Responsabilidade por sucessão na recuperação de empresas: Visão adolescente?

A Lei nº 11.101/2005, que alterou a antiga Lei de Falências, introduziu em nosso sistema jurídico a denominada recuperação judicial e extrajudicial das empresas, tendo como objetivo a preservação da empresa e de sua função social, conforme previsto expressamente pelo artigo 170 da Constituição Federal.

Se analisarmos em retrospectiva, foram necessários, aproximadamente, 16 anos —idade em que deixamos a condição de absolutamente incapazes no âmbito civil— para que consagrássemos os princípios que sustentam a ordem econômica e financeira de nosso sistema jurídico e nos convencêssemos de que somente com a supressão episódica de determinados privilégios fiscais e trabalhistas ganharíamos todos nós.

Um dos pontos vitais da Lei de Recuperação de Empresas reside justamente no comando previsto no parágrafo único do artigo 60 (e no inciso II, do artigo 141), segundo o qual o objeto da alienação judicial de ativos “estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária…”.

Referido dispositivo foi, por assim dizer, ratificado pela Lei Complementar nº 118/2005, editada e publicada no mesmo dia da Lei nº 11.101/2005, que, alterando o artigo 133 do Código Tributário Nacional, estabeleceu que a sucessão tributária não irá se operar na alienação judicial de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial.

Por incrível que pareça, a impressão que se tem da modificação operada no artigo 133 do CTN é a de que somente a alienação judicial de filial ou de unidade produtiva isolada —e não de toda a empresa ou de todos os ativos em conjunto ou separadamente— estaria credenciada à relevante não aplicação da responsabilidade tributária.

Contudo, quer nos parecer que esse caminho interpretativo acaba por desvirtuar o próprio objetivo da recuperação judicial da empresa, sejam os seus ativos singulares ou mesmo universo de bens (estabelecimento) alienados em conjunto ou separadamente, não havendo, pois, à luz dos princípios que orientam nossa ordem econômica, razão jurídica para tal distinção.

E tudo isso sem mencionar que com o advento deste pacote legislativo a única aquisição juridicamente segura de ativos de pessoas jurídicas em dificuldades, livre de manobras jurídicas “dissimuladas” ou simplesmente protelatórias, é aquela realizada em alienação ocorrida em processo de recuperação judicial e/ou falência, o que, por si só, desencoraja as outras formas de compra, desde já colocadas sob suspeição por melhores que sejam as intenções dos adquirentes.

Dessa maneira, a interpretação da Lei de Recuperação de Empresas e das fronteiras da responsabilidade por sucessão exige de todos nós o necessário e maduro discernimento, de modo que possamos encarar os objetivos constitucionais de estímulo à atividade econômica sem qualquer enfermidade e/ou deficiência mental relacionadas aos privilégios fiscais e trabalhistas, evitando, assim, conclusões adolescentes sobre um assunto dos mais importantes, previsto em nossa Constituição e que demorou tanto tempo para sair de seu estado “latente”.

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Luiz Rogério Sawaya Batista é sócio do escritório Nunes e Sawaya Advogados, em São Paulo. Graduado em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, é autor de diversos artigos publicados em revistas especializadas, bem como é palestrante em diversos eventos jurídicos.

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