Diante da situação vivida atualmente no Brasil, em que a criminalidade só aumenta, o tráfico de drogas é cada vez mais intenso e as facções criminosas colocam a sociedade sob ameaça, é possível que muita gente esteja se perguntando, o que o Estado pode fazer para combater a criminalidade, quais as medidas mais acertadas do ponto de vista jurídico e social? É possível combater o crime com medidas humanitárias? Ou é necessário partir para o confronto?
É obvio que as respostas para estas e outras perguntas devem passar por um amplo e necessário debate sobre o assunto, sem abrir mão da experiência vivida por cada um que, em razão da profissão escolhida ou da função que exerça, possa contribuir para chegarmos a essas respostas.
Eu, particularmente, depois de dezesseis anos atuando como Promotor de Justiça na área criminal, entendo que uma das medidas possíveis para combater a criminalidade é de natureza humanitária e deve ser encarada com maior seriedade pelo Estado, consistindo em oferecer condições de tratamento gratuito a dependentes químicos e viciados em qualquer tipo de entorpecente, como forma de ajudar as famílias brasileiras a recuperar seus dependentes, retirando-lhes da marginalidade e tornando-os cidadãos dignos.
Sabemos o quanto é difícil o trabalho de recuperação de dependentes de drogas, especialmente quando já integrados num meio em que os valores são invertidos.
Todavia, é preciso investir no ser humano, na sua recuperação, principalmente quando esta medida conta com o apoio da família e com um pouco de vontade do viciado.
Contudo, nesses dezesseis anos de experiência, algumas vezes me deparei com a história de famílias que lutam para recuperar seus dependentes, que acreditam no seu potencial, mas não encontram no Estado o apoio necessário para que o tratamento chegue a bom termo. Via de regra, as entidades especializadas no tratamento de dependentes de drogas são particulares e apresentam um alto custo para a tentativa de recuperação dos viciados, tornando o tratamento inviável para famílias de baixa renda e as vezes até para a classe média.
Outra dificuldade é o fato de, atualmente, a lei ter acabado com o sistema de internação forçada, o que deixa as famílias e as instituições à mercê da vontade do viciado, muitas vezes comprometida pela força do vício, que o compele a sair em busca de mais entorpecente, em constantes recaídas.
Com isso, aquele indivíduo que poderia ser recuperado e se integrar a sociedade de bem, continua marginalizado, frequentando as “rodinhas dos sem compromissos”, criando problemas para a família e para a sociedade, quer dilapidando o patrimônio próprio ou de sua família, quer praticando furtos, roubos, lesões corporais.
E o Estado, em vez de apóia-lo com medidas de recuperação e tratamento, limita-se a puni-lo, jogando-o atrás das grades, sem sequer aproveitar o período de prisão para o tratamento.
Mas a omissão do Estado não para por aí. Muitas vezes, a falta de um controle adequado permite que o entorpecente chegue ao interior dos presídios, mantendo o vício daqueles que estão presos e criando um comércio extremamente poderoso que envolve pessoas que estão dentro e fora dos presídios, com reflexos para toda a sociedade, dando cada vez mais força a grupos e organizações como o PCC.
É preciso dar um basta nessa situação e a sociedade tem que cobrar do Estado, medidas urgentes para a mudança desse contexto. Nada melhor do que em véspera de eleições, quando os candidatos discutem projetos de governo.
Reynaldo Hilst Máttar – Promotor de Justiça de Campo Grande/MS