O caso Suzane

Escrevo, em tese, sobre o julgamento a que foram submetidos os irmãos Cravinhos e a acusada Suzane Richthofen, perante o Tribunal do Júri de São Paulo.

O caso, pelas suas peculiaridades, ganhou contornos inimagináveis perante o meio jurídico e, sobretudo, da imprensa nacional.

Atenho-me, aqui, a uma situação eminentemente jurídica. Faço alusão à aplicação da pena imposta aos acusados, onde invocou-se por parte do Juiz Presidente do Tribunal do Júri o arcabouço normativo do concurso material de crimes previsto no artigo 69 do Código Penal.

Para os menos hóspedes do Direito Penal a figura do concurso material consiste na aplicação cumulativa das penas privativas de liberdade, quando ocorre a prática de dois ou mais crimes, ou seja, há a soma aritmética correspondente a cada um dos crimes, por exemplo? o agente mata o seu inimigo e a testemunha desse homicídio?.

Na hipótese, pelos homicídios praticados contra Manfred Albert Von Richthofen e Marísia, o juiz, salvo melhor juízo, em má aplicação da lei penal, disse que no caso há evidente concurso material, porque os réus praticaram dois crimes contra a vida, mediante ações dirigidas contra vítimas diferentes em circunstâncias diversas. Ouso discordar da aplicação do concurso material, no caso em tela.

Entendo, pela leitura da denúncia, da pronúncia e do libelo crime acusatório, segundo os sites jurídicos publicados na Internet que, na hipótese, restou evidenciada a figura normativa prevista no artigo 71, parágrafo único do Código Penal, que prevê a aplicação do crime continuado, porquanto houve na ação praticada pelos acusados a pluralidade de ações, pluralidade de crimes da mesma espécie, unidade de tempo, lugar e maneira de execução, além de evidente ligação para que o crime subsequente (fraude processual) pudesse ser havido como continuação do primeiro.

É bom explicar que com o advento da Lei 7.209/84, que reformou a Parte Geral do Código Penal, o legislador dirimiu dúvidas a respeito da continuidade delitiva nos crimes dolosos contra vítimas diferentes, cometidos com violência à pessoa. Diante desta inovação, o Supremo Tribunal Federal modificou anterior entendimento adotado em relação à matéria, prevista na súmula 605, passando a admitir a continuidade delitiva nos crimes dolosos contra a vida. Superada a inaplicabilidade da súmula 605, do STF, vamos ao caso concreto do julgamento dos irmãos Cravinhos e de Suzane Richthofen, no que pertine a aplicação da pena a eles imposta.

Dispõe o artigo 71 do Código Penal, em seu parágrafo único: nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como o motivo e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do artigo 70 e do artigo 75 deste Código? ( grifei).

Creio, no caso Richthofen e Cravinhos, pelo que se leu, da denúncia, da pronúncia e dos libelos acusatórios, na ocorrência clara de um crime continuado, porquanto as ações delituosas seguiram-se uma a outra, no mesmo espaço de tempo e com o mesmo modus operandi e mesmos desígnios dos agentes.

Veja, o que diz o Supremo Tribunal Federal: presentes a pluralidade de condutas e a de crimes dolosos da mesma espécie, praticados com emprego de armas, nas mesmas condições de tempo, lugar, e maneira de execução, ocorre a hipótese de crime continuado qualificado, ou específico, previsto no parágrafo único do artio 71 do código penal

Ora, os crimes imputados à Suzane e aos irmãos Cravinhos foram cometidos nas mesmas condições de tempo, maneira e lugar de execução.

Qual, então, seria a vantagem da aplicação da figura jurídica do crime continuado aos acusados se, em tese, a regra do parágrafo único do artigo 71 pode vir a tornar-se mais gravosa aos condenados? Todavia, nem sempre será assim, como assim não é neste caso. Explica-se: aplicando-se a regra do crime continuado aos acusados, a pena será superior a 20 ( vinte anos de reclusão), ou mais, porque aumentar-se-ia a pena de um só dos crimes, ou a mais grave, até o triplo.

Acontecendo esta situação, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em sede recursal, se ventilada pela defesa ou mesmo de ofício, poderá anular a sentença condenatória determinando ao Juiz Presidente do Júri implementar a incidência do artigo 71 do Código Penal, quanto a dosimetria da pena, tal qual prevê aquele arcabouço normativo.

Ocorrendo esta hipótese, os acusados terão direito automático a novo julgamento pelo Tribunal do Júri, chamado de Protesto de Novo Julgamento, mesmo que a pena seja retificada em segunda instância, conforme firmes decisões do STF e do STJ.

Portanto, para finalizar, aplicada a regra do concurso material, mesmo se a pena de reclusão imposta for superior a 20 (vinte) anos de reclusão, incabível o protesto por novo júri. Contudo, imposta a regra do crime continuado, com a pena superior a 20 (vinte)anos reclusão, o acusado condenado terá direito automático a novo julgamento pelo Tribunal do Júri.

Ricardo Trad, Advogado Criminalista em MS.

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