Os analistas políticos tinham uma única certeza quando, há alguns meses, faziam projeções sobre o que aconteceria na campanha eleitoral deste ano: “vai ser sangrenta”, comentavam em uníssono. Todos erraram.
Por enquanto, não se vê “sangue” escorrendo; os candidatos estão se comportando com civilidade nunca vista antes, e a famosa temporada de ataques são apenas folguedos de verão.
Todos os candidatos a presidente, mesmo a irritadiça Heloísa Helena, estão adotando o estilo paz e amor, mantendo aparente serenidade nos programas do horário eleitoral gratuito, deixando as declarações mais fortes para a cobertura jornalística ou para eventos fechados com setores específicos da sociedade.
Neste aspecto, políticos e jornalistas ainda estão confusos sobre a essência da campanha presidencial, tentando compreender a natureza de sua atipicidade.
É provável que o fenômeno subjacente ao processo que ora se desdobra seja exatamente esse: a notável perda da aura de autoridade dos chamados formadores de opinião – sobretudo aqueles que ocupam espaço na mídia –, mesmo porque a prática tem demonstrado com a clareza necessária de que estes que se autodenominam detentores do saber político ( além de conhecedores profundos da alma dos eleitores) na verdade estão completamente perdidos.
Hoje o eleitor – independentemente da classe social a que pertença – tem acesso a todo tipo de informação: pesquisas, rádio, televisão e Internet. A facilidade para se adquirir equipamentos de tecnologia de ponta expandiu a base de difusão de conhecimento de maneira inédito nas duas últimas décadas. O impacto do consumismo de eletrodomésticos como rádio, TV, DVD, celular, computador etc., vem ajudando a construir o ambiente político de maneira determinante.
Os eleitores, de modo geral, recebem informação de uma mídia cada vez mais complexa e variada e, assim, se julgam esclarecidos o suficiente para escolher seus candidatos sem tutela.
Mesmo que muitos estejam sendo flagrantemente ludibriados, gratos por receberem favores estatais ou mesmo o bolsa-família, sentem que têm autonomia para fazer livremente suas escolhas, mesmo que na sua base haja uma relação de troca meio sacana. Mas isso é o Brasil.
Para manipular grandes contigentes populacionais é preciso cada vez mais sofisticação e inteligência ou um fato surpreendente, chocante e sensacional.
O caso americano é clássico: Bush fez um aproveitamento eleitoral eficaz dos ataques de 11 de setembro, vencendo a reeleição pela imposição do medo.
Da mesma forma, noutro diapasão, Lula está conseguindo otimizar o que é bom em seu Governo e escondendo com eficiência a sujeira para debaixo do tapete, sobretudo o entulho que vem acumulando e que vai transbordar em 2007, provocando grandes estragos, principalmente naqueles segmentos sociais que hoje alegremente o estão apoiando.
No entanto, quando o jogo é muito rasteiro, percebe-se rapidamente. A sociedade está cansada de “gente esperta” que vive de dar lições de moral, explicar o “lado correto” das coisas e orientar o melhor caminho para quem não está “devidamente informado dos bastidores”.
Qualquer leitor paciente que se dispuser a fazer um rastreamento do que os cientistas políticos e jornalistas especializados escreveram nos últimos seis meses ficará impressionado com os chutes e equívocos cometidos. A grande maioria não chegou nem perto no vaticínio sobre o clima emocional que domina a atual campanha. Todos chutaram solenemente pra fora.
Mas não há como negar a seguinte sensação: em todas as classes sociais há um evidente constrangimento. Olha-se para os candidatos e não se consegue ter claro quem é o pior.
No final, a permanecer a atual pasmaceira, o grosso do eleitorado conclua que ruim por ruim fiquemos do mesmo jeito. Não resolve o problema, mas quem é que está interessado nisso?
Dante Filho, jornalista