Execução dos Títulos Extrajudiciais; Lei nº 11.382/2006.

1. Tendo em vista a nova sistemática de execução dos títulos extrajudiciais (CPC, Livro II), decorrente da Lei nº 11.382/06 (em vigor a partir de 22.01.07), passemos a acompanhar os trâmites de execução para cobrança de crédito em quantia certa, consubstanciado em título executivo não sentencial.

Pelo sistema pretérito, apresentando o título executivo extrajudicial, ao credor cabia requerer a citação do devedor para pagar no prazo de 24 horas, “ou nomear bens à penhora”; não pagando nesse exíguo prazo, nem fazendo nomeação válida, ao oficial de justiça o dever de penhorar os bens que encontrasse, quantos suficientes para o pagamento do principal, juros, custas e honorários de advogado (arts. 652 e 659, anterior redação).

1.1. A Lei nº 11.382 nesta matéria muito inovou. Assim, a citação do devedor, agora, é apenas para efetuar o pagamento da dívida, num prazo mais razoável de três dias. Desapareceu, como melhor será explicitado, o instituto da “nomeação de bens à penhora” pelo devedor, origem de tantas demoras e questionamentos.

Na petição inicial da ação de execução, o credor já poderá indicar bens a serem penhorados (art. 652, § 2º), observada na medida do possível a ordem de preferências do art. 655, bem como pedirá ao juiz que, ao despachar a inicial, fixe, de plano, os honorários de advogado a serem pagos pelo executado (art. 652-A; art. 20, § 4º).

1.2. O mandado inicial, a ser expedido em duas vias, passou a ser mandado de citação, penhora e avaliação. Munido da “primeira via” do mandado, o meirinho providenciará a citação do devedor. Efetuado em tempo hábil o devido pagamento, quer diretamente ao credor, quer mediante depósito em juízo, o juiz proferirá sentença dando por findo o processo (arts. 794, I e 795); aliás, neste caso – como incentivo ao pronto pagamento e igualmente considerando o reduzido trabalho do procurador -, é prevista a redução por metade da verba honorária (art. 652-A, parágrafo único).

Por que o mandado deve ser expedido em duas vias? Simplesmente porque é da juntada aos autos do mandado de “citação”, devidamente cumprido, que, em não sendo pago o débito, passa a correr o prazo de 15 dias (não mais 10 dias) para o ajuizamento dos embargos do devedor (no processo de execução por título extrajudicial, tais embargos mantém-se como “ação” autônoma), que em princípio não mais dependem da segurança do juízo (arts. 736 e 738) e de regra não terão efeito suspensivo (art. 739-A).

1.3. Anotemos aqui uma interessante inovação, a bem da moralidade dos negócios e da eficiência do processo: no ato da distribuição da ação de execução, o exeqüente poderá obter uma certidão comprobatória do ajuizamento, a fim de que seja de imediato averbada nos registros públicos de imóveis ou veículos; daí em avante presume-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens que o devedor venha a efetuar (art. 615-A e §§). Tais averbações serão canceladas após efetuada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida (art. 615-A, § 2º).

2. Caso não efetuado o pagamento, a “primeira via” do mandado é juntada aos autos; assim, será munido da “segunda via” que o oficial de justiça providenciará na penhora e na imediata avaliação de suficientes bens do devedor.

Que bens? De regra, os indicados pelo credor; caso não haja indicação, penhorará os bens que encontrar, com observância da gradação legal (art. 655); caso não sejam encontrados bens penhoráveis, o oficial o certificará e o juiz poderá, de ofício ou a requerimento do credor, determinar a intimação do executado (na pessoa de seu advogado, ou pessoalmente se não constituído procurador) para indicar bens.

