Colocando o carro na frente dos bois

Condenação exige provas, não apenas suspeitas. Dessa forma, pedir a impugnação da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva antes que seja investigado o envolvimento ou não do presidente na tentativa de compra e venda do dossiê em que se buscava incriminar o candidato José Serra, no caso das ambulâncias superfaturadas, irá render apenas burburinho entre oposicionistas e destaque na mídia. Esse é um caso para o Tribunal Superior Eleitoral investigar por dever de ofício, tanto no tocante a existência ou não de intenção difamante e manipulatória no referido dossiê, como a origem dos recursos para a aludida compra e, mais que tudo, o envolvimento do sr. presidente da República na questão.

E note-se que para se qualificar qualquer ilícito há que se verificar se o referido dossiê é falso, feito apenas com intenção difamatória, pois se não o que há de ilícito em sua existência? Ilícitos seriam os fatos que relata!

De antemão, é importante que todos os interessados no afastamento de Lula do cenário político brasileiro saibam que tal conduta, nas condições atuais, fere os direitos constitucionais fundamentais do candidato do PT em disputar a Presidência da República e eventualmente ser eleito —ou, mais precisamente, reeleito. Simplesmente porque, a menos que se prove a participação direta dele em mais este imbróglio palaciano, pedir, neste momento, a impugnação de quem quer que seja o candidato em situação idêntica significa ferir a Constituição do Brasil, que assegura os direitos constitucionais do cidadão Lula. Seríssima agressão também ao regime democrático, à lisura e à legitimidade do pleito e ao direito da cidadania realizar livre escolha do futuro governante da nação.

Afoita e interessada em pegar carona —e auferir lucros— com este mais recente escândalo, a oposição não está atinando para uma análise dos fatos que merece total atenção antes que se decida por uma atitude, seguramente, precipitada. Nesse sentido, à minha experiência jurídica empresto meu interesse pela condução da política brasileira para concluir que não encontro o menor nexo em vociferar, como tem feito a oposição, que Luiz Inácio Lula da Silva possa ter participado da articulação do dossiê, que se mostrou desastroso desde o princípio.

Tentar envolver José Serra com as ambulâncias superfaturadas afetaria em que nível a reeleição de Lula, dada como quase certa pelos institutos de pesquisa? Serra, como sabemos, não é o candidato a presidente pelo PSDB. E, como acompanhamos por meses a fio, o partido optou por Geraldo Alckmin. Esse, sim, é o adversário de Lula no processo eleitoral. Logo, não há por que envolvê-lo nessa história, salvo prova em contrário que considero remotíssima a possibilidade que exista, haja vista a evidente ausência de interesse do sr. presidente da República na divulgação do malfadado dossiê.

———————

Pedro Estevam Serrano é professor de Direito Constitucional da PUC-SP e autor do livro “O Desvio de Poder na Função Legislativa”, editora FTD.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento