Fernando Albino
As cenas de violência que levaram a cidade de São Paulo ao estado de pânico ainda repercutem em todo o país e provocam muitas discussões, dentre elas, as vantagens e desvantagens da chamada “privatização dos presídios”. Muitos equívocos têm sido divulgados a respeito desse tema, o que pode abortar iniciativas que em curto prazo reduziriam significativamente as dimensões do problema prisional.
Existe uma unanimidade quanto à falência de nosso sistema carcerário. Poucas cadeias, a grande maioria imunda, insuficiente, sem recursos, com uma administração mal paga e pouco treinada, com um grande índice de corrupção e alvo de constantes rebeliões estampadas com estardalhaço nos principais veículos da mídia. Feito esse diagnóstico unânime, o próximo passo é perguntar como resolver o problema. A resposta acaciana é fácil: construção de grande número de penitenciárias modernas, bem equipadas, geridas por pessoal qualificado e bem pago, com pleno atendimento às exigências da legislação de execuções criminais e a salvo de ondas de violência interna.
Essa análise, que já foi feita há 20 anos e não encontra respaldo em providências concretas do Estado (tanto União, quanto Estados membros da Federação), caminha a passos de tartaruga diante da gravidade do problema. Nesse ponto, costuma ser apontada como grande vilã a inexistência de verbas orçamentárias para os gastos necessários.
A própria sociedade civil, da qual o Estado é mera decorrência, tem julgado “desperdício” gastar com “bandidos presos” recursos que podem ser empregados em educação, saúde e transporte. Assim, passa ano e sai ano e a situação permanece a mesma. Talvez agora o país tenha acordado para as dimensões do problema, e a sociedade se mova mais rapidamente. Nesse ponto é que a equivocadamente denominada “privatização dos presídios” pode resolver a parte material do problema.
Calcula-se que o país tenha aproximadamente 350 mil detentos, cabendo a São Paulo por volta de 150 mil desse contingente. Se acreditarmos que os presos devem ser reintegrados na sociedade, a lei de execuções penais deve ser observada, em sua integridade. Isso obriga a um efetivo cumprimento das várias etapas da pena: a reclusão ou detenção iniciais, com todas as precauções recomendadas, inclusive isolamento, se necessário; o oferecimento de educação e assistência psicológica; a possibilidade de trabalhos; e os ensaios finais de reintegração para os que se mostrem aptos a tanto, com saídas periódicas para reintegração familiar e livramento condicional.
A execução da pena jamais pode ser “privatizada”, pois seria ofensa direta à Constituição que obriga ao Estado (de forma indelegável) exercer a justiça, em todas as conotações do termo. Além disso, ao Estado cabe zelar pela integridade do detento. Isso não impede que a construção de cadeias e a sua manutenção física possam ser contratadas pelo Estado com terceiros. Aliás, as construções das poucas prisões que estão sendo feitas pelo Estado têm sido objeto de licitação com a iniciativa privada, que também supre as unidades de alimentação e hotelaria, quando o poder público não executa essas tarefas.
No que constituiria, então, a erroneamente chamada “privatização”? Trata-se de, em um primeiro momento, diagnosticar as necessidades de prédios e equipamentos e, em seguida, estudar a melhor maneira de gestão física dos mesmos.
Ou, em outras palavras, listar as necessidades públicas nesse setor. Feito isso, pode-se solicitar à iniciativa privada que pelo regime das parcerias público-privadas (PPPs) apresente as suas manifestações de interesse sobre o tema e suas sugestões de como resolvê-lo.
A legislação das PPPs criou dois tipos de concessão, a patrocinada e a administrada (além de ter reafirmado a concessão comum). Pela última, o Estado é o único provedor dos recursos, “adquirindo” do privado o bem ou serviço objeto da concessão. O presídio é o exemplo típico dessa concessão. Realizada a obra e concedido o serviço, o Estado pagaria um determinado valor por mês, por preso, de forma que o particular ao cabo de um certo tempo possa ser ressarcido de seus custos com a construção e manutenção, devolvendo o estabelecimento prisional ao Estado ao final desse período (15, 20, 30 anos).
A maior crítica a essa solução tem sido o custo. Entretanto, ela é falsa. Hoje o Estado pouco gasta porque as prisões inexistem ou são precárias. No momento em que sejam eficientes obviamente irão custar mais. Mas a comparação entre nada (por inexistir a prisão e o serviço) e alguma coisa (o valor por preso) não significa que a solução seja mais cara. Como é óbvio implica em dizer que existiria o que hoje não existe. Implica em comparar nada com coisa nova, o que é equivocado. Mas o Estado sozinho não tem recursos para resolver o problema. Se tivesse, o assunto não estaria sendo discutido. Negar o alcance das parcerias público privadas para resolver a parte material do problema prisional significa afastar uma possível solução e continuar na mesma pasmaceira atual, onde muito se discute e pouco se realiza.
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