sim, da infâmia, porque o processo penal, já dizia Carnelutti, é mais vergonhoso do que a própria pena, por isso, em consonância com esses princípios, há de se reafirmar o valor da dignidade humana como premissa fundamental da atividade repressiva do Estado.
O artigo do ilustre Auditor (aposentado) colocou aquelas pessoas, que ainda não foram julgadas, em posição humilhante no banco dos réus, de maneira sensacionalista, como culpados, em franca testilha, igualmente, com as suas privacidades, pois a Constituição, além de considerar os acusados inocentes até o trânsito em julgado da decisão condenatória, também declara “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”.
Finalmente, o articulista do editorial “Uma repulsa mais veemente para o caso”, até porque ele também é advogado, não deve se esquecer e nem perder de vista que, até julgamento final, todo acusado presume-se inocente.
Fora daí, fica a repulsa mais veemente pelo editorial, porque considerar alguém culpado, antes do trânsito em julgado do processo, pode trazer consequências sérias e indeléveis à honra e à imagem das pessoas.
Ricardo Trad*
Advogado criminalista