Resolução 437/06 da Anatel: resultado da interação com o Cade

Mateus Piva Adami

A Resolução 437/06 da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), publicada em 20 de junho deste ano, representou mais um passo para alinhar o controle concorrencial setorial exercido por essa agência à jurisprudência do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Ela aponta os grupos econômicos que exercem o “poder de mercado significativo” —PMS— no setor de telecomunicações.

A nova norma veio a complementar a Resolução 402/05, que alterou substancialmente o regime de compartilhamento de infra-estrutura para a exploração de industrial de linhas dedicadas —EILD— até então vigente.

Para esclarecer a importância da nova regulamentação, bem como sua relação com o Cade, são necessárias algumas explicações preliminares. A rede de telefonia fixa é constituída pelo o chamado “par metálico” que, além de ser utilizado como plataforma para a telefonia comum, é uma das formas com que o serviço de transmissão de dados é prestado. Este último, ao contrário do Serviço Telefônico Fixo Comutado —STFC—, não é objeto de concessão, e é explorado em regime de livre concorrência. No entanto, a rede de telefonia fixa, em função da política adotada para o sistema de telecomunicações nacional, é gerida pelo concessionário local.

Ou seja, uma empresa que deseje atuar no ramo de transmissão de dados deve utilizar a rede existente, cuja posse é atribuída à operadora de telefonia fixa local, ou ainda implantar o seu próprio sistema. No primeiro caso, o compartilhamento da infra-estrutura se dá mediante a celebração de contratos de interconexão —mais precisamente, contratos de fornecimento de EILD.

Nessas condições, o acesso local negociado entre os terceiros interessados na exploração dessa atividade e a concessionária de STFC pode ser considerado como o mercado “upstream” —“a montante” ou “de origem”— em relação à prestação do serviço de transmissão de dados —considerado, portanto, como mercado “downstream”— “a jusante” ou “alvo”.

Os contratos de EILD eram regulados pela Norma 30/96, a qual foi aprovada pela Portaria 2.506/96 do Ministério das Comunicações. Em brevíssima síntese, suas principais preocupações com infrações à concorrência estavam adstritas à fixação de um preço máximo para o fornecimento de EILD, bem como à vedação de concessão subjetiva de descontos.

A regulamentação de interconexão é muito importante sob o prisma concorrencial, pois as concessionárias de STFC, além de prestar os serviços de telefonia fixa, também atuam no segmento de transmissão de dados, através de uma empresa integrante de seu grupo econômico. Assim, nota-se que a empresa gestora da infra-estrutura não é propriamente neutra em relação ao seu compartilhamento, uma vez que tem interesse direto nos resultados da exploração econômica dessa atividade.
Isso ficou claro em uma licitação promovida por um órgão público, cujo objeto era a contratação do serviço de transmissão de dados. Em função da publicidade dos atos praticados nas licitações, uma das concorrentes notou uma distorção nos valores apresentados por uma empresa que pertence ao mesmo grupo econômico da concessionária local de STFC, que sugeriam um tratamento diferenciado entre elas.

Diante de uma suspeita de prática anticoncorrencial, a concorrente representou à Anatel. Contudo, a Agência não tomou qualquer providência para instruir o caso. O Cade foi então diretamente provocado pela empresa, através de um pedido de liminar na Medida Preventiva n.º 08700.003174/2002-19.

O principal argumento defendido pela representante foi pautado pela caracterização da rede de STFC como essencial à prestação do serviço de transmissão de dados. Ou seja, a exploração da atividade em condições competitivas dependeria da infra-estrutura mantida pela concessionária. Esse argumento remete à doutrina norte americana das “essential facilities” que, em última instância, consiste na relativização do exercício do direito de propriedade em prol da competição.

São dois os traços fundamentais para a caracterização de uma infra-estrutura como uma “essential facility”: i) situação de dependência com relação ao acesso de certos bens, dominados por um particular; e ii) impossibilidade de suprir essa dependência através da aquisição de bens próprios.

Em linhas gerais, o abuso de poder econômico decorrente de uma “essential facility” possui as seguintes características: i) controle de bem essencial por um monopolista; ii) inviabilidade econômica de duplicação do bem; iii) negativa de acesso ou imposição de dificuldades em sua utilização —o que inclui práticas de diferenciação de preços; iv) viabilidade técnica para suportar novos usuários— o acesso não pode comprometer o serviço oferecido.

A concessionária tentou refutar a tese sustentada, mediante a alegação de que a infra-estrutura em questão poderia ser substituída por outras tecnologias, e que os descontos praticados em favor de sua subsidiária seriam oriundos das condições do contrato, que seriam aceitas apenas por essa empresa.

No entanto, tais argumentos foram pontualmente refutados pelo Cade. A decisão reconheceu que, para determinadas velocidades de acesso, a duplicação da infra-estrutura ou a substituição por outra tecnologia seriam opções inviáveis economicamente. Quanto aos descontos, o conselho considerou que a política adotada pela concessionária não tratava de forma igualitária as empresas, pois os critérios utilizados não estavam em consonância com a Norma 30/96.

