Acredito não haver dificuldade, no conceito de qualquer pessoa de bom senso, independendemente de credo religioso, em classificar como massacre o assassinato de crianças.
O admirável é que no mundo moderno aconteçam massacres como os que estão sendo perpetrados no Líbano sem que haja uma reação efetiva e imediata da comunidade internacional para evitar que amanhã outras crianças sejam atingidas por bombas, como aconteceu em Qana, cidade do Líbano.
A vida humana merece respeito, e talvez devesse merecer mais respeito de um povo, como o israelense, que sofreu o Holocausto, genocídio mais horrendo de que se tem notícia na história.
O surpreendente é que esse mesmo povo, em sua maioria, apóia os ataques no sul do Líbano, e suas autoridades, depois do ocorrido em Qana, ainda tentam justificar o massacre, dizendo ter avisado as pessoas para deixarem a cidade.
Até parece que deixar uma cidade vazia para que ela possa ser inteiramente reduzida a escombros por bombas é fácil. Parece que a presença de crianças na área atingida, que são as mais indefesas diante de ataques dessa ordem e as que mais sofrem as consequências de um grande êxodo como o que ocorre no Líbano, não passa de apenas um detalhe para Israel.
As imagens que chegam de Qana são horríveis e revoltantes: pequenos corpos de pessoas vestidas com cores alegres, na idade em que deveriam estar brincando, são retirados dos escombros e carregados com pesar imenso dos que os resgatam.
Será que os responsáveis por essa nefasta ação no Líbano não sentem em seus ombros o peso de seus crimes? Que insensibilidade é essa que se abateu sobre Israel, sabidamente um povo sofrido e vitimado, ao longo da história, por crimes da gravidade do Holocausto?
Em uma hora de revolta mundial como esta, é difícil tentar apreender o que Israel pretende com essas ações criminosas contra civis. Talvez a ferocidade dos ataques ao Líbano tenha a intenção de enfraquecer o Hezbollah também junto à população libanesa, que ficaria aterrorizada, daqui por diante, com a suspeita da presença de um de seus membros no quarteirão vizinho. Ou seja, se houver um terrorista no quarteirão vizinho, Israel estaria autorizado a dizimar o bairro libanês inteiro. Resta saber, de acordo com essa lógica, quem é o terrorista.
Se a ação de Israel atende a essa lógica perversa, no entanto, será que vai demorar para perceber que tem efeito contrário? É clara, é notória a desproporção entre os ataques do Hezbollah e os ataques israelenses, e quem sofre as consequências dessa desproporção não é o Hezbollah, são os inocentes que morrem sob escombros no sul do Líbano. Assim, muito mais terroristas do que o Hezbollah são os militares israelenses, porque os efeitos de suas ações são verdadeiros massacres de inocentes. O Hezbollah e outros grupos contrários a Israel, com tudo isso, ganham força e apoio que não tinham de todo o mundo árabe. Ou seja, as ações criminosas de Israel terminam fortalecendo o Hezbollah.
É claro que a vida humana é sempre preciosa. Um soldado israelense que é morto ou sequestrado deixa família, filhos ou pais que choram sua morte. Outro dia, porém, li a notícia de que os pais de um dos soldados israelenses que foram sequestrados pelo Hezbollah não tinham a mínima atenção por parte das autoridades militares de seu país. Não respondiam a seus pedidos aflitos de informações, não os consolavam, era como se o soldado sequestrado tivesse se tornado um detalhe menor diante da dimensão do conflito. Um detalhe tão insignificante para Israel como a vida das crianças mortas em Qana.
Porém, militares aceitam, como pressuposto de sua função, o risco de ser ferido ou de morrer em ação. É diferente com as crianças, sejam elas de qualquer etnia ou nacionalidade. A elas não deveria ser permitido, em nenhuma hipótese, que se fizesse mal. Nada justifica o massacre de crianças libanesas. Se Israel ainda tenta justificar o massacre, dizendo ter avisado que a cidade de Qana deveria ser evacuada, e não se faz nada de efetivo para punir e evitar esse tipo de barbárie, resta às pessoas de bom senso, independentemente de credo religioso, que assistem à notícia do massacre, perguntar-se com revolta e incredulidade: que mundo é este?
Ricardo Joerke, advogado e revisor