A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE
Alex Sandro Cardoso *
RESUMO
Dispõe sobre a aplicabilidade da Exceção de Pré-Executividade no Direito Processual Civil Brasileiro como meio de defesa ao devedor no processo de execução. Tal instituto ainda não tem previsão legal no Código de Processo Civil, contudo, vem ao longo dos anos sendo aceito pela Doutrina e aplicado pela Jurisprudência, uma vez que se encontra amparado no Princípio Constitucional do Contraditório.
Palavras-chave: Exceção de Pré-Executividade – Objeção à Pré-Executividade – Processo de Execução – Embargos do Devedor – Princípio do Contraditório.
I. INTRODUÇÃO:
Este trabalho tem o propósito de abordar sobre o Instituto da Exceção de Pré-Executividade no cenário jurídico de nosso Direito Processual Civil. Trata-se de um importante instrumento de defesa à disposição do devedor processo de execução.
Entretanto, a possibilidade de argüição desta faculdade não se encontra regulada em nosso direito positivo, porém teve interpretação extensiva ao princípio do contraditório regulado pelo Art. 5º da Constituição Federal de 1988, de onde nossos doutrinadores pátrios passaram a sugerir sua aplicação como substituto aos embargos do executado, que até então era a única forma de defesa prevista ao devedor.
Atendo-se ao Código de Processo Civil, somente vislumbraremos uma possibilidade de defesa do devedor, qual seja a ação incidental de embargos ao executado, prevista no artigo 736 daquele dispositivo, que salvo algumas exceções deverá ser precedida da garantia do juízo através da penhora, que também esta regulada pelo CPC em seu artigo 737.
Desta forma, muitas vezes torna-se inviável a propositura da ação de embargos ao executado, uma vez que com a garantia do juízo, o devedor já há que dispor de seus bens para constrição judicial, como se findo estivesse o processo.
O artigo 5º, inciso LV da Carta Magna, garante aos acusados o contraditório e a ampla defesa, entretanto, entendem a maioria de nossos doutrinadores pátrios que tal princípio não encontra abrangência ampla no processo de execução, uma vez que somente lhe é assegurado com a efetivação da penhora.
Esta redução do contraditório é admitida no campo da execução, pelo fato de que nesse tipo de processo não há mais que se discutir acerca do mérito, que deveria ser alvo de contradição no processo cognitivo, ou ainda no ato de liberalidade que têm uma pessoa ao emitir um título de crédito extrajudicial.
Desta forma, entenderam nossos legisladores que encontra-se presente o princípio do contraditório no processo de execução, quando oportunamente o mérito foi decidido no processo de conhecimento em caso de títulos executivo judiciais e na emissão de títulos executivos extrajudiciais, que dispensam o processo de conhecimento uma vez que o direito como via de regra deve ser líquido, certo e exigível, e por ser um ato de liberalidade o contraditório fez-se presente na sua emissão.
Conquanto seja aceitável que o contraditório deva ser mais abrangente no processo cognitivo e menos no executivo, há de se ressaltar que é extremamente necessário que seja previsto em nossa legislação processual uma ferramenta justa para defesa do executado, sem que tenha este de cumprir atos constritivos antes do fim do processo.
Ocorre que muitas vezes nos deparamos com títulos executivos viciosos, sejam eles judiciais ou extrajudiciais e tendo estes “Presunção iuris tantum”, ou seja, admitem prova em contrário, poderia o executado levantar suspeitas acerca de um título específico, como por exemplo podemos visualizar um cheque que tenha sido emitido com assinatura falsa, onde o executado para garantia de seu direito de contraditório deva para tal argüir em sua defesa, que naquele título executivo não houve o seu consentimento, tendo vício que o torna anulável.
Ora, se nos atermos somente ao que esta regulado no Código de Processo Civil, deveria esse executado dispor de seu patrimônio para propor a sua defesa, antes mesmo de ser decidido o processo. Daí a suprema importância do instituto da Exceção de Pré-Executividade, que possibilita ao devedor fazer sua defesa de forma mais justa e menos onerosa, onde somente virá a dispor de seu patrimônio depois de decidido sobre a liquidez, certeza e exigibilidade daquele título executivo.
E a exceção de pré-executividade, como incidente do processo de execução, foi justamente o instrumento processual criado por nossos doutrinadores, e, posteriormente reconhecido pela jurisprudência, que disponibilizou à parte executada, o direito de defesa assegurado indistintamente pela CF/88, pelo que diante da carência de legislação própria merece ser melhor estudado.
II. DESENVOLVIMENTO
1. Exceção – ou Objeção – de Pré-Executividade
Muito se discute sobre a terminologia melhor adequada para definição correta deste instituto. Em algumas obras é intitulada a denominação “Exceção de Pré-Executividade”, noutras “Objeções de Pré-Executividade”. Existem doutrinadores ferrenhos que combatem ambas as denominações, pois argumentam não ser conveniente nem a terminologia “exceção”, nem “pré-executividade”. Muitos processualistas acham mais apropriado o termo “objeção”. Para estes, o termo “objeção de não-executividade” ou “objeção à executividade” exprime melhor a negativa da executividade, que quando não tiver sido reconhecida de ofício pelo juiz, poderá ser apontada pelo próprio executado, em caso de execução indevida.
Mas, enfim, o que é a exceção ou objeção de pré-executividade? Independentemente da terminologia correta, é a possibilidade do executado alegar determinadas questões, em execução, sem a prévia garantia do juízo e sem necessidade de ajuizamento dos embargos do devedor.
Quando estiverem ausentes no título executivo seus requisitos indispensáveis, especialmente pela falta de liquidez, certeza e exigibilidade, o juiz, após examinar os documentos inerentes à execução, poderá trancar a execução, não o fazendo, cabe a parte lesada argüir tais ocorrências em caráter excepcional, requerendo a extinção do processo executivo.
Com o advento deste instituto, o executado, que essencialmente no processo de execução já é a parte que terá seu patrimônio atingido, poderá defender-se da execução por via de uma ação incidental que não os embargos ao devedor.
Nos embargos ao devedor, ou embargos ao executado, este sim, devidamente regulado pelo artigo 736 e 737 do CPC, o executado para opor pelo trancamento do processo de execução, deverá, primeiramente fazer o depósito da penhora para garantia do juízo.
A maior vantagem da Exceção de Pré-Executividade, é justamente a dispensabilidade da garantia do juízo para opor em caráter incidental a ocorrência de algum fato que desconstitua a ação de execução.
Por este motivo, trata-se de uma ferramenta extremamente utilizada pelos operadores do direito no meio forense, haja vista abrir uma oportunidade de justiça mesmo quando o direito já é garantido à outra parte.
O fundamento principal que ampara a exceção de executividade em nosso ordenamento jurídico, não está previsto no Código de Processo Civil, nem mesmo na legislação esparsa, mas sim em princípios constitucionais da mais alta relevância, como o princípio do direito de ação, do contraditório, o princípio da ampla defesa e do devido processo legal, estampados no artigo 5º CF1.
E este direito de acesso a justiça, princípio encampado pela nossa CF/88, acaba por fundamentar o instituto da exceção de pré-executividade, já que o que se busca com a interposição do referido incidente, é justamente a nulidade do processo executivo, por infringência de um de seus requisitos necessários, que está a causar uma ameaça ou lesão ao direito do executado. O simples fato de se sofrer uma execução sem fundamentos, nula ou imotivada, caracteriza lesão ou ameaça a direito do “suposto” devedor, razão pela qual este pode, independentemente de sofrer a constrição patrimonial, através da penhora ou do depósito de seus bens, levar incondicionalmente a apreciação do Poder Judiciário a sua argüição de nulidade do título executivo, uma vez que nada mais estaria lhe sendo ofertado, do que o seu direito público e subjetivo do direito de ação.
O que se busca na exceção de pré-executividade é a nulidade do processo executivo instaurado. A propósito, configuradas quaisquer das hipóteses previstas no artigo 618, combinadas com os artigos 586, 652, 736 e 737 da legislação processual civil brasileira que autorizam a via estreita da exceção de pré-executividade, possível é a suscitação do devedor de qualquer matéria de ordem pública em oposição à execução interposta, sem que, para tanto, seja necessária a interposição da ação de embargos do devedor, que tem como pressuposto indispensável a segurança prévia do juízo e que se dá com a penhora de bens do executado.
