Na edição de 2 deste mês, o Correio do Estado publicou, na página 3a, uma história emblemática do clientelismo que ainda hoje grassa na prática política brasileira. Conta-se ali que “Magalhães Barata era interventor no Governo do Pará, nos anos 40, quando mandou seu secretário de Educação, João Renato Franco, nomear professora a filha de um aliado político. Tempos depois, Franco voltou para recomendar a demissão da moça. Barata recusou prontamente. – Mas ela é analfabeta, governador… – insistiu Franco. – Nada de demissão, redargüiu o governador. Aposente a moça”.
No Brasil, tem sido assim ao longo dos anos: de forma cínica, com a simplicidade de quem acende um cigarro ou toma um cafezinho, os praticantes do clientelismo, ao longo de nossa história, têm contribuído para a ineficácia de um Estado voraz na arrecadação de impostos, incompetente no cumprimento de seus objetivos institucionais.
A imprensa tem pautado o trato da corrupção e suas variantes, como é o caso daquilo que a desfaçatez de alguns denomina de “recursos não contabilizados” ou caixa 2. Tão avassaladora tem sido essa prática, que não sobra tempo para tratar de outras tantas mazelas correlacionadas com as eleições. O clientelismo e o seu parente próximo – o patrimonialismo – constituem outras modalidades que fazem a desgraça do poder público brasileiro.
As famílias mediam seu prestígio pela capacidade de acumularem riqueza e cargos oficiais, os quais deviam ser preservados. Com esse intuito, as famílias destinavam seus votos, não só para certo partido, mas também os concentravam num só e comum candidato. O poder das famílias era medido também pelo número de cargos que controlavam na administração pública.
A realidade contemporânea é outra, mas o clientelismo antigo deixou raízes em nossa cultura e, mesmo travestido sob outras formas, viceja ainda hoje, como moeda de troca, não raro indispensável à aquisição de mandatos políticos e manutenção deles. Assim, as medidas modernizadoras do processo eleitoral – urnas eletrônicas, inclusive – têm sido insuficientes para responder ao propósito de eleições limpas e disputa justa e equilibrada.
Além disso, o clientelismo é responsável por um malefício adicional e não desprezível, qual seja, a ineficiência da máquina pública. Isto ocorre mais intensamente, no início de qualquer período governamental, quando os vencedores das eleições lotam repartições públicas com seus apaniguados, com os quais assumiram os chamados “compromissos de campanha”.
De vez em quando surge a esperança de que essa prática nefasta possa ser banida da vida pública brasileira. Num passado recente, partidos mais à esquerda do espectro político condenavam acerba e auspiciosamente essa prática. Contudo, sua ascensão ao poder frustrou a tantos quantos acreditavam na mudança.
O pior de tudo é que esse quadro gera a impressão de que temos dados passos atrás. Sirvo-me de um exemplo não tão eloqüente, mas verdadeiro a respeito do assunto, para mostrar o quanto temos retrocedido. Por volta de 1985, quando Secretário de Segurança de MS, tive o prazer de conviver com esse exemplo de homem público que é o ex-Senador da República José Fontanillas Fragelli, de quem me socorria amiúde para desemperrar nossos pleitos em Brasília. A despeito disso, durante exatos três anos e dois meses à frente daquela Pasta, só recebi de Fragelli um único pedido: submeter ao governante de então o nome de uma indicada sua para ocupar um cargo de confiança. Entretanto, o que tinha a moça de bonita, faltava-lhe em competência e dedicação. Em respeito ao Senador, não encaminhamos seu nome para exoneração, se não antes esperar uma oportunidade para lhe expor o assunto, pessoalmente.
Uma vez no gabinete de Fragelli, mal terminei de lhe relatar a baixa performance de sua indicada, ele atalhou-me para dizer: “o senhor só praticou um erro: não providenciar a exoneração dela, tão logo constatou ser a mesma inapropriada para o cargo! Eu indico, mas quem se sustenta no cargo é o recomendado por sua eventual competência e honradez!”.
Depois disso, ocupei a titularidade, por duas vezes, de uma outra Secretaria de Estado, e não me deparei com atitude sequer parecida. Pelo contrário, somente o apetite voraz de alguns para se servirem da máquina pública, como se fosse coisa sua. O curioso é que esses agentes políticos jamais têm prática parecida em suas empresas, por que sabem que o clientelismo as quebraria irremediavelmente. Com relação ao Estado, não titubeiam ao fazerem do cultivo do clientelismo a moeda de compra de votos. Bem recentemente, o Senador Antonio João declarou que o PTB não faz alianças na base da barganha de cargos. Oxalá, Senador, possa seu Partido levar a bom termo o saudável propósito anunciado.
Aleixo Paraguassu Netto, ex-Secretário de Segurança e ex-Secretário de Educação.