Vácuo republicano

Os escândalos não são uma novidade na vida humana. Na vizinhança, entre casais, nas ruas, nas empresas, entre as celebridades do rádio (de seus áureos tempos), do teatro, do cinema, da televisão e, enfim, entre os famosos. Para todo espetáculo há um público. Para o deleite de quem assiste tudo do andar de baixo, à espera de que, como na Revolução Francesa, a guilhotina surta seu sanguinário efeito. A massa aguarda por estes eventos políticos como um Truman Capote redivivo à espera de sua matéria-prima.

O que não acaba de causar estupor é a capacidade de resignação com que começam a ser vistas certas práticas que tornam o ar da vida pública progressivamente menos respirável. Nada mais parece importar, talvez percorrendo um niilismo ético-político fora de seu tempo. Maiúsculos sem-sentido são redarguidos em público como argumentos válidos e pouca reação é apresentada. Qualquer que lhe ofereça encontra eco para sua voz em escassa planície. Insulsos personagens ocupam a vida pública com suas caras de paisagem. Mas sofrem de dupla personalidade. Na vida privada, são personas de caráter leviano.

Nesta medida invocaria a necessidade de um choque de republicanismo nas instituições e na vida política nacional. O país e as instituições suplicam por isto. A igualdade perante a lei assegurada pela Constituição não pode encontrar limites materiais em uma cultura jurídico-política atrelada ao cavalgar de concepções jurídicas feudais e todavia tutelatórias de privilégios. Nas democracias ocidentais estes privilégios não se encontram no formato da lei mas, quando presentes, o estão na interpretação das normas feitas pelos tribunais. O conservadorismo hermenêutico ataca de morte as instituições democráticas. Já um veio liberal lhe confere ar puro e permite que se renove à luz dos interesses sociais mais relevantes a cada momento histórico.

Exemplo da prática republicana aplicada ao direito ocorreu recentemente nos EUA. Certo deputado norte-americano recebeu verbas indevidamente, ou seja, corrompeu-se, e passou a compor o time dos que irão refletir melhor a cada dia vendo o sol nascer sob diferente ângulo. Além de outros menos pulsantes, quiçá também neste aspecto possamos acusar o recebimento da influência da cultura norte-americana. Este choque de republicanismo e de igual tratamento viria muito bem a calhar entre nós.

Em meio às platitudes, externalizadas sem o menor pudor, às práticas políticas destituídas do menor sentido de respeito à legalidade por parte de, entre outros, daqueles que teoricamente articulam um plano de governo, nos vemos como em pleno vôo em meio à turbulência, entrando em um vácuo, no caso, de ausência de ares republicanos.

Caros leitores, a arma máxima de que todos dispomos é o voto muito bem pensado. Torna-se imperioso refletir sobre as ações dos políticos nos últimos tempos, em que pese a tentação que possa representar a articulação da deslegitimação do sistema político pela anulação do voto. Este, contudo, já é tema para outro artigo.

Roberto Bueno, advogado e especialista em direito constitucional / rbu@zipmail.com.br

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