Pode-se invocar uma multiplicidade de hipóteses sobre o motivo pelo qual o namoro cálido da modelo Daniela Cicarelli, numa praia espanhola semideserta, tenha causado tanto furor em todo o País, batendo de longe, no quesito audiência e interesse popular, o escândalo do dossiê dos sanguessugas, que foi o assunto predominante na mídia por vários dias seguidos.
Mas uma coisa é certa: diante de tantas mentiras, desmentidos e dissimulação, o vídeo tornou-se um fenômeno de público e crítica porque representou um momento de verdade no nosso cotidiano repleto de virtualidades e ocultações.
Ali estava corporificada de maneira incontornável um ato no qual não havia espaço para desculpas e desmentidos. Era – com perdão do pleonasmo – um realismo realista.
Cicarelli foi pega numa circunstância que lhe impossibilitou clamar em sua defesa o benefício da dúvida, ou, como se tornou praxe no País, disfarçar dizendo que “não sabia de nada”. Era a sua imagem, sem subterfúgios, que havia sido gravada num momento prosaico, humano e extensamente natural na rigorosa acepção do termo.
O sucesso do vídeo ( que se espraiou pela internet feito rastilho de pólvora acesa) se explica diante de nossa sede louca por algo que seja verdadeiro, indesmentível e inquestionável neste quadrante histórico brasileiro.
O caso do dossiê dos sanguessugas, paradoxamente, é uma espécie de espelho invertido desse fato, visto que tudo está sendo dito, confirmado, sabido e ressabido, mas nada é mostrado, confessado e assumido. É aquela história: é verdade, apesar que ainda não foi visto nem provado.
Talvez o único fato que pudesse equiparar o impacto causado pelo vídeo de Cicarelli – à parte o fato de que a protagonista das cenas, além de ser um bela mulher, também é uma celebridade que ora surfa na onda do sucesso – seria a apresentação da foto dos pacotes de dinheiro apreendido pela Polícia Federal com dois petistas num hotel em São Paulo.
Nada mais fascina as pessoas do que sexo e dinheiro. Com absoluta certeza estas duas imagens combinadas entre si no imaginário popular teria o poder de nos saciar amplamente, fazendo dos dois acontecimentos um momento de gozo voyeurista e não um coito interrompido, como vem acontecendo, e que poderá inclusive custar a vitória de Lula no primeiro turno destas eleições.
O povo quer ser saciado no seu desejo reprimido de revelação da verdade. Parece haver uma certa avidez nervosa para se arrancar o véu da hipocrisia, visto que La Cicarelli, sem nenhum pudor, mostrou um pedaço de si e de sua alma, mesmo que involuntariamente.
Lula – se tivesse clareza e percepção aguda do momento histórico – podia fazer o mesmo em vez de se ocultar naquele palavreado maluco e messiânico, querendo ser casto e puro quando todos já sabem que ele é o dono do bordel.
Há uma intensa frustração no ar. Cicarelli foi flagrada e achou por bem recolher-se para tentar depurar-se em falso gesto de castidade. Lula está fazendo o inverso: tenta escancarar sua raiva contra os “companheiros aloprados”, atirando-se no covil dos lobos tentando ocultar o já sabido, apesar de dizer que nada viu e nada sabia.
Trata-se de uma medida de risco. Principalmente se houver algo que inverta a lógica das cenas tórridas de Cicarelli, fazendo surgir de repente, no momento crucial da campanha eleitoral, as imagens pornográficas da farra em torno do uso dinheiro público no Brasil promovida por “Lorenzettis” e “Verdoinis”.
Com isso, não há muitas dúvidas: se o eleitor tiver que escolher entre Lula e Cicarelli, o primeiro com certeza vai rodar feio. Quem viver, verá.
Dante Filho, jornalista