A pena e a sua função social como medida ressocializatória

Antonio Baptista Gonçalves

Cada vez que ouço uma notícia nos meios de comunicação sobre o sistema prisional brasileiro estar saturado, superlotado e absolutamente sem perspectiva de mudanças num futuro próximo, reflito se o sistema penal vigente, no que tange as penas, ainda é funcional.

Uma das premissas do Direito Penal é a aplicação de uma sanção como garantia do próprio cidadão. Para que não seja confundida a tênue linha que separa a liberdade da impunidade. Tem como função precípua equilibrar uma situação rompida pela prática de um delito.

E mesmo assim, com a proteção estatal para com a sociedade, um indivíduo somente será condenado, efetivamente, quando transitar uma sentença condenatória e for comprovado que realmente fora praticada uma conduta lesiva à sociedade.

Ao contrário do que muitos pensam, o direito penal não é um mero aplicador desordenado de sanções, mas sim um garantidor de liberdades. Pois o homem médio comum tem o conhecimento de quais atos pode praticar e de quais não são permissivos.

Isto representa um grande avanço se comparado aos tempos antigos, como o Código de Hamurabi, no qual a justiça, poderia ser classificada como uma reparação na mesma proporção do dano causado, ou seja, se uma pessoa rouba, perde a mão. Ou então, nos antigos guerreiros que tinham o conceito de justiça, devolverem violência com violência. Como se fosse uma forma de ratificação de poder.

A introdução do atual sistema carcerário teve origem na igreja, pois o condenado era encaminhado a uma cela para expiação da falta cometida, como uma penitência, ou seja, a origem do presídio, também denominado: penitenciária, e seu arranjo interior reflete as celas monásticas que os mosteiros destinavam às penitências1.

Sendo que a situação tinha o condão de fornecer ao infrator um período de reflexão, para externar todo o seu arrependimento e evitar uma nova prática lesiva, a pena funcionava com um bem ao próprio indivíduo. Daí adveio o conceito de prisão como uma reparação à sociedade pelo dano causado e também ao apenado, para rever seus conceitos e reparar seus erros.

A condenação nos dias atuais serve como uma compensação à sociedade pelos danos causados, ou seja, uma justificação moral da aplicação da pena, e uma forma de retornar ao equilíbrio social existente, antes do delito ser praticado.

Nos dias atuais, o delinqüente está servindo de escape para a sociedade, uma vês que esta justifica que a situação do país segue ruim, devido aos altos índices de criminalidade, se não houvesse infratores a vida estaria perfeita.

O que muitas vezes motiva discussões, como a redução da maioridade penal, como forma de isolar cada vez mais os infratores da sociedade, como se isto a mantivesse “imune” do meio criminoso. Entretanto, me parece ser uma verdade falaciosa, porque dentre os criminosos existem os que praticam delitos por prazer, por poder, no entanto, a grande maioria o faz por necessidade. Seja por não ter emprego, seja por não ter o que comer, ou a sua família, ou por pura falta de consciência social e estrutura familiar.

Num rápido exame mental, qualquer pessoa minimamente esclarecida irá repudiar praticar um crime, ao ter a ciência de que ficará preso, longe de seus entes queridos, praticamente sem condições de obter um emprego quando for solto, sem mencionar as agruras que irá sofrer dentro do presídio.

E, apesar disso, a cada dia temos mais e mais pessoas presas. Para os componentes da sociedade é muito mais cômodo atacar as pessoas que se encontram presas, do que procurar soluções para modificar a situação. Porque como mencionei anteriormente, o criminoso reflete um desabafo social, muitos são pré-julgados antes mesmo do efetivo julgamento, no âmbito moral que envolve a questão.

O fato de o criminoso estar preso não restitui o mal causado à pessoa, seja no aspecto moral, ou no econômico, mas muitos se conformam, porque “pelo menos este não irá prejudicar mais ninguém”.

Mas a reflexão inicial persiste: o atual sistema prisional, no que tange as penas ainda é funcional?

Apesar de retirar o indivíduo do convívio social, o que na prática impedirá a cometimento de uma nova conduta lesiva, por outro lado proporcionará ao detendo, querendo ou não, um grande aperfeiçoamento de seus dotes criminais, e mesmo que não os tenha, terá uma grande oportunidade de adquiri-los, visto que é humanamente impossível obter-se a recuperação social de quem quer que seja, numa cela, projetada para dez, quinze pessoas, que abriga quarenta, cinqüenta, as condições de convívio são péssimas. Também atesta contra um ex-preso a cultura brasileira, que um ex-condenado, será moralmente sempre considerado como culpado. Então como alguém pode dar emprego a um culpado? Simplesmente é melhor deixa-lo à margem da sociedade.

Será que a solução é o sistema prisional? Se fosse, os índices de criminalidade deveriam estar caindo, uma vez que funcionaria como um inibidor, a pessoa evitaria praticar o delito, porque saberia que iria presa. Mas na prática não é o que está ocorrendo.

Então, o modelo adotado deve ser modificado, por um mais repressor, coercitivo que realmente impeça a criminalidade de existir. Talvez até mesmo devêssemos adotar o sistema da pena de morte, como os norte-americanos.

Não, ao nosso ver, nada disso representa uma solução saneadora do problema. O atual sistema penal brasileiro é eficaz, o real problema não é penal, mas sim social. O Direito Penal somente está sendo questionado, porque tem a função de ultima ratio, ou melhor, a última alternativa para reparar a impunidade, e ao que se dispõe, o objetivo está plenamente sendo alcançado.

O que motiva este excesso de lotação, que por vezes desacredita o próprio sistema prisional, visto que de que adianta prender alguém, se ao soltá-lo este estará pior, ou ainda, a prisão não regenera ninguém, nada mais é do que a atual situação social enfrentada pelo país.

Se a maioria das pessoas tivesse um amparo estatal, com um ensino educacional mínimo, emprego, uma concentração de renda não tão acentuada, na qual a classe pobre, que beira o miserável, a motivação para a prática de delitos seria mínima, sendo perfeitamente suficiente o atual sistema penal brasileiro. Aí de fato, o sistema penal teria uma real função social.

Hoje o máximo que o sistema prisional representa é um invólucro para separar aqueles que transcenderam os limites, dos demais.

Para evitar que o sistema penal alcance a impraticabilidade, ou num futuro, até mesmo a inutilidade, o legislador deve criar uma alternativa, já que o governo não o faz de livre e espontânea vontade, que determine um investimento compulsório em educação, moradia e emprego.

Não tenho a falsa esperança de que se um dia isto ocorrer o Brasil será o melhor país do mundo, porém o nível de vida aumentará na inversa proporção do índice de criminalidade.

Ao invés dos reguladores do direito investirem em leis que visem cada vez mais oprimir as pessoas, na falha certeza de que isto inibirá o crime, devem concentrar seus esforços em gerar medidas legais que obtenham uma receita fixa e permanente para o investimento na base e no social deste país, pois uma família que tem o que comer, com emprego e educação não tem a menor intenção de praticar uma conduta lesiva, exatamente pelo papel inibidor que representa o direito penal. Todavia, a persistirem as condições atuais, que caminho mais prático terá um chefe de família, ao ver os seus sem ter o que comer, sem educação e sem emprego, senão partir para a marginalidade.

É chegado o momento do legislador brasileiro revestir os direitos do cidadão e não oprimi-los mais e mais, para como preconiza os ditames constitucionais proteger o cidadão e a sociedade que o circunda.

Última Instância Revista Jurídica

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