A despeito do atraso, plenamente justificado pelo excesso de serviço, cumpre sejam tecidas algumas considerações acerca dos Editoriais publicados no jornal Correio do Estado, edições dos dias 12 e 13 de outubro do corrente ano.
A toda a evidência, é notável o trabalho que a Polícia Federal vem desenvolvendo nos últimos anos, em especial mediante as megaoperações desenvolvidas no combate ao crime organizado e aos mais variados delitos por elas perpetrados.
Também é considerável a força do Poder Judiciário em prol da correta aplicação da lei penal, não apenas para as classes menos favorecidas, mas também, e principalmente, para as quadrilhas sofisticadamente organizadas para o cometimento de crimes fiscais, financeiros e de lavagem de capitais.
Quando, entretanto, a Constituição relacionou as atribuições do Ministério Público, pôs, já no primeiro inciso do artigo 129, a de “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”. Foi esta atuação, vinculada historicamente ao próprio surgimento do Ministério Público, a primeira a ser lembrada pelo legislador constituinte e a única para a qual se assinou a característica da privatividade.
É essa atuação criminal (repita-se: privativa do Ministério Público), que pode ensejar a maior interferência estatal na liberdade e na propriedade individual, ao lado de ser a mais tradicional função cominada ao Parquet.
Nesse diapasão, importa mencionar que incumbem ao Ministério Público, na área criminal, tarefas de prevenção de infrações penais, fiscalização dos demais órgãos estatais vinculados ao exercício do direito de punir estatal e de promoção (da ação penal) .
A conjugação do preceituado no art. 26 da Lei Orgânica do Ministério Público (Lei 8625/1992) com o disposto no art. 6O da Lei Complementar 75/1993, autoriza que o Ministério Público interceda perante agentes públicos e privados no sentido de evitar que, com a prática de crimes, haja lesão a interesses sociais e individuais homogêneos. Destarte, a atividade desenvolvida não é exclusivamente de fiscalização, pois envolve, também, proposições políticas e de inovação administrativa e não apenas acompanhamento da legalidade da atuação de outros órgãos. De outra banda, a atuação fiscalizatória do Ministério Público encontra sede direta no artigo 129, incisos II e VII da Constituição Federal. O zelo pelos direitos assegurados na Constituição permite ao Ministério Público efetuar controle externo não apenas da polícia, mas de todas as instituições públicas ou privadas que atuem em áreas de repercussão pública.
Tal atuação fiscalizatória, portanto, é abrangente e importante, incluindo não só o controle da atuação do Poder Judiciário, nas correições e nos processos em que intervém o Ministério Público, mas controle de toda a atuação estatal relacionada ao exercício do jus puniendi.
É cediço que, sem embargo de atuar como dominis litis nos processos criminais a que dá início, oferecendo a denúncia, o Ministério Público não se demite da função de fiscal da lei em todos os processos – inclusive nos propostos pelo mesmo órgão – inquéritos e expedientes investigativos. A lei processual penal exige a oitiva ministerial para inúmeros eventos ocorridos durante a investigação ou na instrução criminal, muito embora, por vezes, não traga expressamente a exigência da prévia oitiva ministerial.
Controle e responsabilização são conceitos inafastáveis da idéia de república e o constituinte fez uma opção inequívoca ao confiar estes procedimentos ao Ministério Público. Poderia tê-lo cometido ao Poder Legislativo, através do Tribunal de Contas, ou ao Poder Judiciário, através de suas correições. Preferiu, todavia, o Ministério Público.
Por derradeiro, a atuação repressiva do Ministério Público manifesta-se quando, na condição de dominus litis, bate às portas do Poder Judiciário para que este, praticado o crime, aplique a lei penal, assegurada a ampla defesa. É a denúncia, de regra informada pela precedente atuação da polícia judiciária, através do inquérito policial. É o Ministério Público que decide a sorte dos inquéritos, analisa a suficiência ou insuficiência da instrução destes para a formação de sua opinião e pode devolvê-los à polícia ou promover seus arquivamentos (funcionando o judiciário apenas como instância de controle). Ao agir, submete sua pretensão, o processo inquisitivo e o judicial a um estrito controle da legalidade, sem admitir que os fins justifiquem os meios.
Não é demais lembrar que a atuação judiciária se caracteriza pela inércia, ou seja, pela necessidade de provocação dos jurisdicionados, requisito essencial para a imparcialidade das decisões, sendo certo que o Ministério Público se coloca, ao menos em relação a varas criminais, como o maior cliente do Poder Judiciário e não há qualquer ferimento à sua imparcialidade se sua organização administrativa levar em consideração especificidades da atuação ministerial.
Jerusa Burmann Viecili, Procuradora da República em Campo Grande/MS