O atraso generalizado na quitação dos precatórios em praticamente todo o país já está contaminando o pagamento das Requisições de Pequeno Valor (RPVs), criadas pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000. Em São Paulo, por exemplo, elas não são pagas desde abril.
As Requisições de Pequeno Valor (RPVs) foi o nome dado aos precatórios de até R$ 15.814,56 devidos pela União, Estados e municípios. O objetivo da PEC 30 foi garantir aos seus credores a quitação em um prazo menor do que o dos precatórios de valores maiores. As RPVs devem ser pagas na fase de execução do processo, no prazo de 90 dias, contados da expedição do precatório.
O atraso atual no pagamento das RPVs é atribuído por juristas à Resolução nº 199, de 2005, editada pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), que permitiu o fracionamento das execuções no caso de ações judiciais coletivas. Assim, para escapar do fracionamento, se tornou imperiosa a execução individual no caso das Requisições de Pequeno Valor. Mas a exigência levou ao “famigerado atraso”, já que se criou a necessidade de emissão individual de RPVs a todos os litigantes com crédito menor do que R$ 15.814,56.
No entanto, com o devido respeito às argumentações divulgadas pela mídia nos últimos dias, efetivamente as ações judiciais coletivas não podem ser responsabilizadas da forma aventada.
Não podemos deixar de analisar que esta natureza de demanda é um incentivo à diminuição de inúmeros processos que versam sobre o mesmo assunto e que, se tivessem sido propostos separadamente, também iriam, na fase de execução, desembocar no pagamento por meio de Requisições de Pequeno Valor. Assim, tal argumento não se justifica.
Não se justifica e nem pode ser sustentado porque o Código de Defesa do Consumidor introduziu regras específicas para ações coletivas, complementando as normas da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/90) para a tutela de interesses difusos e coletivos. Além do mais, a Lei nº. 8.078/90 disciplinou as ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos. São duas garantias para que se busque a efetividade do processo e de acesso à Justiça.
Por outro lado, a autorização de fracionamento dos créditos nas ações judiciais decorrentes da Lei Estadual nº 11.377/03 não declina sobre “processos de pequeno valor”, razão pela qual não existe qualquer óbice para que as ações coletivas sejam incluídas neste tipo de execução. Sobre esta questão, não é demais citar ementa de julgamento realizado em 21 de junho de 2004 nos autos do Agravo de Instrumento nº 371.677-5/9, perante a 7ª Câmara de Direito Público, Relator Desembargador Guerrieri Rezende, onde, por votação unânime, ficou definido que: “PRECATÓRIO – Demanda agitada por servidores públicos – Fracionamento dos créditos – Possibilidade.
A Lei Estadual n. 11.377/03 fala em “obrigação de pequeno valor”, não em “processo de pequeno valor”, os autores litigam em litisconsórcio facultativo e mantêm sua individualidade processual, nos termos do artigo 48 do Código de Processo Civil – Cada autor é titular de seu crédito, podendo executá-lo individualmente ou em grupo”.
Assim, fica claro que aquelas mesmas pessoas que são representadas em Juízo por meio de uma ação coletiva poderiam estar litigando em uma ação proposta em litisconsórcio. De qualquer maneira, ambas resultariam no aumento do pagamento de precatórios de pequeno valor, mesmo porque essas ações se caracterizam pela finalidade de um processo prático, ágil e eficaz para a concretização do direito perseguido em Juízo.
Portanto, impingir às ações coletivas o atraso no pagamento das Requisições de Pequeno Valor se apresenta como um descaso à evolução processual ocorrida com demandas desta natureza que só beneficiam por levarem as soluções processuais mais eficazes, práticas e econômicas no Poder Judiciário, principalmente.
Por fim, é pertinente lembrar que o real motivo para o atraso citado não é outro senão a falta de orçamento para quitar os débitos do governo diante da insuficiência de recursos para tanto, além do aumento no volume de RPVs como já afirmado em reportagem pelo procurador do Estado adjunto, José do Carmo Mendes: “O atraso no pagamento é resultado da insuficiência de recursos. Isso porque as ordens judiciais que determinam o pagamento das RPVs são enviadas normalmente quando o orçamento já está em curso — o que dificulta estimar a verba necessária”.
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Maria Cristina Lapenta é advogada especialista em direito administrativo e sócia da Innocenti Advogados Associados