Os créditos de ICMS, utilizados na compensação com o débito do imposto decorrente da saída de mercadorias ou serviços do estabelecimento, sempre foram tema de constante discussão entre os Fiscos estaduais e os contribuintes.
Efetivamente, à medida que o contribuinte possui mais créditos do imposto, menor será o valor que terá a recolher aos cofres públicos, já que o ICMS é um imposto que pretende incidir somente sobre o valor agregado das operações de circulação de mercadorias e serviços.
Assim, se de um lado o contribuinte pretende ter direito ao crédito em todas as suas aquisições, o Fisco pretende limitar esse direito, evitando, dessa forma, a queda da arrecadação tributária.
Essa constante guerra entre fisco e contribuinte foi fomentada pela promulgação da Constituição Federal de 1988, que atribuiu nova redação ao chamado princípio da não-cumulatividade do ICMS. Com efeito, antes de 1988, era pacífico o entendimento de que os créditos de ICMS deveriam obedecer ao sistema físico (o chamado sistema “mercadoria versus mercadoria”), que consiste em permitir ao contribuinte creditar-se do imposto incidente nas operações anteriores, desde que essa aquisição esteja ligada diretamente ao seu processo produtivo ou de comercialização. Assim, por exemplo, a aquisição de insumos para a produção daria direito a créditos de ICMS, ao passo que a compra de materiais de escritório não o faria.
A partir de 1988, em razão da redação do artigo 155, parágrafo 2º, inciso I, da Constituição Federal —que trata do princípio da não-cumulatividade do ICMS—, o entendimento de vários juristas de renome e de parte dos Tribunais foi alterado, adotando, agora, a teoria de que o ICMS estaria submetido ao sistema financeiro (conhecido por sistema “imposto versus imposto”).
Nesse sistema, não importaria a origem da aquisição ou a destinação que seria dada àquele produto ou serviço adquirido. Importava, sim, que fosse ele tributado pelo ICMS nas operações anteriores, o que daria o direito ao crédito do imposto pelo contribuinte adquirente.
A diferença é substancial. Se por um sistema (o físico), somente insumos, serviços ou demais aquisições que estiverem ligadas diretamente ao processo produtivo ou de comercialização dariam direito a crédito de ICMS (desde que, evidentemente, fossem tributados pelo imposto em etapas anteriores), pelo sistema financeiro, todo e qualquer produto, mercadoria ou serviço tributado nas etapas anteriores pelo ICMS dariam o direito, quando de sua aquisição pelo contribuinte, ao crédito do imposto.
É importante lembrar que não é qualquer pessoa (física ou jurídica) que pode creditar-se de ICMS. A premissa básica para a compreensão dos sistemas físico e financeiro de créditos do imposto é de que eles se aplicam somente a quem tem o direito de creditar-se do ICMS, os chamados “contribuintes de ICMS” (regra geral, pessoas jurídicas industriais, comerciais ou prestadores de serviços de transporte interestadual ou intermunicipal e prestadores de serviços de comunicação).
A criação da teoria do sistema financeiro de créditos de ICMS, embora defendida ferrenhamente por grandes nomes do mundo jurídico-tributário, nunca foi aceita pelos Fiscos Estaduais, que mantiveram o entendimento no sentido de que o crédito somente é possível na aquisição de produtos ou serviços que venham a compor diretamente o processo produtivo ou de comercialização, nos moldes como sempre funcionou o princípio da não-cumulatividade do imposto.
Numa clara tentativa de apaziguar as discussões, a Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/96), exercendo sua competência para regular, em âmbito infraconstitucional, o princípio da não-cumulatividade do ICMS, previu o direito ao crédito de ICMS na aquisição de ativos imobilizados, desde que ligados ao processo produtivo ou de comercialização, permitindo-o, todavia, em parcelas de 1/48.
Ou seja, o crédito na aquisição de ativo imobilizado se daria somente em certas ocasiões (quando esse ativo estivesse ligado diretamente ao processo produtivo ou de comercialização) e, ainda assim, em quarenta e oito parcelas mensais.
A Lei Complementar nº 87/96 previu, também, o direito ao crédito do ICMS na aquisição de materiais de uso e consumo do próprio estabelecimento, assim considerados aqueles produtos ou mercadorias que não estão ligados, ao menos diretamente, ao processo produtivo e de comercialização, e que possuem como consumidores finais os próprios contribuintes de ICMS que o adquirem. Exemplo disso são os materiais de escritório, de limpeza, de manutenção, dentre outros.
Todavia, no que atina aos materiais de uso e consumo, a Lei Kandir postergou, inicialmente, o direito ao crédito em suas aquisições para o dia 1º de janeiro de 2000. Em 1999 —antes, portanto, que o direito àqueles créditos passasse a valer—, foi editada a Lei Complementar nº 99, que postergou novamente o direito aos créditos para 1º de janeiro de 2003. Em 2002, em razão das pressões dos governos estaduais, foi editada a Lei Complementar nº 114/2002, que adiou aquele direito para janeiro de 2007.
Novamente, no final de 2006, foi editada a Lei Complementar nº 122, que passa a permitir os créditos na aquisição de materiais de uso e consumo somente a partir de 1º de janeiro de 2011. Ou seja, o direito ao creditamento nas aquisições de materiais que são consumidos e utilizados pelo próprio estabelecimento —que, para alguns juristas, vale desde a edição da Constituição de 1988— vem sendo postergado de tal maneira que tem se tornando letra morta.
A temida queda da arrecadação tributária dos Estados que seria proporcionada pelo exercício desse direito não permite a equalização da situação desses créditos.
Efetivamente, a posição legislativa adotada desde a edição da Lei Kandir causa mais confusões que soluções à questão, já que persiste a dúvida quanto à extensão do direito aos créditos de ICMS na aquisição dos materiais de uso e consumo. Afinal, muito embora a Lei autorize os créditos, ela o faz com data pré-fixada, que vem sendo constantemente adiada.
É importante lembrar que, muito embora vários juristas insistam na tese do crédito financeiro, o que permitiria o creditamento independentemente de autorização legal, os Tribunais (notadamente os administrativos, como Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo) têm mantido entendimento no sentido de o crédito ter natureza física, dependendo, assim, de autorização legal para poder ser exercido.
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Leonardo Lima Cordeiro é especialista em direito tributário pela PUC-SP, professor de legislação e planejamento tributário do Centro Universitário Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado) e advogado da área tributária do escritório Kanamaru e Crescenti Advogados & Consultores