Pedro Estevam Serrano
Homens encapuzados exibindo armas, ameaçando de morte a vítima já dominada e impondo sua vontade à sociedade por meio do medo e da força. Infelizmente, imagens como essas não são mais novidades no mundo contemporâneo. Vídeos assim vêm sendo exibidos pelas emissoras de TV ao redor do mundo, acompanhados de imagens de guerra e terrorismo. A surpresa é que, desta vez, estamos falando de um produto genuinamente brasileiro.
O vídeo exibido pela televisão em um final de semana recente tinha como protagonista um suposto membro do PCC, facção criminosa organizada que dispensa apresentações. As vítimas foram o repórter Guilherme Portanova e o auxiliar técnico Alexandre Calado, ambos da Rede Globo. A moeda de troca, a exibição do já citado vídeo. O local do cativeiro: São Paulo, Brasil.
Não é a primeira vez que o PCC enfrenta as autoridades, numa evidente demonstração de força e ousadia. E parece que, nessa guerra, é ele quem vem levando vantagem. A realidade exige uma atitude mais enérgica das autoridades. Estamos testemunhando um forte ataque ao Estado como instituição. A situação tornou-se insustentável e começa a configurar uma grave ameaça à ordem pública, na qual se faz necessário decretar Estado de Defesa em São Paulo.
O artigo 136, caput, da Constituição Federal em vigor é bastante claro nesse sentido: “O presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar Estado de Defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”.
Embora o conceito de ordem pública comporte alguma fluidez, ninguém pode negar a ameaça que paira sobre ela em face dos fatos aqui relembrados. Na melhor das hipóteses, representam um sério ataque ao Estado como instituição e mesmo à liberdade de imprensa —representada aqui pelo jornalista e pelo técnico seqüestrados—, fundamental para a sobrevivência da democracia que experimentamos hoje.
Nos limites do Estado Democrático de Direito, o Estado de Defesa é o regime mais enérgico que se pode adotar. É importante mostrar à população que temos instrumentos democráticos para reagir energicamente a essas agressões, afinal, trata-se do crime organizado. O Estado vem sendo agredido sistematicamente, com conseqüências imprevisíveis, mas a democracia tem resposta legítima a tais condutas, sem necessidade de cogitação de procedimentos autoritários e inconstitucionais.
Agora, para alimentar a já crescente sensação de impunidade, chega ao conhecimento do público a notícia de que o julgamento pelo Tribunal do Júri de João Carlos Rangel Luisi, principal acusado pelo assassinato do juiz corregedor dos presídios e da Vara de Execuções Criminais de Presidente Prudente (SP), Antonio José Machado Dias, que deveria ter ocorrido nesta última segunda-feira, 14 de agosto de 2006, foi adiado para 2007. Com isso, o desfecho do crime ocorrido em 14 de março de 2003 só poderá ser alcançado quase quatro anos depois, isso se não houver novos incidentes e sem contar eventuais recursos.
Não há dúvidas de que o Estado de Defesa é situação de exceção. Por isso, mesmo vem delimitado expressamente pela Constituição Federal, que determina as hipóteses autorizadoras de sua decretação e indica sua amplitude, além de formas de controle judicial sob os atos praticados e prazo de sua vigência.
Por outro lado, não se pode considerar situação de normalidade os cada vez mais freqüentes ataques do crime organizado, tomando a cidade por refém, gerando medo e insegurança e modificando a rotina de paulistanos e paulistas, que já vêm sofrendo com a insegurança pública há anos, lembrando a todos que, se hoje a situação está difícil, sempre pode ficar pior.
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