O marketing de incentivo surgiu como forma de adequar as empresas às características atuais do mercado, proporcionando aumento da produção através do estímulo de funcionários e integração de equipes, acirrando a competitividade.
Consiste, em linhas gerais, na premiação de funcionários que venham a atingir determinado resultado, previamente estabelecido, de relevância para o desenvolvimento de atividades promovidas pela empresa. Poderá ser utilizado, verbi gratia, para o lançamento de uma nova linha de produtos ou para o alcance de metas internas da empresa.
Do ponto de vista jurídico, diversas questões foram levantadas com o intuito de conceituar a natureza deste fenômeno. A preocupação não é meramente teórica. Tão logo se verificou a ampla difusão do marketing de incentivo, houve quem defendesse a paga da premiação como tendo natureza salarial e, portanto, servindo de base para os diversos encargos previstos na legislação trabalhista.
A conceituação da premiação como salário levou, ainda, o Instituto Nacional de Seguro Social, INSS, a considerá-la como parcela integrante do salário de contribuição e, portanto, sujeita à incidência de contribuições sociais, passando, de forma incauta, a autuar empresas a fim de indevidamente constituir crédito tributário nesse sentido.
Contudo, a atuação do instituto deu-se na contramão do desenvolvimento mercadológico e, mormente, ao arrepio da legislação pertinente.
O marketing de incentivo não possui regulamentação específica na legislação pátria. Não obstante, é perfeitamente possível enquadrá-lo dentro dos institutos já previstos, mais precisamente no conceito de promessa de recompensa, disposto nos artigos 854 e seguintes do Código Civil.
Tem-se pela definição legal que “aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar, ou gratificar, a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai obrigação de cumprir o prometido” (artigo 854 do Código Civil).
O instituto representa espécie que tem por gênero a obrigação unilateral de vontade, de sorte que a natureza obrigacional decorre, não da manifesta vontade de ambas as partes, regra geral para o nascimento das relações de trabalho, mas do interesse social no cumprimento do que foi prometido por quem armou tal concurso, desde que cumpridas as condições regulamentares em que este deveria se desenvolver.
É a lei, portanto, que substitui a vontade de um dos pólos da relação, impondo o adimplemento do pagamento da recompensa, ainda que, quando tenha sido executado o estipulado, não tenha o destinatário feito com a intenção de receber o prêmio (artigo 855 do Código Civil).
Contudo, alguns elementos mínimos devem ser verificados para que o instituto não seja desvirtuado.
Inicialmente, deve-se observar rigorosamente o regulamento que institua o plano de incentivo, que, ademais, será responsável por constituir objeto de um direito subjetivo dos indivíduos perante a empresa.
O programa deve, ainda, obedecer à publicidade adequada de todos os termos da campanha e do seu resultado para que a promoção se torne conhecida, bem como os critérios que a compõem.
Somente com a fixação de parâmetros claramente definidos e do mais amplo acesso de todos os possíveis participantes às regras adrede estipuladas será possível a caracterização da verdadeira natureza, desvinculada do conceito de remuneração.
São, portanto, elementos mínimos comuns às diversas campanhas: a) público-alvo; b) condição; c) termo; d) premiação.
A seleção do grupo deve estar baseada exclusivamente em critérios objetivos, relevantes para o funcionamento da campanha, que prestigiem as finalidades pretendidas com a implantação do programa.
A condição, critério a ser nitidamente especificado na campanha, lhe confere caráter condicional, aperfeiçoando-se o negócio jurídico somente quando preenchidos os parâmetros específicos, divulgados previamente na campanha.
Tem-se, ainda, que a proposta de atuação encontra-se demarcada pela sua natureza excepcional, de sorte que o programa de incentivo deve ter duração limitada e periodicidade eventual.
Trata-se, deste modo, de sazonal situação com fixação de prazos para que os interessados manifestem sua intenção de participar da disputa, bem como mediante estipulação do momento em que será considerada implementada a condição.
Na mesma esteira, conceituando o marketing de incentivo como promessa de recompensa, verifica-se sua exclusão da incidência de contribuições sociais, o que deveria inibir autuações por parte do INSS nesse sentido.
Deveras, o tipo tributário, como tipo fechado, deve ter todos os seus critérios traçados em lei, para que, verificada a conduta no plano fenomênico que perfeitamente se ajuste aos seus termos, nasça relação jurídica através da qual o sujeito ativo seja titular da pretensão de exigir prestação pecuniária de outrem.
Sublinhe-se que a lei que cuida do plano de custeio de previdência social, Lei 8.212/91, não previu o prêmio ofertado pelos programas de incentivo como base de incidência da contribuição social, nem tampouco elegeu aquele que seria o sujeito passivo de eventual relação tributária, na hipótese em debate.
Temos, pois, que o marketing de incentivo possui características próprias e distintas do conceito de remuneração previsto na legislação trabalhista, por se tratar de promessa de recompensa de natureza excepcional e que será facultativamente implementada pelo funcionário. Como corolário da desnaturação da natureza salarial do prêmio, é descabida sua caracterização como base de incidência de contribuições sociais, inclusive pela ausência de tipo legal que preveja os critérios necessários para que surja essa relação tributária.
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Wagner Balera: é advogado especialista em Direito Previdenciário e professor titular na Faculdade de Direito da PUC-SP.
Luis Rodrigues Kerbauy: é especialista em Processo Civil pela PUC/Cogeae, mestrando em Direito Previdenciário pela PUC-SP e advogado da Balera, Gueller, Portanova Advogados Associados.