Limite necessário

Ninguém discute a importância das medidas provisórias. Adotadas a partir da Constituição de 88, elas foram concebidas para dar agilidade na execução de políticas públicas pelo Executivo, em matérias que, muitas vezes, precisam ter eficácia imediata e não podem esperar por um longo período de tramitação no Legislativo. Ao contrário do decreto-lei, as MPs só passam a ter caráter definitivo depois de apreciadas e aprovadas pelo Congresso, no prazo constitucional. Mas a Constituição é bem clara: elas só podem ser editadas em caso de urgência ou relevância. Fora disso, também não há o que discutir: a edição das medidas é um desrespeito ao Congresso Nacional, que tem, efetivamente, competência legislativa.

Infelizmente, o exagero na edição de medidas provisórias tem sido rotina nos últimos anos. Não apenas neste governo, como nos anteriores. Matérias de caráter tributário, matérias sem qualquer urgência ou relevância, que poderiam perfeitamente tramitar com projetos de lei, têm tumultuado, de forma inaceitável, o processo legislativo. Basta dizer que, somente no Senado, no ano passado, a pauta de votações foi trancada por medidas provisórias em 65% das sessões. Vale lembrar que, de acordo com a Constituição, se uma MP não for apreciada em 45 dias, fica sobrestada toda e qualquer votação da Casa.

A Emenda Constitucional 32, aprovada em 2001, foi um primeiro avanço. Antes dela, se as MPs não fossem convertidas em lei no prazo de 30 dias, poderiam ser reeditadas indefinidamente. Nessas reedições, eram modificadas com acréscimo de matérias estranhas à versão original ou à versão imediatamente anterior. A apreciação pelo Congresso era praticamente inviável. Para se ter uma idéia, de 6.110 MPs editadas no período, apenas 619 eram originais; 5.491 eram reeditadas.

Se o problema da reedição foi resolvido com a Emenda 32, a falta de critérios na edição das medidas provisórias e o atual rito de tramitação no Legislativo continuam sendo problemas graves. O excesso de medidas fere a soberania do Congresso. A exigência de que, para cada MP, seja formada uma comissão mista antes da chegada ao plenário atrasa o processo de discussão, que fica ainda mais tumultuado pelo fato de todas as medidas começarem a tramitar pela Câmara dos Deputados. Boa parte das vezes, quando as matérias chegam ao Senado, o prazo de apreciação já está praticamente vencido. É o caso – só para citar um exemplo – da chamada MP do Bem, medida da maior importância para a desoneração tributária, que chegou ao Senado com prazo de apenas dois dias para ser discutida e analisada.

Outro pecado das medidas provisórias, este imperdoável, é o estímulo a um cenário de insegurança jurídica, que espanta os investidores e freia nosso desenvolvimento. Não podemos admitir que regras contratuais possam, de uma hora para outra, ser alteradas por medidas provisórias. Surpresas, mudanças de última hora são os maiores obstáculos para um planejamento de longo prazo – como os que estão previstos nas Parcerias Público-Privadas, fundamentais para o País. Foi com essa preocupação que apresentei, em 2004, Proposta de Emenda Constitucional proibindo a edição de medidas provisórias em matérias contratuais.

A mudança na edição e tramitação das medidas provisórias foi uma discussão amadurecida cuidadosamente ao longo dos últimos meses. A matéria, com votação marcada para esta semana, vai resgatar os pressupostos de urgência e relevância que têm sido desprezados ao longo dos últimos anos, permitir uma análise mais cuidadosa e equilibrada das matérias pela Câmara e pelo Senado e colocar um ponto final no processo tumultuado que vem marcando o processo legislativo.

Renan Calheiros
*Presidente do Senado Federal

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