A indicação de tais bens, do local onde se encontram e seu presumível valor, constitui “obrigação” do executado, sendo considerado como “atentatória à dignidade da justiça” a conduta do devedor que, intimado, não indica ao juiz quais são, onde se encontram e quanto valem seus bens penhoráveis (art. 600, IV). O juiz fixará prazo para a prestação das informações (art. 656, § 1º); não o fazendo, incidirá o prazo de 5 dias previsto no art. 600, IV. 1

No alusivo à ordem “preferencial” para a indicação dos bens a serem objeto da penhora, o art. 655 mereceu algumas modificações. Assim, o primeiro bem a ser objeto de penhora continua a ser o dinheiro, mas agora com a explicitação, de grande alcance prático, “dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira”. Eventuais dúvidas relacionadas com o sigilo bancário são ilididas pelas normas do art. 655-A e §§ 1º e 2º, que regulamentam a prestação de informações pelos bancos e a indisponibilidade dos depósitos do devedor até o valor indicado na execução.

A norma legal inovou, e o fez para afastar reservas jurisprudenciais, ao dispor expressamente sobre a penhora em “percentual do faturamento de empresa devedora”, com o respectivo procedimento regulamentado pelo art. 655-A, § 3º (nomeação de depositário, prestação mensal de contas etc.).

A penhora de “títulos da dívida pública” supõe que tais títulos tenham “cotação em mercado” 2, e assim também os “títulos e valores mobiliários” em geral. É expressamente permitida, outrossim, a penhora de ações e quotas de sociedades empresárias.

A Lei nº 11.382/06 resolveu antiga divergência jurisprudencial, no tocante ao resguardo da meação do cônjuge não-devedor, ao dispor que “tratando-se de penhora em bem indivisível, a meação do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem” (art. 655-B). Esta solução, preconizada por Sálvio de Figueiredo Teixeira, atende às realidades do mercado, pois ninguém terá interesse em adquirir, por preço razoável, apenas a metade ideal em bem indivisível, com as conseqüentes dificuldades em usufrui-la ou passá-la adiante.

3. Quanto aos bens impenhoráveis, o art. 649, em sua nova redação, afastou hipóteses de todo incompatíveis com os tempos atuais, tais como a impenhorabilidade das “provisões de alimentos e de combustível, necessárias à manutenção do devedor e de sua família durante um mês”. Foram ainda expungidas outras previsões anacrônicas, tais como a impenhorabilidade das “tenças” (pensões em retribuição a serviços prestados a poderosos) e dos “retratos de família”.

Em compensação, a lei passou a prever a impenhorabilidade dos móveis e pertences que guarneçam a residência do executado e bem assim dos vestuários e dos pertences de uso pessoal do executado, salvo, em ambos os casos, se de elevado valor (art. 649, II e III). Foi, além disso, incluída a impenhorabilidade dos depósitos em caderneta de poupança até o limite de 40 salários mínimos (art. 649, X).

Neste passo foram lamentavelmente opostos dois vetos. O primeiro deles à norma permissiva da penhora de vencimentos e remunerações, no percentual de 40% dos valores líquidos superiores a 20 salários mínimos (art. 649, § 3º); o segundo veto recaiu sobre a permissão de penhora de bem de família, se de valor superior a 1.000 salários mínimos, caso em que, apurado o valor em dinheiro, a quantia até aquele limite seria entregue ao devedor. Em suma, a lei nova facultava a penhora parcial de altos proventos, e a penhora parcial de palacetes e mansões residenciais de devedores. 3

4. Como vimos, não mais existe um momento processual especialmente destinado à “nomeação de bens” pelo executado. Todavia, notemos que isso não significa sua sujeição à escolha feita pelo credor ou pelo oficial de justiça, eis que lhe assiste a faculdade de, no prazo de dez dias após intimado da penhora (art. 668), requerer a substituição do bem penhorado, dês que cabalmente comprove que a substituição não trará prejuízo algum ao exeqüente e será menos onerosa para ele devedor (art. 17, IV e VI; art. 620). 4

Além disso, a lei processual é expressa – art. 656 – em que qualquer das partes pode requerer a substituição da penhora nos vários casos previstos nesse artigo, entre os quais está a inobservância da ordem legal de preferência a ser observada quando da constrição judicial (art. 655) e, evidentemente, se a constrição judicial recaiu sobre bem considerado “absolutamente impenhorável” (art. 649). Ao executado é lícito, inclusive, postular a substituição da penhora por fiança bancária ou seguro-garantia judicial (art. 656, § 2º).

