O uso indevido dos mecanismos de acesso à Justiça

A Lei n° 9.099/95, que dentre outras providências, criou os Juizados Especiais Cíveis, é importante instrumento para a efetivação da satisfação dos direitos dos consumidores em Juízo, em consonância com os termos do artigo 6°, VIII do Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90).

Isto porque permite, nas causas até 20 salários mínimos, que o consumidor proponha a ação independente de estar ou não assistido por advogado, não arcando com custas judiciais, ou honorários de sucumbência caso venha a ser a parte vencida no processo.

Contudo, dessa “facilitação” permitida pela Lei n° 9.099/95, decorrem dois efeitos que melhor exigem ser estudados. O primeiro passa pelo necessário reconhecimento de que nem todos têm capacidade de representação pessoal em Juízo, sem a assistência de um profissional do direito, habilitado e capacitado paga garantir a efetividade da tutela que se persegue.

Não se pode conceber que a motivação econômica do legislador justifique a exclusão do advogado como partícipe dessa atividade. Mas essa é uma discussão para outro momento.

A segunda e mais grave consequência dessa “facilitação” é que ela permite a propositura de ações que não tem por objeto a busca de uma reparação moral ou material legítima, mas sim motivadas pelo interesse do litigante de promover o seu enriquecimento sem causa.

Não sei se é possível se reconhecer a existência do tipo “litigante profissional”, pois me faltam dados estatísticos confiáveis para tal afirmação. Mas não duvido da sua existência, até porque a lei lhe permite a certeza de que não sofrerá qualquer prejuízo econômico ou sanção caso seja a parte vencida ao final da demanda que propôs (a salvo no que diz respeito a interposição de recursos).

A desvirtuação da intenção da lei por conta desses “litigantes profissionais” tem como conseqüência imediata o abarrotamento dos Juizados Especiais, que já perderam há muito a sua essência, qual seja, a de promover a rápida e eficiente distribuição da Justiça, especialmente aos mais necessitados.

Porém cumpre observar que não apenas a lei que cria os Juizados Especiais facilita o surgimento desse tipo de litigante, mas também a lei de assistência judiciária. Todos esses mecanismos legais de facilitação de acesso à Justiça são necessários e garantidores dos direitos individuais dos cidadãos brasileiros, mas é preciso reconhecer que eles têm sido desvirtuados de suas finalidades, permitindo que os litigantes de má-fé se valham do instrumento da ação para perseguir o enriquecimento sem causa, sem ônus e riscos, em detrimento da efetiva reparação de um prejuízo, de um dano, de uma ofensa moral.

Faz-se necessário, portanto, repensar essas vias de acesso à Justiça, que têm sido utilizados como meio de facilitação do enriquecimento sem causa, prejudicando àqueles que realmente necessitam da prestação jurisdicional, criando-se mecanismos mais eficientes para a constatação efetiva do grau de incapacidade do litigante de arcar com os ônus do processo, de maneira a evitar o mal uso dos relevantes e indispensáveis serviços do Poder Judiciário para a validação de uma sociedade baseada no Estado Democrático de Direito.

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Pedro Paulo Favery de Andrade Ribeiro é advogado em São Paulo

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