É preciso ficar atento a algumas decisões que versam sobre os precatórios, especialmente devidos a credores de ações trabalhistas, na maioria servidores públicos ou aposentados. Neste sentido, convém alertar sobre como algumas resoluções vão reduzir os juros dessas dívidas trabalhistas dos entes governamentais, pela metade, criando, inclusive, uma distinção entre os trabalhadores do setor público, que têm juros de mora de 0,5% ao mês, e do privado, que tem o dobro: 1%.
Não é de hoje que decisões dos tribunais superiores do país, especificamente do TST e do STF, devem deixar indignados tanto credores dessas ações trabalhistas como operadores do direito do trabalho (desembargadores, juizes, advogados).
Vejamos como uma delas afeta a ambos: o governo federal, por meio da MP 2180/35 de 24/08/01 introduziu na Lei 9.494, o artigo 1º, cuja redação expressa: “Artigo 1 — E. São passíveis de revisão, pelo presidente do tribunal, de ofício ou a requerimento das partes, as contas elaboradas para aferir o valor dos precatórios antes de seu pagamento ao credor”.
Dessa forma, os presidentes de tribunais, passaram a dispor do poder de revisar todos os precatórios emitidos contra os órgãos governamentais da União, Distrito Federal, Estados, municípios, suas autarquias e fundações.
Se por um lado, esse dispositivo ajuda a equilibrar distorções, já que, como é sabido, inúmeros precatórios têm seus valores inflados com quantias absurdas, que nem sempre correspondem á realidade das sentenças proferidas. Por outro, há que se atentar aos “complementos”.
Ora, a mesma MP introduziu, também, o artigo 1º — F, na Lei 9.494/97, cujo texto determina que “os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano” (grifo do autor).
Ao ler atentamente a parte grifada do dispositivo final do artigo acima reproduzido, notamos que a critério do juiz da ação, os juros poderão ser fixados de zero até 6% a.a, desde que não ultrapasse o percentual de 6% a.a.
Na prática, isso significa que o governo, na pior das hipóteses, conseguiu reduzir, pela metade, o montante de juros devidos aos reclamantes nas ações que tiveram a sentença final após 24 de agosto de 2001, isso porque, mesmo nas sentenças transitadas em julgado, cujos juros foram fixados em 1% a.m, antes ou após a edição da MP, estão sendo revistas pelos presidentes dos tribunais.
O colendo Tribunal Pleno do TST (Tribunal Superior do Trabalho), reiteradamente, tem decidido pelos juros de 0,5% ao mês, em detrimento ao previsto na Lei 8.177/91, na qual os juros de mora são devidos à razão de 1% ao mês. Além disso, determinam a redução dos juros de mora dos precatórios em aberto, conforme previsto no artigo 1º. E, de 1% para 0,5% ao mês, para o período posterior à data de 24 de agosto de 2001.
Esse também é o entendimento do Pleno do STF, que em 28 de fevereiro de 2007, no julgamento do RE 453.740-RJ, declarou a constitucionalidade do artigo 1º —F da Lei 9.494/97, introduzido pela M.P 2.180/35 de 24 de agosto de 2001. “Nesse RE, a Fazenda Nacional recorreu contra acórdão da Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro, que a condenou a pagar para servidor público aposentado, de uma só vez, verbas remuneratórias a ele devidas, acrescidas de juros de mora de 1% ao mês”.
Vale lembrar que nas ações trabalhistas, até o advento das normas acima citadas, todas as sentenças condenavam os devedores ao pagamento de juros moratórios de 1% ao mês, independentemente de quem fosse o devedor um empregador público ou privado.
Ora, a indignação dos credores e de muitos operadores do direito deve-se ao fato das normas citadas beneficiarem apenas o devedor público em detrimento do devedor privado. Assim, apenas os devedores da iniciativa privada é que estão sujeitos aos juros de 1% ao mês.
Além disso, a Justiça do Trabalho dispõe de diversos recursos para obrigar o devedor privado a saldar seus débitos trabalhistas, entre os quais o bloqueio de contas bancárias e até a penhora de bens móveis e imóveis, que inclusive são levados a leilão, caso o valor não seja liquidado.
