Instituídos via resolução de Tribunais de alguns Estados, os primeiros Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher iniciam a processar e julgar os feitos disciplinados pela Lei nº 11.340 de 07/08/2006, que estabelece medidas para a prevenção e assistência, com o encaminhamento da mulher a programa oficial ou comunitário de proteção, inclusive com estabilidade de seis meses se necessário o afastamento do emprego para garantir sua segurança.
Equipes de atendimento multidisciplinar deverão integrar os novos juizados, cabendo aos Estados e municípios instituir centros de atendimento integral, casas-abrigo para mulheres e respectivos dependentes menores, delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde, centros de perícia médico-legal especializados, programas e campanhas para enfrentar a violência doméstica e familiar, bem como centros de educação e de reabilitação (presídios) para os agressores.
Todavia, a nova lei possui erros gravíssimos, ferindo princípios constitucionais. Dentre eles o artigo 41, que diz não ser aplicável a Lei 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, visto que esse artigo afasta os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95 para crimes que se enquadram na definição de menor potencial ofensivo, na forma do artigo 98, I e 5º, I da Constituição Federal.
Outra inconstitucionalidade é em relação ao artigo 33 da Lei 11.340, que versa sobre matéria de organização judiciária, cuja competência legislativa é estadual (artigo 125, par. 1º, da CF).
O artigo 33 fala que, enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as Varas Criminais acumularão as competências Cível e Criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes dessa prática, observadas as previsões do título IV da nova Lei, e com garantia de preferência para julgamento do processo.
Tal disposição é flagrantemente inconstitucional, visto que não é possível ter competência para causa cível e criminal num mesmo processo.
No que concerne ao âmbito criminal, a opção política feita pelo legislador da Lei 11.340 revela um erro grosseiro: ao abandonar o sistema consensual de Justiça (Lei 9.099/95), depositou sua fé no sistema penal conflitivo clássico.
Preocupa-me sobremaneira a forma assistemática e acientífica com que têm sido redigidas várias leis nas últimas legislaturas, dentre as quais a Lei 11.343 (Políticas Públicas sobre Drogas), e especialmente a Lei 11.340, que têm sérias imperfeições técnicas que comprometem a sua exeqüibilidade.
Urge uma imediata e completa revisão da legislação penal e processual penal, e, em especial, que os projetos de futuras leis desta natureza recebam a contribuição e o subsídio científico das universidades e dos órgãos de classe comprometidos com a sua aplicação.
O resgate da cidadania feminina é magnânimo, mas de difícil exeqüibilidade em razão do curto prazo para entrada em vigor, visto que impossível a criação de juizados autônomos —que exigiriam a feitura de lei ordinária própria, com a criação de novos cargos (juízes, serventuários, psicólogos, assistentes sociais etc.), para a consecução do intento— não tendo hoje, por força da Lei de Responsabilidade Fiscal, e especialmente da Lei de Diretrizes Orçamentárias, recursos materiais e humanos disponibilizados para a sua imediata aplicação.
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Luiz Fernando Boller, juiz diretor do Foro da comarca de Tubarão (SC)