Aborto não é crime no ordenamento jurídico

Alguns projetos de lei visam alterar o Código Penal para descriminalizar o aborto. Sua principal justificativa parece residir nos altos índices de mortalidade de gestantes não adequadamente atendidas quando em situação de abortamento. Se o aborto não constituísse crime, tudo seria resolvido.

Se esta idéia lastrear o projeto, a mudança não é de modo nenhum essencial. Na verdade, ousa-se afirmar que o aborto não é crime perante o ordenamento jurídico.

Com efeito, no aspecto legal, têm-se quatro modalidades de aborto: o natural, o necessário, o sentimental e o ilícito.
O aborto natural é aquele que ocorre por circunstâncias biofisiológicas, sendo involuntário à gestante, que normalmente pretendia a continuidade da gravidez. Este caso por óbvio não tipifica o crime de aborto.

Necessário é o aborto assim chamado quando praticado se não houver outro meio de salvar a vida da gestante, a não ser com o sacrifício do feto. Embora a lei diga simplesmente que não será o fato punido, na verdade, se está diante de uma causa excludente de antijuridicidade, a qual implica dizer que não há crime, pela ausência de um de seus elementos constitutivos. O aborto necessário também é denominado terapêutico ou curativo e não configura crime.

O aborto sentimental é aquele que pode ocorrer quando a gravidez tiver origem num ato de violência contra a mulher, vítima neste caso de crime contra sua liberdade sexual, configurado basicamente pelo estupro. A lei penal em consideração a integridade sentimental da mulher permite o aborto, dizendo que ele não é punível.

Verifica-se ainda a ausência de antijuridicidade como no caso anterior e o fato não é considerado criminoso. O aborto sentimental recebe a denominação de humanitário, moral ou ético, em face de tentar diminuir os reflexos negativos da violência à recuperação da mulher. E não constitui crime.

As três modalidades acima não tipificam qualquer ilícito penal e, assim, podem ser atendidas as gestantes que se apresentarem para socorro em situação de abortamento, sem qualquer implicação de natureza penal.

O único tipo ilícito de aborto é aquele provocado pela gestante ou por terceiro, seja médico ou não, com ou sem consentimento, motivado por outra circunstância que não as acima tratadas.

Criminoso é o aborto provocado sem finalidade terapêutica ou sentimental, sem visar proteção da vida física ou moral da gestante. Ele é gerado pela insegurança, pelo medo, pela irresponsabilidade, pela falta de informação e pela falta de apoio individual e social. Enfim, sua causa não é natural, terapêutica ou humanitária, mas de natureza sócio-econômica.

A gestante, nesta situação, encontra-se isolada, sem amparo, sem perspectivas, sem horizontes, abandonada mesmo pelo companheiro que, em momentos anteriores, sob a proteção da intimidade, mediante suaves carícias, prometia-lhe a luz das mais distantes estrelas.

Diante de tal quadro não sabe ela qual resposta oferecer e busca a irresponsável via criminosa, porque ser responsável não é comportar-se de acordo com um quadro ético-jurídico predeterminado, mas sim saber qual resposta apresentar diante de uma dada situação. Porém, a gestante em sua posição de abandono não enxerga caminhos. E a saída mais simples é eliminar a inocente vida potencial que se apresenta como a fonte do problema. Então se tem o aborto sócio-econômico.

Se a questão for evitar a mortalidade feminina em face do abortamento, o projeto de descriminalização é dispensável porque, como visto, em três modalidades contra uma, o aborto não é crime no ordenamento jurídico brasileiro. E as gestantes podem ser atendidas. Resta apenas saber se a administração da saúde tem condições de atendê-las.

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João Ibaixe Jr. é advogado criminalista e ex-delegado de polícia, professor de direito penal e filosofia do direito na PUC-SP.

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