2. Surgimento no Cenário Processualístico Brasileiro
BATISTA JÚNIOR (2004), citando seu mentor GRECO, esclarece que
“No Direito Luso-Brasileiro a regra era a prévia segurança, através da penhora, para a interposição dos embargos, salvo algumas hipóteses encontradas nas Ordenações Filipinas, quais sejam os de restituição de menor, os de retenção por benfeitorias, sendo líquidas ou juradas, os de compensação, de líquido a líquido já julgado (os que hoje se chamam de créditos de execução aparelhada”
No campo legislativo, DANTAS (2004) dá como raiz histórica desta exceção o Decreto Imperial nº 9.885, de 1888, que em seus artigos 10 e 31, previa, In verbis:
“Artigo 10 – “Comparecendo o reo para se defender, antes de feita a penhora, não será ouvido sem primeiro segurar o Juízo, salva a hypotese do artigo 31.”
(….)
“Artigo 31 – “Considerar-se-há, extincta a execução, sem mais necessidade de quitação nos autos, ou de sentença ou termo de extincção, juntando-se em qualquer tempo no feito: 1º Documento authentico de haver sido paga a respectiva importância na Repartição fiscal arrecadadora; 2º Certidão de annullação da dívida, passada pela Repartição fiscal arrecadadora, na forma do artigo 12, parágrafo único; 3º Requerimento do Procurador da Fazenda, pedindo archivamento do processo, em virtude de ordem transmittida pelo Thesouro”.
Anos depois, o Decreto nº 5.225, de 31.12.1932, do Rio Grande do Sul instituiu em seu artigo 1º, a exceção de impropriedade do meio executivo, por meio da qual a parte, citada para a execução, poderia, de imediata, opor exceções de suspeição, incompetência, e de impropriedade do meio executivo.
O instituto processual “exceção de pré-executividade” é criação recente da doutrina, sendo que com o desenvolvimento do estudo doutrinário sobre o tema, vem unificando a sua aceitação na Jurisprudência de nossos tribunais.
O pioneiro a discorrer sobre esse tema em nosso País, foi o imortal PONTES DE MIRANDA (1975), com base no parecer nº 95 que versava sobre pedidos de decretação de falência, baseados em títulos falsos, e de ação executiva em que a falsidade dos títulos, afastava a certeza da dívida, requisito este indispensável para a propositura desta ação.
No citado parecer, o mestre processualista nacional, sustenta com invejável capacidade argumentativa, a possibilidade de discussão, anteriormente a penhora, da “falsidade” do título. Com precisão doutrinária PONTES DE MIRANDA (1975, p.128):
“As letras de câmbio, as notas promissórias, os cheques e outros títulos cambiariformes são líquidos; porém a certeza há de resultar do que está escrito, de veracidade das assinaturas e da observância das exigências legais. Se o sacador ou aceitante da letra de câmbio, dentro das vinte e quatro horas, diz que a sua assinatura é falsa, ou que o nome é igual, ou parecido, porém não foi ele que se vinculou ao título cambiário ou cambiariforme, o juiz tem de decidir quanto a isso, porque está em exame a pretensão à execução, e não o mérito da causa.”
A partir do parecer de PONTES DE MIRANDA, eminente processualista nacional, passou-se a discutir exaustivamente sobre esse instituto, onde fora criada imensa polêmica acerca de sua aceitação, pois contrariamente à esse entendimento, outros estudiosos criavam oposições a sua aplicação, o que é comum a todo instituto jurídico novo que não conta com elaboração legislativa.
No presente momento, referido instituto tem sido aceito pela doutrina e jurisprudência de nossos tribunais, inobstante vozes minoritárias que rechaçam a sua aplicação.
3. Oportunidade, Legitimidade, Matérias Argüíveis e Procedimento
Conforme parâmetros ditados pelo parágrafo terceiro do artigo 267 do Código de Processo Civil, verbis:
“O Juiz conhecerá de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns IV, V e VI; todavia, o réu que não a alegar a primeira oportunidade em que lhe caiba, responderá pelas custas de retardamento.”
As custas de retardamento, tratadas na parte final do artigo acima citado, só serão exigíveis após o prazo para a interposição dos embargos, posto ser justamente a oportunidade desta ação incidental a primeira que lhe caiba falar nos autos sobre a referida matéria.
