À medida que o processo político brasileiro intensificou-se em crises sucessivas – com o desencadeamento de escândalos cada vez mais chocantes e escabrosos –, o próprio sistema institucional tratou de encontrar os supostos responsáveis para depurar suas culpas.
Dentre estes culpados, a categoria profissional que se encontra atualmente no paredão da mídia e, conseqüentemente, na boca do povo, são os advogados. Tem-se a impressão, às vezes, de que os operadores do direito são responsáveis diretos por todas as mazelas do País.
O bom senso deve, neste momento, contudo, pautar a opinião pública para deixar claro que se os advogados hoje estão na berlinda por conta da ação de uma minoria de maus profissionais, é conveniente avaliar de que todo e qualquer tipo de generalização termina por enfraquecer a grande maioria. Como ficam, então, os advogados que trabalham honestamente defendendo o respeito à cidadania por meio do fortalecimento do Estado Democrático de Direito?
Em decorrência da atuação dos maus profissionais, está a se esquecer que o advogado é quem garante que haja a sustentação do conceito de Justiça na sociedade, dirimindo conflitos de interesses e impedindo o exercício da vilania do Estado sobre cidadãos muitas vezes desprotegidos.
Os profissionais do direito são como pilares a garantir o funcionamento das instituições de formas ordeira, equilibrada e organizada.
Sem o advogado a cidadania perderia seu porta-voz mais eficiente. Perderia o verdadeiro guardião da democracia, da liberdade e dos direitos e garantias individuais de cada cidadão. Só que a advocacia, como toda atividade profissional, enfrenta problemas no dia-a-dia.
Há questões candentes que se apresentam em volume crescente, e que são cada vez mais debatidas, tais como a facilidade com que se cria curso de Direito no Brasil – o que estabelece contradições no mercado de trabalho, sobretudo por causa da má formação que proporcionam –, a morosidade judicial aliada à necessidade de reformas processuais e as mudanças do papel da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que, aos poucos, se transformou ora num funil seletivo ora numa espécie de sindicato sem representação efetiva da categoria.
Compreendo que as instituições se comportam no plano histórico quase como reflexo das pulsões que emanam da sociedade. Neste sentido, encerrada a fase de luta contra a ditadura, período no qual a OAB teve um papel primordial na conquista da democracia, e à medida que a questão da representação política foi quase que transferida para os poderes da República, nada mais correto que os advogados se voltassem mais para seus interesses corporativos e tivessem uma atuação mais voltada para seus interesses específicos. Esta fase, porém, tornou-se coisa do passado, de forma que a Ordem, agora, precisa ser reconstruída, até para garantir a força da advocacia.
Não agir assim tem ajudado muito no enfraquecimento da categoria e na visão equivocada da profissão.
As várias gestões da OAB trabalharam num processo continuado para atender a estes objetivos. O trabalho realizado neste campo foi fantástico, o que demonstrou a inteligência e a capacidade criativa dos profissionais.
Só que nos últimos 15 meses a sociedade brasileira ingressou numa nova fase histórica. Estamos vivendo um intenso processo de lassidão moral, cujo consenso é de que os Poderes republicanos perderam a capacidade de representar a sociedade.
O Estado brasileiro ensimesmou-se em seus privilégios, sendo sugado num turbilhão de corrupção que terminou dissociando os interesses públicos dos anseios mais legítimos da população. Resultado: esse processo está contaminando de maneira determinante todos os segmentos que orbitam as esferas institucionais republicanas.
Os advogados, neste mecanismo perverso, estão sendo tragados e colocados na vala comum, sem que a OAB consiga enxergar um fato óbvio: se a entidade fosse forte e estivesse estreitamente vinculada com os mais amplos interesses gerais e se colocasse à frente de suas lutas e indignações, os advogados seriam fortes.
O advogado milita diuturnamente pedindo e agindo em favor do cidadão. É inegável que ele encontre desafetos na sua luta diária. Para isso, precisa contar com uma entidade de grandeza ímpar, que saia em sua defesa e que não transija com as prerrogativas profissionais. Os advogados precisam da sua entidade para exercer a sua profissão assim como precisam de suas prerrogativas.
Se a entidade agir com rigor, a sociedade compreenderá que os poucos maus profissionais decorrem do desvio de conduta individual, deixando de achar que o erro é da profissão, como parece que todos estão a pensar no momento.
Não se pode falar em defesa de direitos sem a presença de um advogado. Não se pode falar em advogado sem prerrogativas profissionais. Não se pode falar em prer-rogativas respeitadas sem uma OAB forte e cônscia de suas responsabilidades com o advogado, com a sociedade e com o Estado Democrático de Direito.
Os advogados devem fazer uma profunda reflexão para compreender que uma instituição como a OAB deve buscar, neste momento, resgatar seu papel de vanguarda e colocar-se à frente do debate que interessa a todos os brasileiros, independentemente de cor, raça e crença religiosa. Os advogados não podem permitir que conquistas do passado sejam negligenciadas por aqueles que não aprenderam com a história, preferindo ficar alheios à realidade nacional.
Carlos Marques, advogado e ex-presidente da OAB/MS