Aditemos que a decisão judicial a respeito da permanência ou da substituição da penhora, tomada após ser ouvida em 3 dias a parte contrária (art. 657), é impugnável mediante agravo de instrumento. 5

5. O oficial de justiça não apenas procede à penhora de bens do devedor, suficientes ao pagamento da dívida e encargos, como igualmente, de imediato, procederá à avaliação dos bens penhorados. Eis um novo dever funcional dos ocupantes dos cargos de oficial de justiça dos Estados (os oficiais de justiça federais já o detinham), e que implicou aditamento ao art. 143 do CPC, acrescentando-se às incumbências do meirinho a de “V – efetuar avaliações”.

Caso o oficial de justiça não se considere em condições de realizar a avaliação, por demandar conhecimentos especializados (obras de arte, jóias, maquinaria etc.), efetuará apenas a penhora e comunicará, no respectivo auto, o motivo pelo qual deixou de avaliar o bem. Neste caso, ao juiz cabe escolher e nomear avaliador ad hoc, ao qual será assinado prazo não superior a 10 dias para a entrega do laudo. Ao juiz igualmente é facultada esta providência caso, nos embargos, o devedor venha a invocar “avaliação errônea” (art. 745, II).

A avaliação é dispensada nos seguintes casos: a) tratar-se de títulos ou mercadorias com cotação em bolsa (art. 684, II); b) tiver ocorrido, a pedido do devedor, a substituição do bem (art. 668) e o credor aceitar o valor atribuído pelo executado aos novos bens indicados à penhora (art. 684, I; art. 668, parágrafo único, V).

Nos casos previstos no art. 683, é admitida nova avaliação pelo meirinho ou, se assim o determinar o juiz, por avaliador designado ad hoc; ou seja, a) quando qualquer das partes argüir, fundamentadamente, erro na avaliação ou dolo do avaliador (o executado poderá suscitar tal vício inclusive na via dos embargos); ou b) quando for verificado que o bem penhorado, após a avaliação, teve seu valor majorado ou diminuído (v.g., um terreno urbano pode ter seu valor venal modificado, para mais ou para menos, por obra viária nas imediações); ou c) se houver fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem pelo executado, ao requerer a substituição de penhora (art. 668, parágrafo único, V).

6. Na ação de execução por título extrajudicial, o contraditório (eventual) continua a efetuar-se mediante o ajuizamento, pelo devedor, da “ação” incidental de embargos do executado 6. Lembremos aqui, com Theodoro Júnior, que “não é a execução um processo dialético. Sua índole não se mostra voltada para o contraditório. Quando se cumpre o mandado executivo, a citação do devedor é para pagar a dívida representada no título do credor, e não para se defender” (Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, Forense, v. II, 39. ed., 2006, n. 896, p. 376).

Por meio dos embargos, é facultado ao devedor negar que o documento apresentado pelo exeqüente apresente eficácia de título executivo, ou afirmar que a eficácia do título não mais subsiste diante de atos extintivos do direito material nele incorporado ou, ainda, simplesmente impugnar a validade formal da execução.

Neste passo, como se verifica pelo art. 745, em linhas gerais, o sistema foi mantido. Assim é que o devedor poderá invocar a preliminar de nulidade da execução, por não ser executivo o título apresentado; poderá argüir qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento, como a prescrição da pretensão, o pagamento da dívida, a compensação, a transação, a nulidade ou a resolução do contrato que deu causa à emissão do título etc.; apresentar a exceção de retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, em se cuidando de título extrajudicial contendo a obrigação de entrega de coisa certa (CPC, art. 621; CC, art. 1.219); e poderá suscitar matéria relativa à regularidade de atos da própria execução, como a penhora incorreta ou avaliação errônea, ou a cumulação indevida de execuções.

