A vida do Direito é mudança, mudança contínua, porém às vezes os operadores do Direito, conquanto imersos numa sociedade que se modifica incessantemente, não têm consciência desse fenômeno.
Por isso, muitos juristas não se apercebem das mutações no ordenamento Jurídico, continuando a operar as normas como se elas não tivessem ocorrido.
É o que está sucedendo com a CLT, cujo texto foi baixado em 01.05.42 e que ainda sobrevive, malgrado as inúmeras alterações sofridas, o que implica em que esse diploma, hoje, pareça verdadeira colcha de retalhos.
A Jurisprudência, apesar de estar necessariamente rente à vida, nem sempre acompanha essas modificações legislativas. Quando promulgada nova Constituição, ela atua sobre as leis ordinárias preexistentes, ou recepcionando-as, ou revogando-as, de pleno direito, já que ocioso cogitar de declaração de inconstitucionalidade em face do advento de novo texto constitucional. No entanto, como essa alteração é sutil, os juristas continuam aplicando as normas anteriores como se elas não tivessem sofrido qualquer alteração.
É o que está se passando com o tema dos honorários advocatícios em sede trabalhista. A CLT nada diz a respeito, e sequer se preocupou com o assunto, uma vez que a própria parte pode reclamar pessoalmente e acompanhar as suas reclamações até o final (CLT, art. 791).
O benefício de assistência judiciária foi disciplinado, para a Justiça Laboral, pela Lei nº 5.584, de 26.06.70, que determinou fosse ela prestada pelos sindicatos, aos quais ficaram pertencendo os honorários pagos pelo vencido (Lei nº 5.584/70, art. 16). Daí formar-se jurisprudência limitativa do direito aos honorários, consubstanciada na Orientação Jurisprudencial da SDI, Subseção I de nº 305:
“Na Justiça do Trabalho, o deferimento de honorários advocatícios sujeita-se à constatação da ocorrência concomitante de dois requisitos: o benefício da justiça gratuita e a assistência por sindicato.”
Sendo a Jurisprudência, sabidamente, fonte no Direito do Trabalho (CLT, art. 8º), e não tendo sido editada nenhuma norma legislativa da matéria, é o entendimento supra que rege a questão dos honorários advocatícios, no âmbito da Justiça Laboral.
Esse entendimento não ofende os princípios do Direito do Trabalho, já que não prejudica o trabalhador, porém fere duplamente a Constituição.
Em primeiro lugar, ele maltrata o princípio da isonomia, ou da igualdade perante a lei (CF, art. 5º, caput), por isso que os advogados militantes no Foro Trabalhista ficam privados do direito aos honorários, conquanto seus colegas do Cível usufruem do mesmo.
Em segundo lugar, porque a Constituição de 1988, que restaurou o Estado de Direito, tornou inoperantes todas as normas contrárias a ela, de qualquer natureza que sejam, incrustadas no sistema anterior, por ser este o efeito que uma nova Constituição opera sobre o ordenamento jurídico vigente à data de sua promulgação, a menos que, em se tratando de leis ordinárias, ela as recepcione. A Constituição anterior desaparece, obviamente, porém as leis ordinárias continuam em vigor, caso não atritem com a nova ordenação constitucional, fenômeno este que se chama de recepção.
Ante a edição da Carta Política de 1988, todas as disposições de leis ordinárias dissonantes da nova ordem constitucional são de entender-se revogadas, de pleno direito, sendo desnecessário o procedimento de declaração de inconstitucionalidade, que seria o mesmo que chover no molhado.
No caso em comento, se a Constituição proclama que todos são iguais perante a Lei (art. 5º, cabeça) e se o advogado é indispensável à administração da Justiça (art. 133), obviamente não podem os profissionais que advogam perante a Justiça do Trabalho ser privados do direito aos honorários, apenas porque a CLT limitou esse direito, acompanhada pela jurisprudência. Lógica e juridicamente, a Lei nº 5.584/70, art. 16, e a OJ 305, da SDI (Subseção I) perderam sua eficácia, em face de sua manifesta incompatibilidade com a nova ordem constitucional.
