Quando o conde Afonso Celso publicou, em 1900, o famoso livro “Porque me ufano pelo meu País” não imaginou nem de longe o que ocorreria no Brasil antes do início da Copa do Mundo, em 2006.
Certamente, “o patriota dos patriotas” ficaria assustado com as manipulações de parcela significativa da imprensa na sua insistência delirante para mostrar que a “nossa” seleção era a melhor do mundo, já que estava reunindo semi-deuses do famoso esporte bretão, prontos para vencer mais um certame com as pernas e braços amarrados.
Quando frequentei o curso secundário (numa escola pública então risonha e franca) o opúsculo do condestável da República Velha, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (e talvez o inventor do nacionalismo rastaquera que hoje vem sendo glorificado por figuras como Hugo Chávez e coadjuvantes oportunistas como Lula ), não era mais adotado no currículo, embora os professores de Educação Moral e Cívica tenham me obrigado a atravessar noites insones decorando trechos do livreto para serem declamados de peito cheio nas salas de aula em dias de demonstração explícita de amor à Pátria.
Era torturante. Tempos sombrios aqueles no começo da década de 70. Mas o Brasil é um País estranho que retorna a si mesmo, ainda que o tempo passe e tudo piore sempre um pouco mais.
Somos inigualáveis no ufanismo esportivo. Parece que uma crença cega move nosso destino como que nos obrigando a ser “os melhores dos melhores” na ginga da malandragem, invencíveis quando estamos com uma bola no pé, e, agora, na era do petismo-lulismo, auto-suficientes quando estamos com uma goroba braba na cabeça.
Os comentários ufano-especializados da mídia pré-Copa não mediram esforços para vender uma ilusão de invencibilidade, formalizando tentativa canhestra para fomentar espécie de compensação psicológica para acolher uma sociedade carente de vitórias no cotidiano político, sobretudo no campo das virtudes.
Estimulou-se até a não mais poder o ufanismo redentor com a cantilena do balé transparente do “quadrado mágico” dos Ronaldos, Cafus, Kakás e Robinhos, algo que nos proporcionaria uma performance deslumbrante e que, de lambuja, encantaria o mundo com seus 5 bilhões de torcedores fiéis. Tudo balela.
Nos dois jogos da seleção brasileira o que se viu foi quase nada diante do muito que foi nos prometido no banquete da paupéria. Contra Croácia e Austrália o Brasil pode experimentar – mesmo vencendo – uma amarga realidade: falta muito para ser “a melhor seleção do mundo”.
Não é preciso ser “especialista” para enxergar o óbvio: a população foi sistematicamente enganada pelos Galvãos Buenos da vida, conduzida propositalmente para uma espécie de euforia teleguiada, inflada pela fantasia da vitória fácil, só que desta vez motivados pelos interesses de corporações multinacionais.
Uma das melhores análises sobre o momento melancólico que estamos vivendo foi produzida na última segunda-feira por um artigo do economista João Sayad, na qual ele observa algo que merece reflexão geral: “atualmente, a Copa do Mundo encena a competição entre as nações no mundo globalizado, com torcidas nacionais apaixonadas (nacionalistas?) embora os jogadores sejam mercadorias internacionais, exportados para times de outros países do mundo. São bens comerciáveis de origem brasileira como a soja e o etanol”.
Infelizmente, a verdade é cruel – e muitos esforçam-se para encobrir tal fato, com as raras exceções de sempre: o que se move por trás desta imensa diversão globalizada são negócios triliardários, envolvendo patrocinadores poderosos, que olham para os jogadores em campo imaginando qual será a próxima jogada de marketing que farão para maximizar seus lucros. Com o Brasil, o tiro até agora está saindo pela culatra. Mas futebol é sempre uma caixinha de surpresas…
PS – Quem assistiu o jogo entre Suíça e Togo anteontem deve ter tido um vislumbre de como o dedo sujo da arbitragem faz a diferença, no qual predominou a força dos negócios do primeiro mundo sobre os miseráveis de um País subdesenvolvido. Triste espetáculo. Apesar do silêncio geral. Ali a Copa do Mundo mereceria um repúdio coletivo e ações vociferantes nos tribunais internacionais.
Dante Filho, jornalista