Em contra partida, o devedor público além de não poder ter bens penhorados, pois os bens públicos são indisponíveis, passará a pagar no máximo 6% ao ano, e ainda se valendo dos benefícios previstos na Constituição Federal, quais sejam: liquidação do débito apenas após o processo de emissão de precatório e da isenção de juros por um período de 18 meses (RE 298.616/SP —STF).
Isso acontece porque por determinação legal, os precatórios emitidos até o dia 1º de julho de 2005 deveriam ser pagos no máximo até 31 de dezembro de 2006. Esse procedimento é necessário porque os devedores públicos não podem efetuar pagamentos de dívidas judiciais sem que haja previsão orçamentária para tanto, e tendo prazo legal previsto para pagamento, não estão sujeitos à incidência dos juros de mora.
Portanto, é bom lembrar que existe um risco para os credores de ações trabalhistas movidas contra entes governamentais, já que os mesmos podem ser incentivados ao não pagamento destes débitos, uma vez que além de não sofrerem nenhum tipo de sansão, concluirão que os juros são muito mais baratos que os praticados pelo mercado e menos trabalhoso para serem obtidos.
Para dimensionarmos o valor da perda dos credores destes tipos de ações, tomemos como exemplo um precatório alimentar com vencimento para 31 de dezembro de 2000, cujos valores homologados em 30 de abril de 1999 fossem de R$ 100 mil, divididos em R$ 50 mil de principal e R$ 50 mil de juros de mora.
A perda representaria 51%, já que, pelo procedimento anterior à MP 2.180/35 e ao julgamento do RE 453.740/RJ (STF), o montante de juros de mora devidos em continuação aos cálculos homologados seria de 94% aplicados à razão de 1% por 94 meses, o que resultaria no valor de R$ 47 mil.
Após a edição da MP 2.180/35 e do julgamento do RE 453.740/RJ (STF), o total de juros devidos ficou reduzido a 43%, sendo 2% contados de 1º de maio de 1999 à 30 de junho de 1999 (dois meses x 1% ao mês); 0%, de 1º de julho de 1999 à 31 de dezembro de 2000 (18 meses x 0% ao mês); 8%, de 1º de janeiro de 2001 à 30 de agosto de 2001 (oito meses x 1% ao mês) e de 33%, de 1º de setembro de 2001 á 28 de fevereiro 2007 (66 meses x 0,5% ao mês).
Pelo procedimento atual, considerado os mesmos termos do exemplo, o montante de juros de mora devido em continuação aos cálculos homologados será R$ 21,5 mil. Em conseqüência, o credor de precatório alimentar no exemplo citado, perderá 51% de juros de mora em continuação, o que representaria R$ 25,5 mil.
É claro que estamos falando apenas dos prejuízos mensuráveis de imediato, cuja dívida foi drasticamente reduzida pelas normas citadas. Imaginem o valor dos prejuízos causados aos credores de ações trabalhistas contra os entes governamentais, julgadas após 24 de agosto de 2001.
Se considerarmos que o valor devido em precatórios alimentares vencidos e não pagos totalizam algo em torno de R$ 30 bilhões, composto de R$ 15 bilhões de principal e R$ 15 bilhões de juros. Logo, com a redução de 51% sobre o principal de R$ 15 bilhões, o governo conseguiu diminuir sua dívida em aproximadamente R$ 7,5 bilhões, sem pagar um único centavo, apenas com a MP 2.180/35; RE 298.616/SP e RE 453.740/RJ —ambos do STF.
Bem, e para quem achava, depois dessas decisões, que não faltava mais nada para prejudicar os credores das esferas do governo, lamento informar que esta saindo do forno, no Congresso Nacional, mais uma medida casuística para piorar em muito a situação dos credores de precatórios. Trata-se da PEC 12/06 que oportunamente falaremos a respeito.
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Juarez Lopes dos Santos é perito em cálculos judiciais, especializado em precatórios