Francisco Simeão
Como brasileiro, lamento prever que o Brasil sofrerá derrota no contencioso promovido pela União Européia junto à OMC (Organização Mundial do Comércio) e que entra em discussão nesta quarta-feira (5/7), em Genebra (Suíça). E a conseqüência será no mínimo esdrúxula: estaremos obrigados a comprar pneus remoldados do Uruguai e da Europa, enquanto o governo brasileiro proíbe nossas fábricas de importar os mesmos pneus usados que, tanto lá como aqui, são usados como matéria-prima para a remoldagem.
Essa derrota ocorrerá porque, naquele fórum eminentemente técnico, ficará evidenciado que a questão é comercial, e não ambiental, como repetem em mentira as multinacionais dos pneus novos, o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente.
O Brasil efetivamente não precisa importar nem os remoldados europeus, nem pneus novos de qualquer procedência, porque detém parque industrial mais do que suficiente para abastecer a demanda nacional.
Segundo o Inmetro, remoldados são tão seguros e duráveis quanto os novos. Como ambos tornam-se problema ambiental e de saúde pública ao final de sua vida útil, é de se perguntar: Por que não utilizar os mesmos argumentos ambientais na OMC para proibir também as importações de pneus novos? Afinal, sem necessidade, em 2005 foi importado passivo ambiental representado por mais de 13 milhões de pneus novos, ou seja, muito mais do que a soma dos remoldados e carcaças de pneus usados.
Goebbels, o célebre ministro da Comunicação de Hitler, pregava a seus seguidores que uma mentira repetida mil vezes passaria a ser recebida como verdade. É exatamente essa a orientação que permeia a ação das multis dos pneus, aliadas ao Ibama e MMA, no que se refere ao litígio na OMC.
Afirmam que se o Brasil perder estará abrindo as portas ao “lixo do Primeiro Mundo”, sugerindo que viriam para cá mais de 90 milhões de pneus que na Europa se proibiu destinar aos aterros sanitários a partir deste ano. Mentem, sem se importar com o absurdo aritmético, já que a exigência ambiental vigente no Brasil é de destruir cinco pneus inservíveis, coletados previamente às importações, para cada quatro pneus importados. Como seria possível?
Mentem quando afirmam que ao liberar a importação de pneus remoldados abre-se exceção que permitiria a importação de todos os demais resíduos e lixo europeu. O fato é que há mais de dez anos já está autorizada a importação de todos os resíduos Inertes da Classe III, com exceção inexplicável para pneus usados.
São eles, conforme a resolução Conama 23/96, editada para regulamentar o PL 875/03 que formalizou a adesão do Brasil à Convenção de Basiléia: arsênio, bário, cádnio, chumbo, cianeto, cromo total, fluoreto, mercúrio, fenol, nitrato, prata, selênio, Aldrin, clordano (todos os isômeros), DDT (todos os isômeros), Dieldrin, Endrin, epóxi-heptacloro, heptacloro, hexadorobenzeno, lindano, metoxicloro, pentaclorofeno, toxafeno, 2,3-D, 2,4,5 – T, 2,4,5 – TP, organofosforados e carbamatos, alumínio, cloreto, cobre, dureza (mgCaCo³/I), ferro, manganês, sódio, sufactantes (tensoativos) sulvato (mgSO4/I) e zinco.
De outro lado, a Portaria Secex 14/2004 sujeita a licenciamento não automático estes bens usados: máquinas, equipamentos, aparelhos, instrumentos, ferramentas e moldes; partes, peças e acessórios recondicionados, quando cabível; unidades fabris/linhas de produção usadas; bens destinados à reconstrução/recondicionamento no país.
E novamente a única exceção, sempre favorecendo às multinacionais dos pneus, está no seu artigo 40: não será deferida licença de importação de pneumáticos recauchutados e usados, seja como bem de consumo, seja como matéria-prima.
Com bons argumentos técnicos foi na OMC que o Brasil superou barreiras contra a exportação de aviões da Embraer. Lá também luta contra os subsídios europeus a frangos e outros produtos da área rural. Por que então enveredar pela aventura de torcer a verdade, só para favorecer empresas multinacionais que estão investindo no Brasil à custa de pesadíssimos incentivos fiscais? Não seriam estes suficientes?