A proteção da vida privada das pessoas notórias

Desapegado de qualquer pretensão científica a ponto de esgotar um tema complexo de exegese profunda e divergente, o escopo do presente foca-se apenas nas hodiernas discussões doutrinárias e pretorianas sob o novo enfoque das pessoas físicas, subdividindo-as em pessoas comuns, do povo, e pessoas públicas, que carregam notoriedade; seja em razão da imagem que constituíram e pela qual se destacam na sociedade, a exemplo dos artistas, ou pela função de suma relevância exercida à frente do corpo social, como parlamentares, políticos ou representantes e dirigentes ou grupos sociais.

A divisão surgiu com o sentido de estabelecer a linha divisória do grau de suporte à invasão na esfera privada que estas pessoas notórias venham a sofrer, fixando uma redução, mas não acarretando seu total aniquilamento.

Isto significa que a novel classificação em comento distingue a margem de privacidade inviolável atinente às pessoas comuns e às pessoas públicas (notórias), sem, no entanto, afirmar com isso, a possibilidade de reparação apenas no caso de avanço ilícito sobre a margem protetória da esfera personalíssima da pessoa comum; impondo àquelas classificadas como pessoas públicas suportar o abalo experimentado em sua esfera particular, em razão do ônus inerente à sua reputação.

Ao contrário, ocorre, na realidade, uma mitigação da margem protetora, restringindo o território de privacidade, honra e intimidade das pessoas públicas, que, por assumirem esta condição, devem tolerar certos avanços em sua esfera particular, permanecendo, assim, ainda que de forma reduzida, uma esfera privada inviolável, cuja transgressão deve sempre ser punida.

Para exemplificar a dificuldade empírica de fixar um parâmetro normativo cujo regramento antecipe qual o grau de infringência na esfera íntima e privada que uma pessoa deve suportar, deparamos com o momento atual da busca da notoriedade. Destacamos a vaidade como o pecado capital da era atual.

Hoje, muitas pessoas são submetidas a verdadeiros vexames públicos e não se valem da proteção normativa da honra, uma vez que compactuaram com esse ideal em busca do “tornar-se conhecido”.

Programas de televisão expõem o dia-a-dia de cidadãos comuns, trancafiados em casas e submetidos a investidas mais íntimas de seus comportamentos, transparecendo toda sua essência humana com a única e exclusiva finalidade de transformar-se de uma pessoa comum do povo em uma pessoa notória.

A notoriedade do cidadão em tempos atuais pode representar a saciedade da vaidade ou margem de lucro e sustento da pessoa, que “vende” sua intimidade para auferir ganhos patrimoniais com essa infringência consentida de todas as outras pessoas.

A evolução dogmática do instituto de proteção à honra surgiu em função da atual realidade empírica. O direito não podia ser tão inflexível quando a própria pessoa consentia expressa ou tacitamente na interferência exterior na margem protetora de sua intimidade e privacidade.

Destarte, atualmente o direito à honra e proteção da privacidade deve ser analisado como gênero das espécies honra privada e pública ou notória, revelados na esfera pública, privada e íntima do individuo na sociedade.

Os professores Luiz Alberto David de Araújo e Vidal Serrano Nunes Jr1 destacam que a vida social do indivíduo divide-se em duas esferas: a pública e a privada. Por privacidade, de conseguinte, deve-se entender os níveis de relacionamento social que o indivíduo habitualmente mantém oculto ao público em geral, dentre eles: a vida familiar, as aventuras amorosas, o lazer e os segredos dos negócios. Assim, dentro dessa esfera teríamos demarcado o território próprio da privacidade, formado por relações marcadas pela confidencialidade.

E para classificar e definir o que seria pessoa notória e como a almejar a proteção jurídica do direito à sua privacidade, necessário o uso do standard jurídico. Segundo Limongi França, stantard jurídico é o critério básico de avaliação de certos preceitos jurídicos indefinidos, variáveis no tempo e no espaço.

Destarte, teríamos no seio social as chamadas pessoas notórias que são reconhecidas e conhecidas da classe social por sua atividade artística, política ou social.

A diferença substancial no atual cenário jurídico está em diferenciar e aplicar o direito ao caso concreto das pessoas notórias, segundo sua atividade e co-relação da situação de ofensa.

Assim, não poderia um artista reconhecido pela classe social, reclamar que fora filmado numa praia ou local público, com a namorada, sendo que inerente a sua atividade está a exploração parcial de sua vida privada.

Todavia, a exploração conforme salientado é apenas parcial e não integral. Restando a proteção absoluta da esfera íntima (no condizente a suas aflições e pensamentos) e proibindo a invasão privada no que se refere as situações ausentes de sua atividade, por exemplo, pode cobrar pela divulgação desautorizada de sua imagem, mas não reclamar abalo moral por ter sido apenas fotografado em local público.

Com isso, um político pode ser provocado quanto a sua administração frente à máquina pública, por encontrar consonância lógica entre a manifestação crítica e sua atividade pública que o torna notório.

Mas, o fato de exercer uma função pública frente ao corpo social, no caso de administrador ou parlamentar, não transfere esta notoriedade política a possibilidade de invasão gratuita a sua vida privada.

A invasão na vida privada deve apenas se relacionar com a atividade que exerce. No caso do artista a invasão fica restrita as características que apresenta (v.g. não pode um big brother reclamar que fora filmado dentro da casa vigiada por câmeras, sem roupa) e no caso dos políticos a invasão deve ficar restrita a sua relação com a máquina pública (v.g. não pode reclamar sobre a divulgação de suas propriedades privadas, umas vez que a sociedade precisa acompanhar o crescimento patrimonial durante o período de exercício político) mas encontra reparação de forma absoluta quando tem sua imagem distorcida e sobre acusações vazias que podem ocasionar um prejuízo na avaliação social de seu exercício público.

Ausente essas questões de co-relação lógica entre a atividade e a exposição pública, toda e qualquer violação a vida privada pode e deve ser reparada.

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Antonio Carlos Alves Pinto Serrano é advogado do escritório Tojal, Teixeira Ferreira, Serrano & Renault Advogados Associados

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