A operação padrão, o atraso nos vôos, o consumidor e o morador

Acuados diante da possibilidade de ver integrantes da categoria serem parcialmente responsabilizados pelo acidente do vôo 1907, os controladores de trafego aéreo resolveram denunciar as suas precárias condições salariais e de trabalho, escolhendo a semana de um feriado prolongado para detonar o protesto chamado “operação padrão”.

O resultado desse protesto, todos sabemos: vôos atrasados, “engarrafamento” aéreo, caos nos aeroportos, consumidores descontentes (protestando nem sempre de forma civilizada, lamentavelmente), casos de danos ao patrimônio público etc.

Dos integrantes do sistema, as empresas aéreas logo se tornaram o alvo das manifestações de insatisfação dos passageiros, sendo obrigadas a arcar com custos de estada, refeição, traslados, entre outros, pelos atrasos e cancelamentos na prestação dos serviços. Isso tudo para tentar minimizar os estragos provocados pelo caos que tomou conta dos saguões dos aeroportos.

Para evitar o pior, ou seja, a paralisação total do tráfego aéreo, as autoridades convocaram controladores da reserva e, na medida do possível, estabilizaram a situação, reduzindo os atrasos nas partidas e chegadas das vôos. Para “desengarrafar” o espaço aéreo, chegaram a ampliar o horário de funcionamento dos aeroportos mais movimentados até 1h30, tudo de maneira a evitar maiores transtornos para os consumidores durante e no retorno do feriado prolongado.

Mas a ampliação do horário de funcionamento dos aeroportos, embora medida de urgência, acabou por aumentar o número de pessoas afetadas pelo protesto dos controladores: os moradores dos bairros próximos aos aeroportos, tais como os vizinhos de Congonhas, em São Paulo, o mais movimentado do país. Essa ampliação do horário de funcionamento, das 23h para a 1h30, ocasionou uma evidente alteração na rotina de vida desses moradores, que passaram a conviver, por mais tempo, com os transtornos comuns já provocados pelo “vizinho”.

Para quem apenas se serve do aeroporto, essa alteração de horário pode não parecer significativa, até pela temporariedade da medida. Mas para quem vive nas vizinhanças desses aeroportos (ou na sua “rota”), os transtornos são imensos, pois além de já conviverem cotidianamente com a poluição sonora provocada pelas aeronaves (e é incrível que não se adote qualquer providência nesse sentido), assistiram impotentes ao incremento do trânsito e da circulação de pessoas nessas áreas, trazendo mais barulho, desconforto e insegurança.

O que cabe questionar, contudo, é se essa “operação padrão” detonada pelos controladores foi oportuna a ponto de justificar tamanhos transtornos aos cidadãos, ou se esse protesto não poderia ter sido realizado de forma menos danosa, denunciando com a mesma eficácia as precárias condições de trabalho e de remuneração desses profissionais.

É certo que uma categoria reclame melhores condições de trabalho e de remuneração, ainda mais quando o “serviço prestado” afeta diretamente a segurança dos consumidores (os passageiros, diretamente, mas toda a sociedade, de forma mediata). Mas o direito de protestar por melhores condições de trabalho termina quando se afetam os direitos dos usuários dos serviço de transporte (que é essencial) e dos moradores do entorno do aeroporto, que acabam sofrendo as mais diversas consequências.

Num primeiro momento, os prejuízos sofridos pelos consumidores serão reparados pelas empresas aéreas, que além dos gastos já suportados com o atraso e cancelamentos de vôos, estão sujeitas a responderem judicialmente por danos morais e materiais que venham a ser pleiteados pelos passageiros. Isto porque o Código de Defesa do Consumidor reconhece a vulnerabilidade do consumidor, consagra a responsabilidade objetiva (sem culpa) do prestador do serviço no caso de defeito e reconhece o direito a ampla reparação.

Às empresas aéreas —que não tiveram qualquer responsabilidade pelo acontecido, diga-se, mas respondem objetivamente pelos prejuízos causados aos consumidores—, restará, via ação regressiva em face da União, reclamar a recomposição dos prejuízos sofridos. Significa dizer que enfrentarão um longo calvário de batalhas judiciais, não se perdendo de vista, contudo, que o consumidor acabe pagando mais essa conta com a majoração das tarifas, ao final.

Aos moradores, resta uma ação positiva conjunta com o Ministério Público para verem respeitado o meio ambiente no entorno dos aeroportos, de modo a preservar uma qualidade de vida satisfatória, pleiteando a redução a graus razoáveis da poluição sonora, do trânsito, da circulação de pessoas e da segurança, valendo-se da ação civil pública (direito difuso) se assim o caso exigir, sem prejuízo de ações individuais no caso de prejuízos efetivamente apurados, inclusive morais.

De qualquer forma, de imediato, o que se espera é que as autoridades responsáveis adotem as medidas necessárias para coibir que situações como essas voltem a acontecer, o que implica, também, na revisão das condições de trabalho e salarial dos controladores, tanto para assegurar a tranquilidade dos passageiros e a segurança de vôo, como também para evitar os transtornos causados aos cidadãos que, direta ou indiretamente, sofreram com essa malfadada “operação padrão”.

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Pedro Paulo Favery de Andrade Ribeiro é advogado em São Paulo

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