No ano de 1998 entrou em vigor a Lei 9.610 dispondo sobre direitos de autor. Com o propósito de regular, proteger e também limitar o direito sobre criações intelectuais do indivíduo, a lei traçou inúmeras regras intentando harmonizar a questão.
Aqui trataremos especificamente da proteção e limitação de direito de autor no que se refere a reprografia de obra bibliográfica.
Dispõe o artigo 46 em seu inciso II da Lei 9.610/98: “não constitui ofensa aos direitos autorais (…) a reprodução, em um só exemplar, de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro”.
De um lado temos o legítimo direito de autor previsto e protegido pela lei. De outro temos o acesso à cultura e educação dos cidadãos também observados pelo legislador infraconstitucional no momento em que traz certa limitação ao direito do primeiro.
A fim de termos uma visão completa sobre o tema lembremos que a constituição Federal consagra no artigo 5º, inciso XXVII, a proteção ao direito de autor e, por outro lado, no inciso XIV, “assegura a todos o acesso a informação”; estabelece no inciso XXIII que “a propriedade atenderá sua função social”.
No artigo 205, estabelece que “a educação é um direito de todos e um dever do Estado e da família”; no artigo 206, inciso II, garante aos cidadãos a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar pensamento, a arte e o saber”.
No artigo 208, inciso V, estabelece a garantia ao cidadão de ter “acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”.
Veja-se que temos uma série de normas constitucionais e infraconstitucionais que fomentam e apóiam o interesse coletivo da educação. E, em confronto com o direito de autor, não obstante a sua legitimidade, certo é que deve prevalecer o incentivo à formação educacional e cultural dos cidadãos brasileiros, haja vista, serem estes pilares fundamentais para construção de uma sociedade justa e igualitária.
A questão é que na prática o direito ao acesso a cultura e educação dependente de reprodução bibliográfica — dentro dos limites legais — pode ser mitigado deixando impedido o cidadão de exercê-lo.
Explicando o problema e o fazendo sob a força irresistível dos raciocínios lógicos, extraímos do permissivo legal do artigo 46 (na parte em que diz “desde que feita por este”) que é necessário que cada cidadão, cada estudante que necessite obter cópias de obra bibliográfica tenha que possuir uma “maquina de xerox” em casa para proceder a seu intento.
Haja vista que, se um terceiro o fizer e cobrar pelo serviço estará excluído do permissivo legal e, portanto, estará cometendo crime de violação de direito de autor previsto no artigo 184 e parágrafos do Código Penal.
Como a primeira solução é inviável para muitos — ter uma máquina de xerox em casa — o que vem ocorrendo é que alguns estabelecimentos comerciais “as copiadoras” estão clandestinamente extraindo cópias de pequenos trechos de livros aos estudantes sem expressa autorização de autor e cobrando, obviamente pelo serviço prestado.
Há, portanto a violação de direito autoral uma vez que existe aferição de lucro por parte da copiadora prestadora de serviço e, esta não poderia comportar-se diferente, visto que, sua constituição possui na essência como negócio que é, a exploração de lucro.
É desse ponto que seguimos e apresentamos o seguinte questionamento: A lei possui eficácia na parte em que trata da permissão de extração de copias de pequenos trechos por parte do copista?
A resposta, ao nosso ver é negativa. Em verdade ela dificulta o acesso à cultura e educação uma vez que exige que o próprio copista disponha de meios técnicos para extração de cópias de pequenos trechos de obra bibliográfica (desde que feita por este).
Desse modo, a lei acaba por fomentar o mercado ilícito de extração de cópias por parte de algumas copiadoras.
Nos cursos universitários, por exemplo, é prática antiga professores exigirem dos alunos leituras parciais – de um ou outro capitulo – de livro. É sabido que a maioria dos estudantes brasileiros não possuem condições financeiras para comprar todos os livros que são exigidos para um curso universitário, em verdade mal conseguem pagar as caríssimas mensalidades.
Daí nasce a prática de extração de cópias de pequenos trechos de livros como meio para acesso a cultura e educação.
Diante dessa pratica inexorável, o que se propõe é a reavaliação da questão com a conseqüente apresentação de uma solução para o impasse de modo a permitir a materialização do direito de cópia por parte do estudante sem ferir o direito de autor.
De nossa parte confessamos nossa limitação no que se refere a apresentação de uma solução eficaz. Pensamos rapidamente, por exemplo, na criação de meios para cobrar direitos autorais proporcionais ao pequeno trecho copiado pelas copiadoras.
Ou seja, alguma maneira que permitisse ao estabelecimento comercial proceder à extração de cópia de pequenos trechos de qualquer obra bibliográfica independente da data de publicação do livro, desde que fosse possível recolher do valor cobrado pelo serviço, parcela referente aos direitos autorais.
Fica aqui a sugestão para ser amadurecida e quem sabe encontrarmos uma solução para essa questão de extrema importância ao nosso país.
Bibliografia:
1. ASCENÇAO, José de Oliveira. “Direito Autoral”. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1a Edição.
2. BITTAR, Carlos Alberto. “Direito de Autor”. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2ª edição.
3. PIMENTA, Eduardo e PIMENTA, Rui Caldas. “Dos Crimes Contra a Propriedade Intelectual”. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2ª Edição.
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Rogério Neres de Sousa: é advogado e professor de Direito Penal