O pedido formulado foi acolhido, e o Cade determinou a imediata cessação da discriminação de preços, bem como a apresentação da composição dos custos da empresa subsidiária nos contratos de transmissão de dados firmados com terceiros. Essa última medida reflete a importância do caso, pois, apesar da discussão surgir no âmbito de uma licitação pública, é evidente que os contratos privados também poderiam indicar a prática de preços distorcidos.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a Norma 30/96 não foi apta a impedir a discriminação de preços observada no setor. De fato, se não fosse a participação da subsidiária em uma licitação pública, dificilmente o Cade teria sido acionado. A regulamentação vigente à época não fornecia os subsídios necessários para que a Anatel exercesse um controle efetivo dos contratos de compartilhamento, principalmente no que tange à publicidade das informações relevantes. Reconheceu-se a existência de uma assimetria de informações entre o órgão setorial e o agente regulado.

Foi nesse contexto que surgiu a Resolução 402, de 27 de abril de 2005. Percebe-se que essa Resolução teve por base os principais pontos levantados pelo Cade para fundamentar a decisão tomada no caso citado. Uma primeira evolução é a criação do conceito de Poder de Mercado Significativo —PMS. Assume-se que o agente econômico por ele caracterizado dispõe de “posição que possibilita influenciar de forma significativa as condições do mercado relevante, assim considerada pela Anatel” —artigo 2.º, inciso X.

Os parâmetros para a caracterização do PMS são os seguintes:
Artigo 13. Para determinar quais são os grupos detentores de PMS na oferta de EILD a Anatel pode avaliar, entre outros:

I – participação no mercado de linhas dedicadas;
II – existência de economias de escala;
III – existência de economias de escopo;
IV – controle sobre infra-estrutura cuja duplicação não é economicamente viável;
V – ocorrência de poder de negociação nas compras de insumos, equipamentos e serviços;
VI – ocorrência de integração vertical;
VII – existência de barreiras à entrada de competidores; e
VIII – acesso a fontes de financiamento.

Assim, nota-se claramente que as características a serem levadas em conta pela Anatel possuem alguma correlação com a doutrina das “essential facilities”. O “controle do insumo” essencial pode ser encontrado nos incisos I, II e III do artigo acima citado. A “inviabilidade de duplicação do bem” é reconhecida como critério pelos incisos IV e VII, inclusive quanto à sua viabilidade econômica. A “negativa de acesso” ao bem nada mais é do que uma decorrência de um abuso do “poder de negociação nas compras de insumos, equipamentos e serviços” (inciso V).

A menção à integração vertical (incisos VI e III) apenas reforça os motivos que levam ao abuso do poder econômico decorrente da propriedade da infra-estrutura. Da concentração de poder no mercado a montante —fornecimento de EILD— resulta a possibilidade de abuso no mercado a jusante —transmissão de dados.

Posteriormente, a Resolução 437/06 definiu os grupos detentores de PMS, e prefixou o entendimento da Anatel quanto ao mercado relevante relacionado ao serviço de EILD —mas que pode ser questionado por qualquer interessado. Outro critério fixado pelo Cade e adotado pela Anatel na resolução foi a circunscrição do mercado relevante a determinadas velocidades —artigo 2.º, caput, conforme já previa o artigo do art. 11 da Resolução 402/2005.
Houve também grande preocupação com a assimetria de informações decorrente dos contratos firmados com as concessionárias. Isso se refletiu em exigências de publicidade, como a obrigatoriedade de disponibilizar, no site da empresa, minutas de contrato padrão para fornecimento de EILD —artigo 23 da Resolução 402/05—, bem como os valores dos descontos eventualmente concedidos, e respectivos critérios para sua concessão —artigo 2º, § 2.º.

No entanto, mesmo nessas condições, houve uma restrição ainda maior por parte do órgão regulador, quanto ao uso de volume, prazo e valor total da contratação como critérios para pautar a redução de preços, quando a empresa for detentora de PMS —artigo 18 da Resolução 402/05. Esses elementos integravam a justificativa da concessionária para a prática de preços diferenciados em favor de sua subsidiária no caso apreciado pelo Cade.

A nova regulamentação para o fornecimento de EILD também deixa de fixar um preço máximo pelo acesso, ao implantar um sistema dinâmico para a aferição desse valor. Ele é calculado com base nos custos incorridos por uma prestadora hipotética, combinados com as informações fornecidas pelas próprias prestadoras. Esse sistema mitiga a assimetria de informações existente entre a Anatel e as concessionárias, embora não elimine completamente esse fator.

É inegável que o novo sistema implantado pelas Resoluções 402/05 e 437/06 da Anatel sofreu grande influência do Cade. Resta agora saber se ele será eficaz para coibir eventuais abusos de poder econômico, nas mesmas condições observadas no caso debatido na Medida Preventiva n.º 08700.003174/2002-19.

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