De acordo com o disposto no artigo 738 do CPC, o devedor oferecerá os embargos no prazo de dez dias
A respeito da legitimação para opor a exceção de pré-executividade seria o devedor o único legitimado para tal, segundo preceituação majoritária dos autores que tratam do assunto. No entanto, não obsta que o credor possa efetuar a argüição da nulidade, , pois nada justificaria o prosseguimento da execução nula, ademais, nenhuma vantagem final lhe traz.
Já com relação ao terceiro, seria igualmente viável se este pudesse se valer desta possibilidade, para obstar o prosseguimento de uma execução nula, e que se pode vir a trazer a ameaça de constrição patrimonial de seus bens.
Já vimos anteriormente no presente artigo, que o direito de ação está expressamente assegurado pela nossa Constituição Federal, por ser um direito público, subjetivo e autônomo de toda e qualquer pessoa deduzir uma pretensão ao Poder Judiciário.
No entanto, antes de determinar a citação da parte, o juiz verifica de ofício se os requisitos da ação estão presentes, para só então determinar a citação da parte requerida, visando a triangularização da relação processual.
No que se refere às matérias passíveis de argüição, a exceção de pré-executividade, como instrumento de defesa das partes e terceiros num processo de execução irregular, pode ser argüida tanto matérias de ordem pública, ou seja, aquelas que poderiam ser conhecidas de ofício pelo juiz durante o seu juízo de admissibilidade, bem como de toda e qualquer matéria relativa a prescrição, decadência, coisa julgada, pagamento ou novação, que não são matérias de ordem pública, mas que a nosso ver podem e devem ser objeto de argüição em sede de exceção de pré-executividade.
No entanto, com relação a outras meterias de defesa que poderiam ser deduzidas pela parte interessada, aceitamos a hipótese de que estas podem ser argüidas por intermédio da exceção de pré-executividade, desde que seja suscetível de apreciação mediante prova pré-constituída demonstrada pela parte interessada, normalmente o executado. Deverá assim ser calcada em prova documental previamente constituída, ou seja, líquida e certa deverá ser a afirmação sobre o fato em que se funda a oposição, como vício formal do título, pagamento ou prescrição.
Mas é quanto ao modus operandi de interposição da exceção de pré-executividade que se demanda maior atenção, posto que primeiramente cabe saber se a matéria depende ou não de produção de provas, e se estas são possíveis dentro do processo de execução.
Uma vez admitida a produção de provas para o exame dos requisitos da execução em determinados casos, cumpre especificar quais provas teriam sua produção admitida o processo de execução.
É grande a divergência doutrinária quanto a produção de provas no processo de execução, e nesse sentido, entendemos que a solução seria tão somente admitir a produção de prova nos autos da execução de prova pré-constituída, qual seja, “a prova fornecida por instrumentos públicos, bem como particulares constitutivos de quaisquer relações jurídicas que, segundo a lei, possam por eles ser criadas”.
Todavia, a questão não é bem esta, e há outros elementos que devem ser considerados. Com efeito, não são desconhecidos, pelo sistema jurídico brasileiro, os remédios jurídicos que só admitem a produção daquele tipo de prova (pré-constituída). Há, também, casos em que a matéria depende, para o seu deslinde, única e tão-somente de prova pré-constituída, sendo ociosas todas as demais. Logo, não se trata de não admitir a produção de outros tipos de provas que não a pré-constituída, mas, sim, de admitir esta (a pré-constituída), como suficiente para o exame dos requisitos da execução, independentemente do oferecimento de embargos.
Inobstante a produção de provas pré-constituídas, argüida que seja a ausência dos requisitos da execução, deve o juiz dar vista ao seu autor (da execução), para que o mesmo se manifeste, até pelo direito decorrente do próprio princípio do contraditório.
Uma vez argüida a ausência dos requisitos da execução, deve o juiz, em qualquer caso, ouvir o seu autor (da execução), para que o mesmo a corrija (a execução), ou se manifeste sobre o requisito considerado ausente pela parte.
4. Efeitos
Mesmo não havendo previsão legal expressa a respeito da suspensão do processo quando for argüida matéria de ordem pública, ou de vício formal do título e de matéria de defesa com prova pré-constituída é perfeitamente admissível o entendimento de que a argüição da ausência dos requisitos da execução (exceção de pré-executividade) suspende o seu curso.
