Desde a instalação, em junho de 2005, até a aprovação do relatório em 5 de abril, a Comissão Parlamentar Mista dos Correios, também conhecida como a CPI dos Correios, desencadeou processo vigoroso de depuração na administração pública brasileira. Os resultados das investigações foram coincidentes com a manifestação apresentada ao Supremo Tribunal Federal pelo procu-rador-geral Antônio Fernando de Souza – o que mostra a isenção e a independência dos trabalhos e a competência do relator Osmar Serraglio.
A manifestação do procurador-geral foi “a cereja que se coloca no alto de um bolo”, como disse um jornalista. Espécie de coroamento de um trabalho que deve ser repartido entre o relator, os cinco sub-relatores indicados por mim, o vice-presidente da comissão, deputado Asdrúbal Bentes, sem esquecer a equipe técnica e a valiosíssima contribuição da mídia que acompanhou o trabalho.
Suas consequências abrangeram não só os Correios. Ela atingiria, nos desdobramentos, instituições como o Banco do Brasil, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), diretórios nacionais e estaduais de partidos políticos, e o próprio Congresso Nacional. O número final de autoridades afastadas dos cargos chegou a 56, sem contar cargos e funções exercidas no âmbito partidário.
Os bons resultados obtidos devem ser atribuídos ainda à política adotada por nós de compartilhamento de dados e informações com outras instituições, notadamente o Ministério Público Federal, o Tribunal de Contas da União, a Controladoria-Geral da República, a Polícia Federal, e a Receita Federal. É preciso ainda esclarecer que, mesmo encerradas, as investigações da CPI dos Correios continuarão a provocar consequências. Ao contrário de uma CPI, que tem prazo determinado para encerrar os trabalhos, as investigações do Ministério Publico não sofrem limitação nesse sentido. E o MP segue trabalhando no assunto.
Os efeitos das investigações da CPMI começaram a se fazer sentir já em junho de 2005. O presidente dos Correios deixava a instituição acompanhado pelos demais diretores do órgão. Três funcionários, entre eles o sr. Maurício Marinho, o ponto de partida das investigações, foram demitidos por justa causa em setembro. O contrato da agência de publicidade SMP&B foi rescindido. O manual de licitação da empresa passou por ampla revisão. Outros órgãos da administração pública passariam processo semelhante. O presidente e a diretoria do IRB, Instituto de Resseguros do Brasil, por exemplo, também foram afastados.
O Banco do Brasil concluiu uma auditoria, no final de 2005, que apontou uma série de irregularidades no contrato de publicidade firmado com a DNA. Ainda na esfera do BB, o Fundo Visanet foi extinto, e o banco tomou outras providências, como a revisão de regras em processos licitatórios. Da mesma forma, a Eletronorte, o Ministério do Trabalho, o Ministério do Esporte e a Câmara dos Deputados tiveram de rever vários dos seus procedimentos.
A viagem a Nova York e a Washington de parlamentares da comissão descortinou para o futuro amplo espectro de intercâmbio de esforços entre autoridades brasileiras e norte-americanas em casos semelhantes. A CPMI dos Correios debruçou-se sobre uma extensa base de dados, talvez a maior analisada em investigações do gênero.
A base de dados dos sigilos bancários foi carregada com mais de 20 milhões de registros, enquanto foram analisados 33,8 milhões de registros telefônicos. O rastreamento de contas evidenciou ramificações no exterior, como exemplifica a identificação da conta Dusseldorf, de propriedade do publicitário Duda Mendonça. Registre-se – e lamentamos – que, não raro, documentos solicitados, em especial relativos às in-formações bancárias, chegaram até nós incompletos ou truncados.
Graças a trabalho de paciência da equipe técnica, cruzando as informações, ficaram evidentes as correlações entre a proximidade de repasses de recursos a políticos com datas de votações importantes no Congresso Nacional. A participação dos parlamentares na comissão pode ser revelada pelos 1.602 requerimentos apresentados, dos quais 1.186 (74 % do total) foram aprovados sempre em reuniões plenárias.
Desses 1.602 requerimentos, 931 deveram-se à solicitação de quebra de sigilos bancário, telefônico e fiscal de pessoas e empresas investigadas e à convocação dos depoentes. Infelizmente, muitos requerimentos tiveram de ser transferidos para a CPI do Mensalão, o que se revelaria prejudicial ao resultado final. No total, foram realizadas 233 oitivas.
Os depoimentos poderiam ter sido mais elucidativos não fosse o subterfúgio utilizado por investigados que compareciam amparados por habeas corpus concedidos pelo Supremo Tribunal Federal. Não questionamos o direito constitucional de qualquer cidadão de reclamar habeas corpus à Justiça quando sentir que sua liberdade está em risco. No entanto, esse direito inalienável não pode servir como expediente para evitar que a verdade prevaleça.
Urge mudança no entendimento dos objetivos de CPIs. Mesmo porque elas não são criadas só para punir. Aliás, não lhes cabe essa função. A grande massa de informações é enviada a outra instância, que pode ser o Ministério Público, ou o Conselho de Ética da Câmara, que se encarregam das punições.
Uma das preocupações da CPMI dos Correios foi sugerir mudanças na legislação para aprimorar os controles oficiais e melhorar a eficiência da administração. Entre as propostas, constam do relatório de Osmar Serraglio a criação de mecanismos de controle das licitações e execução dos contratos de publicidade das empresas públicas, por onde transitaram grandes volumes de recursos do valerioduto.
Delcídio Amaral, Senador (PT-MS), presidiu a CPMI dos Correios.