Não há como negar que a abertura de mercado nos idos de 1990 tornou algumas empresas nacionais mais competitivas, tendo em vista os esforços hercúleos envidados para se sustentarem sobre a enxurrada de produtos importados, evitando, dessa maneira, a morte por afogamento.
Entretanto, essa atitude do ex-presidente Fernando Collor de Mello também engendrou problemas às empresas nacionais. Ao longo desses 16 anos de abertura de mercado, por diversas vezes, a deslealdade nas práticas comerciais, ladinamente escondida na sombra do desenvolvimento, assassinou empresas, deixou de criar empregos e sonegou imensuráveis cifras a título de impostos ao Erário Público.
Frente ao problema, as vítimas buscaram soluções. O presente artigo tem o escopo de relacionar algumas delas, sem exaurir o tema. Vejamos.
De início, vale ressaltar que o artigo 237 da Constituição Federal prevê que cabe ao Ministério da Fazenda exercer o controle e fiscalização do comércio exterior. Todavia, compete à iniciativa privada auxiliar a Secretaria da Receita Federal, sobretudo àqueles que sofrem com as práticas desleais.
Assim sendo, é aconselhável que as empresas se aproximem das unidades alfandegárias, com o objetivo de fornecer subsídios aos agentes públicos a respeito da fraude que está ocorrendo. Geralmente, os subsídios aludidos são de ordem logística e, ou, relacionados com o produto em si.
Os primeiros podem dizer respeito aos nomes das empresas autorizadas a importarem os produtos em comento ou a unidade da Receita Federal por onde esses produtos são importados, enquanto que o segundo aponta as diferenças entre os produtos originais e falsificados.
Como resultado dessa odisséia junto aos portos, aeroportos e fronteiras secas do nosso país, é grande a chance de advirem retenções de mercadorias supostamente contrafeitas. Aliás, há que se abrir um parêntese para destacar os avanços obtidos por nosso país no combate às fraudes de toda natureza, ganhando importância a atuação integrada do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, do Ministério da Justiça. Fecha parêntese.
A autoridade aduaneira deverá notificar a empresa detentora da propriedade imaterial a respeito da retenção de mercadorias, como determina o Decreto nº 4.543, de 26 de dezembro de 2002, alterado pelo Decreto nº 4.765, de 24 de junho de 2003 (Regulamento Aduaneiro).
Escorados no mesmo compêndio, os agentes aduaneiros exigem que o detentor da propriedade imaterial agredida adote as medidas judiciais cabíveis dentro do prazo de dez dias contados da ciência da retenção da mercadoria. Esse prazo pode ser prorrogado, uma única vez, por igual período, caso solicitado.
Nessa etapa, surge um problema. Quem figurará no pólo passivo da medida judicial que deverá ser impetrada? O artigo 282, inciso II, do Código de Processo Civil prevê que a petição inicial deve conter, sob pena de indeferimento, dentre outras, informações relacionadas ao nome, domicilio e residência do réu.
Por outro lado, o artigo 198 do Código de Tributário Nacional consagra o princípio do sigilo fiscal, e veda a divulgação por parte da Fazenda Pública de informações sobre empresas que estão sofrendo autuações administrativas.
Para resolução deste conflito, aconselha-se invocar o artigo 57 do Decreto 1.355 de 30 de dezembro de 1994 (Acordo TRIPS), que dentre outras atribuições, confere à autoridade competente o poder de informar ao titular do direito em questão os nomes e endereços dos importadores e a quantidade de bens que estão sendo nacionalizados.
Após informado o nome do importador, o detentor da propriedade intelectual imitada ou violada depara-se com outra questão que pode gerar dúvidas. Diz respeito à Justiça competente para a propositura da demanda.
Contudo, o artigo 109 da Carta Magna dirime a dúvida, uma vez que por meio de lista exaustiva, prevê as hipóteses que as ações devem ser interpostas perante a Justiça Federal. A importação de produtos que infringem propriedade intelectual não está incluída nessa lista. Portanto, a Justiça estadual é a competente.
Ultrapassada essa fase, devemos determinar o foro competente para a interposição dessa demanda. Essa é outra questão que pode acarretar dúvidas: lugar onde estão armazenados os produtos importados? Domicílio do importador? Bem, com espeque na regra do artigo 100, inciso IV, alínea “a”, do Código de Processo Civil, o autor da ação possui a faculdade de optar pelo foro do domicílio do importador.
Em contrapartida, a regra do artigo 100, inciso V, alínea “a”, do mesmo diploma legal outorga ao autor da ação o direito de interpô-la no foro do lugar do fato ou do ato. De tal maneira, o que ocorre na prática, é que o autor da ação pode escolher o foro que lhe é mais conveniente, e qualquer das opções deve ser fundamentada pelos dispositivos acima indicados.
Por fim, transcorridas as etapas acima listadas, o autor da ação ainda deve ficar na expectativa para que a demanda distribuída seja presidida por magistrado que possua a exata ciência do fato de que a apreensão efetuada junto às fronteiras do nosso país é extremamente eficiente, uma vez que o mal é cortado pela raiz, evitando assim que os malfadados produtos sejam pulverizados no mercado nacional.
Tudo assim ocorrendo, é grande a chance de a sentença prolatada impedir a nacionalização das mercadorias ilegais e ainda condenar, com caráter severo e punitivo, o importador a ressarcir os danos causados pela sua prática irregular.
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Eduardo Ribeiro Augusto é advogado de De Vivo, Whitaker e Castro Advogados, especialista em propriedade intelectual e membro da Task Force de Combate à Pirataria da Amcham (Câmara Americana de Comércio)