Mostra-se possível para a mencionada suspensão, a aplicação do artigo 616 do CPC, o que na prática, geraria tal efeito.
Logo, tal solução não resolve totalmente o problema, pois há casos em que a argüição diz respeito a requisitos não-atinentes a inicial, razão pela qual não haveria necessidade da aplicação daquele dispositivo legal e, via de conseqüência, não haveria suspensão do processo e apenas do prazo para nomeação de bens à penhora ou pagamento.
Contudo, as afirmações acima vão de encontro ao disposto no artigo 178 do CPC, que não prevê a interrupção do prazo para nessas hipóteses. Daí, como todo o tema aqui discutido, trata-se tão somente de conclusões doutrinárias.
Mostra-se realmente esse instituto um complexo emaranhado de possibilidades atritando-se muitas vezes com o código de processo civil e este com os preceitos de nossos mais renomados autores.
Senão vejamos se não poderíamos utilizar por analogia o artigo 791, Inciso II, do Código de Processo Civil, segundo o qual “suspende-se a execução nas hipóteses previstas no artigo 265, ns. I a III”. E o citado artigo (265), prevê a suspensão do processo quando for oposta exceção de incompetência, do juízo, da câmara ou tribunal, bem como de suspeição ou impedimento do juiz.
Por esta ótica, mister se faz a suspensão do processo por ausência de requisitos de ordem pública, uma vez previsto a suspensão quando oferecida exceção atinente aos requisitos sujeitos a preclusão.
5. Doutrina e Jurisprudência
Em relação a incidência da exceção de pré-executividade em nosso ordenamento jurídico, já vimos que apesar de não haver legislação regulando este instituto, tem sido de aceitação quase que pacífica pelos doutrinadores e na jurisprudência de nossos tribunais a incidência deste recurso processual pelo devedor, credor ou parte interessada, para extinguir um processo de execução fundado em título nulo, ou possuidor de algum vício que não contenha a carga suficiente de executoriedade.
Neste sentido se manifestam mais recentemente os seguintes doutrinadores a saber:
a) Araken de Assis (1997)
“Embora não haja previsão legal, e tendo o juiz tolerado, por lapso, a falta de algum dos pressupostos, é possível o devedor requerer o seu exame desobrigado do aforamento de embargos, ou antes mesmo de sofrer penhora.”
b) Nelson Nery Júnior (1998)
“Mesmo antes de opor embargos do devedor, o que somente pode ocorrer depois de seguro o juízo pela penhora, o devedor pode utilizar-se de outros instrumentos destinados à impugnação no processo de execução, notadamente no que respeita às questões de ordem pública por meio da impropriamente denominada exceção de pré-executividade… A possibilidade de o devedor, sem oferecer bens à penhora ou embargar, poder apontar a irregularidade formal do título que aparelha a execução, a falta de citação, a incompetência absoluta do juízo, o impedimento do juiz e outras questões de ordem pública, é manifestação do princípio do contraditório no processo de execução”.
c) Cândido Rangel Dinamarco (1998)
“A inépcia da petição inicial executiva ou a presença de qualquer óbice ao regular exercício da jurisdição in executivis constituem matéria a ser apreciada pelo juiz da execução, de ofício ou mediante simples objeção do executado, a qualquer momento e em qualquer fase do procedimento. Da circunstância de ser a execução coordenada a um resultado prático e não a um julgamento, não se deve inferir que o juiz não profira, no processo executivo, verdadeiros julgamentos, necessários a escoimá-lo de irregularidades formais e a evitar execuções não desejadas pela ordem pública. A recusa a julgar questões dessa ordem no processo executivo constituiria negativa do postulado da plena aplicação da garantia constitucional do contraditório a esse processo. É preciso debelar o mito dos embargos, que leva os juizes a uma atitude de espera, postergando o conhecimento de questões que poderiam e deveriam ter sido levantadas e conhecidas liminarmente, ou talvez condicionando o seu conhecimento à oposição destes. Dos fundamentos dos embargos, muito poucos são os que o juiz não pode conhecer de ofício, na própria execução”.
d) Humberto Theodoro Júnior (2003)
“A nulidade é vício fundamental e, assim, priva o processo de toda e qualquer eficácia. Sua declaração, no curso da execução, não exige forma ou procedimento especial. A todo momento o juiz poderá declarar a nulidade do feito tanto a requerimento da parte como ex-officio. Não é preciso, portanto, que o devedor utilize dos embargos à execução. Poderá argüir a nulidade em simples petição, nos próprios autos da execução.”
