No início deste mês de agosto o Governo Federal sancionou a lei contra a violência doméstica, denominada “Lei Maria da Penha”: o nome é uma homenagem a uma mulher, que como tantas outras neste país, foi vítima de violência doméstica. Esta nova lei propõe tratar com maior rigor os inúmeros casos de violência doméstica, prática condenável e que precisa ser combatida a todo custo, seja a violência entre marido e mulher, entre pais e filhos, contra os velhinhos, enfim, toda e qualquer violência no seio da família, por ser injustificável e inaceitável.
Não há dúvidas que a lei representa grande avanço no combate aos crimes desta natureza, no entanto, alguns efeitos colaterais precisam ser evidenciados e minimizados face ao rigorismo da nova legislação. Sabidamente, os casos de violência atingem todas as camadas sociais, mas sua grande incidência acontece nas camadas mais pobres da população, onde o diálogo é mais difícil, marido e mulher sussurram palavras e não discutem os problemas, falta cultura, há maior desintegração familiar, problemas de álcool, drogas, desemprego e tantos outros que são mais frequentes, possibilitando campo fértil para a violência. Não se deve olvidar que nas classes mais altas da sociedade muitos casos de violência são abafados e resolvidos “em família”, sem chegar ao conhecimento das instituições públicas.
A nova lei define como forma de violência doméstica aquelas condutas que atingem a integridade física, psíquica, sexual, patrimonial e moral da mulher e propõe medidas de proteção à mulher que se encontre nestas situações, ao mesmo tempo que endureceu as penas contra àqueles que praticar esta violência.
A partir do agravamento das penas surgem alguns questionamentos: muito embora ocorra em menor escala, mas há muitos casos em que a mulher é a agressora… terá ela o mesmo tratamento rigoroso previsto na lei? Afinal, todos são iguais perante a lei!!!
Outro aspecto a considerar na nova lei é a retirada dos crimes desta natureza da competência dos juizados criminais e o agravamento da pena para os casos de lesão corporal, ainda que sejam simples arranhões, “unhadas” e etc. Veja que, no último trimestre – maio, junho e julho – foram processadas 1094 ocorrências nas delegacias da mulher em Campo Grande, incluindo aí, ameaças, injúria, calúnia, difamação, lesões corporais, entre outros crimes, antes considerados de menor potencial ofensivo. Desse total, em torno de 40% são casos de flagrante, isto é, os agressores foram imediatamente conduzidos a uma das delegacias assinaram “termo de compromisso” e retornaram logo em seguida para casa. Com a vigência da Lei “Maria da Penha”, uma simples ameaça, proferida numa discussão banal, colocará o agressor atrás das grades e, sabe Deus quanto tempo permanecerá preso!!
Ao receber o agressor a autoridade policial deverá autuá-lo em flagrante e arbitrar fiança – isto se ele não possuir antecedentes – e somente será colocado em liberdade se recolher o valor da fiança. Expressiva maioria de agressores são pessoas sem capacidade financeira e, com certeza vai amargar vários dias atrás das grades até que a justiça se pronuncie. Por certo, a mulher que o denunciou estará desesperada correndo atrás do valor da fiança no dia seguinte, porque o marido vai ficar preso, perder o emprego, deixar de pagar as contas, enfim, uma série de problemas depois de serenado os ânimos entre o casal.
Outra questão é: onde serão recolhidos tantos presos? Nas cadeias públicas superlotadas, junto com traficantes, assassinos e todo tipo de marginal??? O agressor eventual, aquele de tomou “umas biritas a mais” que desferir um tapa, injuriar ou ameaçar sua mulher vai parar atrás das grades e permanecerá junto com verdadeiros marginas, nos fétidos “depósitos” prisionais… Ou será que na segunda-feira seguinte a justiça já estará decidindo o caso e aplicando a sanção adequada???
A lei ou quem as tornam efetivas, especialmente as autoridades policiais, que primeiro enfrentarão o problema, não poderão distinguir entre o agressor eventual e o contumaz e deverá adotar o mesmo procedimento, isto é, se houve agressão, uma simples injúria que seja, deverá prender o agressor e deixá-lo encarcerado até que a justiça decida, mesmo que na manhã seguinte a vítima implore para que seu marido seja liberado e volte ao trabalho. A mulher agredida só poderá manifestar seu arrependimento perante o Juiz, enquanto não conseguir audiência, seu agressor continuará preso.
Por outro lado, o processo apuratório será mais lento, porque em todos os casos deverão ser instaurados inquéritos policiais, procedimento muito mais trabalhoso e complexo que os chamados “termos circunstanciados de ocorrência” e, consequentemente, ocorrerá maior acúmulo de boletins de ocorrência nas delegacias de atendimento à mulher.
Inobstante aos citados problemas que poderão advir, a nova lei não deixa de ser um avanço, até porque prevê várias outras medidas de proteção à mulher que se encontrar em situação de violência, no entanto, se não houver efetiva ação política e canalização de recursos para implementar as medidas propostas, será mais uma, entre tantas leis produzidas episodicamente neste país, que serviram apenas para satisfazer determinados segmentos sociais, mas sem nenhum efeito prático.
Matusalém Sotolani, delegado de polícia