Nossa Ordem, nossa voz

Eis que chega a eleição da OAB e lembro o livro de memórias de Miguel Reale, “Destinos Cruzados” (Editora Saraiva), onde ele descreve os ensinamentos do criminalista Cyrillo Júnior: “Olha Reale, dizia-me ele, todo advogado tem quatro adversários: em primeiro lugar, o cliente, que só conta a verdade pelo meio; em segundo lugar, o juiz, que pode ter algum problema pessoal; em terceiro, o escrivão, sempre interessado e interesseiro, e, finalmente, a parte contrária…”

Apesar dos conselhos terem sido dados em meados dos anos 1930, hoje, poderíamos acrescentar outros percalços que o advogado passa no exercício de sua profissão, para conseguir levar alimento a sua família. Eu exemplificaria com o caso da morosidade da justiça, pois apesar das alterações na legislação, quase nada foi modificado na prática, devido às várias deficiências na condução administrativa do judiciário.

Mas, não estamos aqui para apontar os defeitos do judiciário, e sim para procurar fomentar o debate com os seus principais operadores, que são os advogados. Nossa classe tem andando desunida e perdida em pequenos problemas que não resultaram em benefícios de médio e longo prazo para a categoria. Agora, viramos reféns das vaidades pessoais de candidatos ou grupos, que procuram de todas as formas “chegar ao poder”, mesmo que para isso partam para as agressões pessoais e atinjam a moral de colegas adversários de outras chapas. Se esta é a democracia que sabem praticar: “Estou Fora!”.

No entanto, ao invés de se preocuparem com os problemas urgentes da classe e mostrarem na prática alguma melhoria democrática, muitos candidatos se omitem e fogem ao debate da realidade que empobrece a advocacia a cada dia. Eu colocaria dois temas atuais, que me fazem refletir sobre a falta de democracia dentro da OAB: a infração ética por falta de pagamento de anuidade e a obrigatoriedade do voto nas eleições da Ordem, sob pena de multa.

Sabemos, por ouvir dizer – já que os processos correm em segredo de justiça – que em média 70% dos processos éticos na OAB originam-se pelo “não pagamento de anuidade”. Ou seja, se o advogado não paga a anuidade – sempre arbitrada pelo conselho – passa a ser um profissional “sem ética”. No caso, a “ética” se reduz a “pecúnia”, a ter ou não condições de pagar uma anuidade que gira em torno de dois salários mínimos, resultando em suspensão do exercício da advocacia no mínimo em trinta dias.

Entra diretoria e sai diretoria e ninguém discute a questão dos métodos utilizados pela OAB para a cobrança da anuidade, que para mim não passam de uma coação para pagamento de tributo – já que a Ordem é um órgão fiscalizador. Ao contrário, em sua maioria, os candidatos escondem este problema e parece que querem mesmo é que os colegas fiquem suspensos “pela falta de ética”.

Este embaraço resulta em outro, que considero um atraso na OAB, que tanto pugna e gosta de apontar “os defeitos da lei” aos outros, clamando por democracia. É inconcebível que seja obrigatório o voto para as eleições da Ordem, sob pena de multa de valor absurdo. Esclarecendo: só vota quem estiver em dia com a anuidade.

Como podemos falar em democracia com a obrigatoriedade do voto sob pena de multa? Isto é coação! No entanto, o debate sobre o futuro ainda não chegou na Ordem, e sim o velho e cansativo debate de que “fulano não serve para presidente” porque “ele é isso ou aquilo”.

Quando iremos assumir as rédeas da advocacia do futuro? Quando iremos “crescer” e entender que só unidos seremos fortes? Quando iremos perceber que o “grande escritório” é fraco sem o humilde advogado? Quando iremos dar as mãos para fortalecer a advocacia? “Eu tenho um sonho…”(I have Dream… – Martin Luther King).

Sergio Maidana, advogado em MS (sergiomaidana@ig.com.br)

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