Da análise dos diversos posicionamentos acerca da exceção de pré-executividade, podemos notar o consenso existente entre os autores quanto aos seguintes pontos:
a) ser de ordem pública a matéria argüida por meio da exceção de pré-executividade;
b) inexistir no ordenamento processual brasileiro em vigor, previsão legal da exceção de pré-executividade;
c) existir contraditório no processo de execução.
Já em relação a jurisprudência, vem se reiterando diuturnamente a posição de nossos magistrados acatando a exceção de pré-executividade, não havendo mais suporte para o antigo entendimento de que a ausência dos requisitos da execução só pode ser argüida através de embargos. A esse propósito cita-se abaixo algumas ementas que dão suporte às correntes doutrinárias
TRIBUNAL DE ALÇADA DO RIO GRANDE DO SUL
EMENTA OFICIAL:
EXECUÇÃO – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE ARGÜIDA APÓS DECURSO DO PRAZO DOS EMBARGOS – POSSIBILIDADE.
A questão da limitação dos juros argüida quer como matéria constitucional (artigo 192, § 3º, da CF), quer como matéria da legislação ordinária (Lei da Usura) se constitui em nulidade absoluta que corresponde a uma condição da ação de execução, qual seja, a possibilidade jurídica. Em conseqüência, independe de argüição em embargos à execução.
Decisão: Dado provimento. Unânime.
R. L.: CF – artigo 192, par – 3º, de 1.988; CPC – artigo 267, par – 3º; CC – artigo 146, par. único; DF – 22.626, de 1.933.
TRIBUNAL DE ALÇADA DO RIO DE JANEIRO
EMENTA OFICIAL:
AUSÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA.
A ausência de título executivo extrajudicial, instruindo a ação de execução, constitui matéria a ser conhecida, de ofício, pelo juiz, ao proferir o despacho liminar, por se tratar de matéria de ordem pública. Não cumprindo o juiz a sua obrigação essencial, relativa à apreciação da falta de título, que pudesse embasar a execução, nada obsta a que a parte, apontada como devedora, ingresse nos autos respectivos e denomine a sua intervenção de exceção de pré-executividade, para argüir, independentemente de oferecimento de embargos, a nulidade do título. Conquanto a ação de execução seja processo fechado, em que o devedor é citado para pagar o débito, no prazo legal, ou nomear bens à penhora, seria injustificável formalismo impedir que ele, através de simples petição, alerte o juiz para a ausência do título, e, como conseqüência para a impossibilidade de prosseguimento da referida ação.
VOTO VENCIDO:
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO – EXECUÇÃO PELOS VALORES UTILIZADOS ACRESCIDOS DA CORREÇÃO, JUROS E TAXAS PACTUADAS E DE PLENO CONHECIMENTO DO DEVEDOR – INOCORRÊNCIA DE NULIDADE DO TÍTULO.
Questionamento do contrato, somente pode ser articulado, por via de embargos. Em conseqüência, deve ser rejeitada a exceção de pré-executividade.
III. CONCLUSÃO
A Constituição Federal de 1988, a denominada Carta Magna, ou a Carta cidadã, trouxe como inovação ao nosso ordenamento jurídico, certos princípios constitucionais da mais alta relevância, que acabaram por fundamentar o instituto da exceção de pré-executividade.
O direito de ação, direito autônomo, público e subjetivo do interessado de buscar a via jurisdicional para o resguardo de seus interesses, não é ilimitado, encontrando determinadas restrições legais que devem estar presentes para a propositura de uma ação judicial (condições da ação e pressupostos processuais).
De outro viés, temos o direito de defesa, igualmente esculpido pela CF/88, que permite a todo aquele que está sendo submetido a uma ação judicial, se defender dos termos desta.
Desta dicotomia entre o direito de ação x direito de defesa, nasce uma das pilastras de nosso Direito Positivo, qual seja, o princípio do contraditório, que foi ampliado pela CF/88, de forma irrestrita a todos os tipos de processo, seja ele de conhecimento, de execução ou cautelar.
