Nos países de tradição romanística, como é o caso do Brasil, formularam-se duas teorias com o propósito de definir o âmbito de incidência do direito comercial ou empresarial: a francesa ou teoria dos atos de comércio, cujo nascimento se deu com a entrada em vigor do Code de Commerce ou Código Mercantil de Napoleão, em 1808; e a italiana ou teoria da empresa, surgida quando da aprovação do Codice Civile, em 1942, pelo Rei Vittorio Emanuele III.
O direito brasileiro, num primeiro momento, filiou-se à teoria francesa, pela qual comerciante era apenas aquele que praticava determinados atos listados em lei (os chamados atos de comércio), como pode ser observado no Código Comercial de 1850 e no Regulamento nº 737, editado no mesmo ano.
Com o advento do Código Civil de 2002, porém, adotou-se definitivamente no Brasil a teoria da empresa; e comerciante, agora denominado empresário (empresário individual, no caso de pessoa física, e sociedade empresária, no caso de pessoa jurídica), deixou de ser aquele que praticava os ditos atos de comércio, para passar a ser o que profissionalmente exercesse empresa, isto é, atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, ressalvadas as exceções legais.
Com efeito, estabelecem o artigo 966 e seu parágrafo único do Novo Código Civil que:
Artigo 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
Assim, todos que exerciam atividade com as características elencadas acima, mas que não eram empresários à luz da legislação anterior, porque sua atividade não se enquadrava como ato de comércio, passaram a sê-lo com a entrada em vigor da nova lei civil.
Conseqüentemente, sua disciplina passou, também, a ser a de direito comercial, e não mais a de direito civil, motivo pelo qual determina o código, no artigo 2.031, que os novos empresários deverão adequar-se às disposições da nova lei até 11 de janeiro de 2007.
Esse “adequar-se” significa, grosso modo, registrar-se como empresário na Junta Comercial, ajustar o contrato social às novas regras e proceder à devida regularização nos órgãos públicos competentes.
As sociedades empresárias que não atenderem a tais exigências no prazo estipulado pela lei já passam, a partir do dia 12 de janeiro de 2007, a suportar os efeitos da irregularidade.
Como ensina a melhor doutrina, sociedade irregular ou de fato, também chamada pelo atual código de sociedade em comum, é aquela que funciona sem o devido registro e que, por isto, deve arcar com as conseqüências de sua situação irregular.
Eis as conseqüências sob o ponto de vista do Código Civil:
a) Os sócios somente poderão provar a existência da sociedade, nas relações entre si ou com terceiros, por meio de documento escrito, mas os terceiros poderão prová-la de qualquer modo;
b) Os bens e dívidas sociais passam a ser encarados como uma espécie de patrimônio especial, distinto do dos sócios e do qual estes são titulares em comum, ou seja, em condomínio;
c) Os bens sociais responderão pelos atos de gestão praticados por qualquer dos sócios, salvo se houver pacto expresso que limite os poderes a eles concedidos, o qual somente terá eficácia contra o terceiro que o conheça ou deva conhecer;
d) Todos os sócios passam a responder solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem aquele que contratou pela sociedade.
“Responder solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais”, talvez a maior e principal conseqüência da irregularidade, significa que cada sócio responde com seu patrimônio pessoal pelo pagamento integral da dívida contraída em nome da sociedade; ou, em outras palavras, que o credor tem o direito de cobrá-la, no todo ou em parte, de um, alguns ou todos os sócios devedores a seu exclusivo critério.
De acordo com a legislação civil em vigor, o sócio ou os sócios que pagarem por inteiro a dívida comum poderão exercitar contra os demais o chamado direito de regresso, que consiste na possibilidade de exigirem de cada um dos sócios devedores a sua respectiva quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se houver, e presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os sócios.
Observe-se que o sócio que contratou pela sociedade, apresentando-se como seu representante, responde diretamente pelas obrigações sociais, ou seja, sem que antes estejam esgotados os bens da sociedade. Daí porque diz a lei estar “excluído do benefício de ordem”, conforme mencionado acima.
Os demais sócios, por outro lado, tem responsabilidade subsidiária, no sentido de que somente poderão responder caso aqueles bens não forem suficientes à quitação do débito.
Como visto acima, porém, a responsabilidade, tanto do sócio que contratou pela sociedade como dos demais, é solidária e ilimitada, com a diferença de que o primeiro responde juntamente com a sociedade, pois que excluído do benefício de ordem (responsabilidade direta), e os segundos somente no caso de os bens sociais não serem suficientes para o pagamento integral da dívida (responsabilidade subsidiária).
E os efeitos perniciosos da falta de regular registro não param por aí.
Estando em situação irregular, a sociedade, enquanto perdurar tal situação, não poderá pedir a falência de outro empresário ou requerer o processamento de sua recuperação judicial no caso de necessitar, conforme dispõem, respectivamente, os artigos 97, parágrafo 1º, e 48, caput, da Lei nº 11.101, de 9 de novembro de 2005 (Nova Lei de Falências).
O status de irregular a impede, ainda, de negociar e operar com instituições financeiras, participar de licitações e, posteriormente, contratar com a administração pública, enfim, praticar uma série de atos que são imprescindíveis ao quotidiano e bom andamento da atividade de qualquer empresário.
Além dessa sanção existem outras de natureza fiscal e administrativa, como implicações na inscrição da sociedade no CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas) e nos cadastros estaduais e municipais, bem assim na matrícula do empresário perante o INSS (Instituto Nacional da Seguridade Social), podendo, assim, dar ensejo à cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação tributária instrumental.
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Tomaz Henrique Lopes é graduado em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e advogado da área societária do escritório Kanamaru e Crescenti Advogados & Consultores