Daniella Augusto Montagnolli Thomaz
SÃO PAULO – Uma longa e complicada batalha jurídica entre bancos e consumidores teve seu desfecho na sessão plena do STF (Supremo Tribunal Federal) dessa semana. E dessa vez o Supremo decidiu em favor dos consumidores.
O julgamento em questão envolveu a ação direta de inconstitucionalidade dos bancos, ajuizada em abril de 2002 pela Consif (Confederação Nacional das Instituições Financeiras), com o objetivo de ter a atividade bancária excluída do rol de aplicação do Código de Defesa do Consumidor. A questão, embora já decidida pelo STJ, que havia editado a Súmula 297 desde setembro de 2004, aguardava um desfecho final, que só aconteceu com a manifestação do STF.
A confederação buscava, por meio da ação proposta, a declaração de inconstitucionalidade do §2º, do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, o qual conceitua serviço como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Para a entidade, deveria ser declarado o fim da aplicação do Código de Defesa do Consumidor em atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. A ação destacava a necessidade de lei complementar para a criação de novas obrigações impostas aos bancos e ainda questionava se os clientes de instituições financeiras poderiam ser considerados consumidores.
A princípio, houve uma divisão entre os ministros do STF. Para o ministro Carlos Velloso, o Código de Defesa do Consumidor não conflita com as normas que regulam o Sistema Financeiro, de modo que deve ser aplicado às atividades bancárias, até porque a Constituição Federal de 1988 privilegiou o princípio da defesa dos consumidores em vários artigos. Ainda, pelo seu entendimento, apenas a limitação das taxas de juros em operações bancárias a 12% (doze por cento) ao ano estaria excluída dessa situação, pois se trata de matéria exclusiva do Sistema Financeiro e deve ser regulada por lei complementar, conforme já decidido pelo STF. Sepúlveda Pertence discordou dessa parte final. Para ele, tal entendimento carece de base positiva, diante da revogação do §3º, do artigo 192 da Constituição Federal, pela Emenda 40 de 2003.
De qualquer modo, para Velloso, a Adin deveria ser julgada parcialmente procedente, de maneira que o §2º, do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor fosse interpretado conforme a Constituição. Assim, ficaria excluída da incidência da lei consumerista, a taxa de juros nas operações bancárias ou sua fixação em 12% ao ano.
Para o ministro Néri da Silveira, que antecipou seu voto, a ação seria improcedente, porque, se não há conflito entre o conteúdo do artigo 192 da Constituição Federal, que regula o Sistema Financeiro Nacional e o Código de Defesa do Consumidor, não há que se falar em inconstitucionalidade.
Por sua vez, o ministro Nelson Jobim distinguiu serviços bancários, segundo ele, passíveis de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, de operações bancárias, estas reguladas pelo Sistema Financeiro Nacional e, portanto, não sujeitas à aplicação da lei em questão.
Classificou sua distinção da seguinte forma. Operações financeiras: não constituem uma relação de consumo, porque são todas aquelas que têm como finalidade o giro de capital. Exemplo: depósitos, financiamentos, taxa de juros e empréstimos são atividades típicas do Sistema Financeiro Nacional e gozam ou causam impacto sobre a economia do país, justamente por integrarem a política monetária, definida, por sua vez, por uma política de governo.
Já os serviços bancários, independentemente de estarem ou não sob a cobrança de tarifas, deveriam ser regidos pelo regime jurídico estabelecido no Código de Defesa do Consumidor. Como exemplo, tem-se a emissão de talões de cheques, consultas em terminais de atendimento, acesso às agências bancárias, tempo de espera nas filas, consulta de saldos e extratos, aquisição de seguros e outros serviços “corriqueiros”.
Concluiu Jobim que, se a taxa de juros deve estar atrelada à política monetária, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor prejudica a economia e, consequentemente, a sociedade, e reduz os níveis de investimentos de forma drástica.
Para Eros Grau, não havia dúvidas de que a relação entre banco e cliente é, nitidamente, uma relação de consumo. Mesmo não acolhendo a distinção realizada por Nelson Jobim, entendeu que o Banco Central deve continuar a exercer o controle e revisão de eventual abusividade, onerosidade excessiva e outras distorções na composição contratual da taxa de juros.
O ministro Joaquim Barbosa também entende pela improcedência da demanda. Crê não haver inconstitucionalidade a ser pronunciada no §2º, do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, pois são normas plenamente aplicáveis a todas as relações de consumo, inclusive aos serviços prestados pelas entidades do sistema financeiro. Na mesma linha, seguiram Carlos Ayres Britto e Sepúlveda Pertence, que anteciparam seus votos, após o pedido de vista formulado por Cezar Peluso.
Na sessão dessa semana, Peluso optou pela tese da improcedência, sendo acompanhado pelos ministros Ellen Gracie, Marco Aurélio de Mello e Celso de Mello.
O resultado final, 9 votos a 2, pela improcedência da ação, resulta, sem dúvida, numa decisão que protege o objetivo traçado pelo constituinte, quando da elaboração do teor da Carta Magna, consubstanciada na proteção do bem comum da sociedade brasileira. Principalmente, com a sobreposição deste quando confrontado com os interesses das poderosas instituições financeiras, grupo este economicamente dominante.
Já bastou o privilégio concedido aos bancos, quando, pela Emenda Constitucional 40, de 2003, houve a retirada da limitação dos juros reais, os quais, por sua vez, não poderiam ultrapassar a limitação de 12% (doze por cento) ao ano, sob pena de praticarem crime de usura. A decisão é medida de justiça, de proteção da cidadania e de supremacia do interesse público. Merece aplausos da comunidade jurídica e todos os consumidores.