O que determina a revogação de uma lei por outra é o critério da incompatibilidade, consoante a normação da matéria pela Lei de Introdução ao Código Civil – Decreto-Lei nº 4.657 de 04.09.42, ainda em vigor, por isso que o diploma de 2002 não foi acompanhado de lei introdutória, e a antiga LICC ainda permanece em vigor, uma vez que não apresenta nenhuma incompatibilidade com o novo código. Na verdade, a denominação dessa Lei é inadequada, porquanto ela não introduz nada quanto à codificação civil, ocupando-se em assentar princípios sobre vigência, integração e aplicação da lei, a lei no tempo e normas de Direito Internacional Privado. Trata-se propriamente, de uma lei genérica sobre aplicação da lei, ao invés de mera introdução ao Código Civil. De outra parte, inexiste qualquer incompatibilidade entre a LICC e o novo Código Civil.
De resto, lê-se na Lei de Introdução ao Código Civil, art. 2º, § 1º:
“Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava alei anterior.”
Na espécie, o Estatuto da Advocacia e da OAB – Lei nº 8.906 de 04.07.94, regulou, inteiramente, a matéria de honorários advocatícios, no capítulo VI do Título I, encimado por essa epígrafe, que se superpõe ao antigo locus da matéria, no Código de Processo Civil, que a disciplina entretecida com a questão das despesas e das multas, sem descer aos detalhes minudenciados no Estatuto.
Daí inferir-se, irrecusavelmente, que o Estatuto da Advocacia revogou qualquer outra normação anterior da matéria de honorários advocatícios, quer a do CPC, quer a da CLT, as quais não mais vigem, a toda evidência, exceto no que se amoldarem ao mencionado Estatuto.
Por via de conseqüência, assim o Juiz cível como o trabalhista deverão aplicar, ao ensejo da sentença, as normas acolitadas na Lei nº 8.906/94. Dado que essas normas são de Direito Processual, não de Direito Material, a revogação daquelas anteriores ocorreu no exato momento em que essa lei entrou em vigor, porquanto pertence às leis de caráter processual a qualidade de projetar efeitos de imediato, como é sabido.
Azado observar que o problema que vem ocorrendo na Justiça Laboral, nesse particular, não existe na Justiça Cível, malgrado seja a matéria de honorários advocatícios das mais acirradas nesta última.
Isso ocorre porque a CLT, tanto na sua estrutura como na sua redação, é muito inferior ao Código de Processo Civil, cujo Projeto foi redigido por um processualista exímio, o professor Alfredo Buzaid, catedrático da USP e filiado a chamada “Escola de São Paulo”, que assinala a estada, entre nós, do professor Enrico Túllio Liebman, cujas idéias científicas influíram, acentuadamente, sobre referido Projeto.
Assente o princípio da obrigatoriedade das regras do Estatuto da Advocacia na Justiça do Trabalho, analisemos alguns tópicos relacionados com essa questão.
Sendo o patrocínio de uma causa forense obrigação de meios, e não de resultados, isso significa que o advogado pode ajustar a paga de honorários pelo cliente na hipótese em que este perca o processo.
Essa pactuação nada tem de ilícita, porquanto exprime tão-só que o trabalho do profissional será remunerado, mesmo se perdida a causa. No contrato de prestação de serviços advocatícios, remunera-se o trabalho do profissional, que é desenvolvido qualquer que seja o deslinde da lide.
Reza a codificação processual que “os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença, nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor” (art. 23 do CPC).
A caracterização do direito aos honorários como autônomo significa que eles têm tratamento jurídico diverso do que competir à parte, podendo o causídico executar o capítulo da sentença alusivo aos honorários independentemente da execução a ser promovida pelo cliente. Esse princípio é aplicável ainda mesmo na hipótese de execução contra a Fazenda Pública, consoante o disposto no art. 100 da Constituição.
A transação acaso feita pela parte com o adversário, após sentença, sem aquiescência do seu advogado, será ineficaz quanto aos honorários, uma vez que, em relação a este, a parte não tem poder de dispor. A sentença serve de marco ao surgimento do direito aos honorários porque nela é que se define a sucumbência.
Em conclusão: na Justiça Laboral existe lídimo direito do advogado da parte vencedora aos honorários da sucumbência (e também aos contratados, se for o caso), mercê da aplicação dos dispositivos do Estatuto da OAB que incidem à espécie. Essa incidência resulta dos princípios que regem a lei no tempo, albergados na LICC – Decreto-Lei nº 4.657 de 04.09.42, diploma este não revogado, mesmo após a entrada em vigor do novo Código Civil.
Chegou-se a esse resultado em vista da análise do Direito Positivo na sua íntegra, e não por segmentos, conforme se faz habitualmente. O Direito é ciência, e exatamente por sê-lo, só pode ser compreendido e aplicado visualizando-se-o em sua inteireza, de vez que, como ensina o pensamento filosófico, “não há ciência, a não ser do geral”.