Não existe sistema penitenciário, mas um depósito humano

por Luís Guilherme Vieira

O Estado e a sociedade civil organizada não podem ser mobilizados tão-só quando um fato de proporções lamentáveis, como este acontecido em São Paulo, vitima agentes do poder público e cidadãos inocentes. Quando isto acontece, todos somos atingidos diretamente enquanto integrantes deste mesmo núcleo social partido. Partido, não. Estilhaçado.

Precisamos repensar os sistemas judiciário e de segurança pública como um todo. Eles hão de caminhar juntos, porque somente assim conseguiremos, em médio e longo prazos, cumprir o que a Constituição da República determinou, não só para alguns poucos privilegiados, mas para todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros que aqui vivem.

Todos sabem — e fingem não saber — que não se resolverá a criminalidade com leis mais severas. Já temos leis demais. Basta cumpri-las, sem excessos e sem violar os direitos fundamentais e as leis ordinárias brasileiras (aliás, algumas destas leis, por sinal, devem ser expurgadas do ordenamento jurídico brasileiro, tamanha a sua ineficácia, ilegalidade e inconstitucionalidade).

O Estado policial não serve para atender situações como as acontecida no último final de semana em São Paulo, Mato Grosso do Sul e Paraná. O sistema de segurança pública age, sempre, na ponta final do problema de um grave problema social que se arrasta há séculos. Ele jamais atua em sua raiz. Esse pensamento é antigo, mas as autoridades constituídas de hoje, de ontem e de anteontem, somadas aos segmentos retrógrados da sociedade civil, não têm, ou não querem ter, esta percepção. É lamentável. O preço a ser pago é este, sem qualquer máscara.

O câncer está presente no seio social de há muito. A metástase já foi diagnosticada por todos, mas ninguém se digna assumir o compromisso político de receitar o remédio correto e preventivo que tenha o condão de extirpá-la na sua raiz. É mais fácil vender o remédio do discurso fácil do movimento lei e ordem do que trabalhar na conscientização do povo para o grave problema que a todos preocupa.

Poder público e sociedade civil devem, irmanados, ir direto ao encontro do nó górdio do tema para que os abutres de plantão, sempre às espreitas, não aproveitem o resultado desse drama para alimentar seus mesquinhos interesses pessoais.

Penas mais graves e prisões infinitas não estão postas a solucionar o problema. Milagres, nesta seara, não existem. Se existissem, tudo já teria sido resolvido numa só penada, não só no Brasil, mas no mundo todo.

São Paulo possui, hoje, cerca de 140 mil presos, dos cerca de 350 mil existentes no país. Observe-se que temos, hoje, cerca de 350 mil mandados de prisão a serem cumpridos, o que significa afirmar, por singelo cálculo matemático, que, de um dia para o outro, podemos ter quase um milhão de encarcerados, o que é um excrescência, considerando que temos uma população de aproximadamente de 180 milhões de habitantes.

O sistema penitenciário brasileiro não existe. Está falido. O que existe são depósitos de seres humanos, na sua maior parte, de presos provisórios (sem condenação definitiva por total responsabilidade da Justiça.), relegados à própria sorte, já que o Judiciário, o Ministério Público e o Executivo não lhes dão a atenção a que têm direito (direito, e não favor, como insistem alguns, de poucas luzes ou de luzes queimadas). Pode ele, sem qualquer dificuldade, ser comparado aos nefastos campos de concentração que vitimaram o povo judeu na Segunda Guerra Mundial, que pensávamos, e ainda pensamos, ver longe de nossos pensamentos e almas. Para que nunca mais!

Por isso, com total razão, Loïc Wacquant, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley e pesquisador do Centro de Sociologia Européia em Paris, ganhador do prêmio da Fundação MacArthur, conhecido como o “prêmio dos gênios”, em entrevista veiculada nesta segunda-feira (15/5) pelo jornal Folha de S. Paulo, quando sustenta que a expansão do Estado policial não terá o condão de acabar com a criminalidade, principalmente quando se constata que esse próprio Estado não respeita as suas próprias leis.

Ademais, com a sua autoridade, exclama, com propriedade: “a Polícia de São Paulo mata mais gente do que as polícias de todos os países da Europa juntos e o faz com uma quase impunidade”. Quase não, professor, com muita impunidade.

A população brasileira há de cobrar uma política pública de inclusão social para diminuir o fosso que separa os que tudo têm dos que nada têm. Enquanto isto não se tornar uma prioridade de governo, pode a sociedade civil se preparar para vivenciar situações cada vez mais calamitosas, como estas que aconteceram nos últimos dias. Elas farão, como estão fazendo, parte de nosso cotidiano.

Resta uma esperança, porém. As eleições serão em outubro próximo. Vamos fazer do voto a nossa arma, única forma de expressar o que pretendemos para o futuro do Brasil e do mundo.

Revista Consultor Jurídico

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