A partir desta premissa, da efetiva possibilidade do exercício do princípio do contraditório no processo de execução, coube a Pontes de Miranda a criação de um instituto processual que pudesse atuar praticamente neste tipo de processo, de modo a fornecer os meios necessários à parte executada, para se insurgir contra um processo de execução que não contivesse os seus requisitos necessários ou que apresentasse alguma nulidade, sem que fosse necessária a segurança prévia do juízo para a discussão destas matérias, que poderia ensejar desde logo, na extinção da execução.
A partir do parecer de Pontes de Miranda elaborado à siderúrgica Mannesmman, no qual o ilustre mestre entendeu como possível à parte executada, antes da penhora, se insurgir contra vícios constantes do título, outros doutrinadores de relevância, iniciaram os estudos sobre a exceção de pré-executividade.
Com o aprofundamento dos estudos sobre referida matéria, houve certas mudanças, da forma pela qual ela havia sido primeiramente compreendida pelo mestre parecerista, de forma que sua aplicabilidade e incidência em nosso ordenamento jurídico, tornou-se, atualmente, quase que pacificamente reconhecida pelos demais doutrinadores e pela jurisprudência de nossos tribunais.
A grande finalidade do incidente exceção de pré-executividade, que a nosso ver não se trata de exceção, mas sim de objeção, é justamente propiciar a parte interessada (credor, devedor ou terceiro interessado), comunicar ao juiz da causa, de eventual nulidade do processo de execução, ou ainda, da ausência do preenchimento das condições da ação e dos pressupostos processuais, de forma a viabilizar a defesa do executado no bojo do processo de execução, ainda que restrita a determinadas matérias, sem que tenha que dispor de seu patrimônio para assegurar o juízo, de forma a lhe abrir a possibilidade do exercício do direito de defesa, via ação incidental dos embargos a execução.
A nova doutrina processualística civil, mais voltada a um processo garantístico, que busca a efetiva tutela jurisdicional dos direitos das partes, com fundamento no princípio do contraditório esculpido em nossa CF/88, tem garantido às partes e terceiro interessado a possibilidade do efetivo exercício deste princípio, com a possibilidade de extinção do processo de execução, sem que seja necessário o manejo dos embargos, antes o único meio de defesa do executado.
Sob este prisma, verificamos que com a aplicação do instituto da exceção de pré-executividade, desmistificamos o mito dos embargos a execução, sendo altamente positivo, a nosso ver, a aplicação da exceção, de forma a viabilizar à parte interessada a comunicação de alguma nulidade existente no processo executivo, que deveria ter sido verificada, mas não o foi, no juízo de admissibilidade pelo magistrado, e nas outras situações extintivas da execução, como o pagamento, prescrição, etc.
Entendemos como grande avanço a possibilidade do exercício deste incidente no processo de execução, ainda que possa ser irregularmente manejado pela parte executada, de forma a causar tumulto processual meramente procrastinatório. Isso porque, existem mecanismos expressamente previstos na lei, que concede ao juiz da causa, o poder de direção do processo, de forma a frear este tipo de conduta da parte, que poderá culminar com aplicação de multa, o que certamente inibirá a utilização desarrazoada deste instituto.
Por fim, mesmo que ausente dispositivo expresso em lei que regulamente este instituto, acreditamos ser o mesmo aplicável, dado que os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, acabam por fundamentar a existência e aplicação da exceção de pré-executividade em nosso ordenamento jurídico, razão pela qual deve a mesma ser futuramente regulada em nosso Código de Processo Civil.
IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
BATISTA JÚNIOR, Geraldo da Silva. Exceção de pré-executividade. Online. Disponível na Internet: http://www.fdc.br/artigos/excecao_executividade.htm> Acessado em 20 de maio de 2005.
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
DAL COL, Helder Martinez. A Objeção de não-executividade. Repertório IOB de Jurisprudência. 1ª Quinzena de maio de 2000. Nº 9/2000. Caderno 3. Civil, Processual, Penal e Comercial.
MIRANDA, Pontes de. Dez Anos de Pareceres. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.
NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. vol. II, 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil., 6 ed. São Paulo: Malheiros, 1998.