Note-se, aliás, os vícios do próprio processo (opposizioni agli atti esecutivi), como a nulidade da própria citação, a cumulação indevida de execuções, a penhora de bens impenhoráveis, a avaliação por valor irrisório ou manifestamente excessivo, revestindo-se a maior parte deles de caráter de ordem pública, podem ser argüidos não só na via dos embargos, como posteriormente, e isso quer a requerimento de parte como de ofício. 7

7. Todavia, em relevante modificação no sistema, o recebimento dos embargos não mais dependerá da chamada segurança do juízo. Assim, citado o executado, com a juntada aos autos do respectivo mandado:

a) passa a fluir o prazo de 3 dias para o voluntário pagamento;

b) não efetivado o pagamento, e independentemente de penhora, depósito ou caução (art. 736), está correndo o prazo de 15 dias para o oferecimento da ação incidental de embargos (art. 738).

Três observações:

1) em havendo mais de um executado, o mandado citatório (que também inclui a ordem de penhora e de avaliação) será expedido no correspondente número de vias, tendo em vista o disposto no art. 738, § 1º: “Quando houver mais de um executado, o prazo para cada um deles embargar conta-se a partir da juntada do respectivo mandado citatório, salvo tratando-se de cônjuges” (ou seja, em se tratando de marido e mulher – não de simples “companheiros”, o mandado será um só para ambos os cônjuges, e o prazo somente começa a correr após citados ambos);

2) se a citação, penhora e avaliação dependerem de carta precatória, e como a devolução da carta ao juízo de origem em regra supõe seu integral cumprimento, a citação do devedor (evitando-se as demoras inerentes aos posteriores atos de constrição) será pelo juiz deprecado de imediato comunicada ao juiz deprecante (inclusive, e preferencialmente, por meios eletrônicos); em tais casos, contar-se-á o prazo para embargos a partir da juntada aos autos de tal comunicação (art. 738, § 2º);

3) aos embargos do executado não se aplica o disposto no art. 191, ou seja, mesmo havendo dois ou mais executados, o prazo não lhes será contado em dobro, ainda que hajam constituído diferentes procuradores (art. 738, § 3º).

8. Além disso, em princípio os embargos do executado não mais apresentam efeito suspensivo. Assim, mesmo após opostos os embargos, a execução definitiva (art. 587) prossegue normalmente com a prática dos atos de penhora, de avaliação, de expropriação dos bens penhorados e de pagamento ao exeqüente.

8.1. Todavia, quando realmente relevante a matéria exposta nos embargos (pela verossimilitude e relevância das alegações, no plano do direito e/ou dos fatos), e caso o prosseguimento da execução possa plausivelmente causar ao executado “grave dano de difícil ou incerta reparação”, então o juiz, a requerimento do embargante, poderá atribuir aos embargos o efeito suspensivo (suspendem-se os atos de expropriação), mas isso, pela letra da lei, se a execução já estiver garantida por penhora, depósito ou caução suficientes (art. 739-A, § 1º).

Neste passo vale sublinhar a possibilidade de que os embargos devam ser opostos “antes” que a penhora haja sido realizada (e assim, em tese, a atribuição de suspensividade não seria cabível); em tais casos, o pedido de concessão de efeito suspensivo certamente supõe a simultânea indicação de bens pelo embargante, de forma a permitir a imediata efetivação dos atos de penhora e de avaliação (art. 739-A, § 6º).

8.2. Quanto ao procedimento a ser observado nos embargos do executado:

a) pode o juiz rejeitá-los liminarmente quando intempestivos, caso seja inepta a petição (art. 295) ou, ainda, se manifestamente protelatórios – art. 739;

b) recebidos, e após a ouvida do embargado em 15 dias, o juiz julgará de imediato o pedido ou marcará audiência de conciliação, instrução e julgamento, sentenciando em audiência ou no prazo de 10 dias – art. 740;

c) a multa para a hipótese de embargos manifestamente protelatórios (o que pode ser constatado liminarmente, ou apenas após a instrução) será fixada em quantia não superior a 20% do valor em execução, e reverterá em favor do exeqüente – art. 739, parágrafo único.

Da sentença, quer de rejeição liminar, quer proferida após o contraditório e audiência, caberá apelação, sem efeito suspensivo – art. 520, V.

Se a sentença for de “improcedência” dos embargos enquanto a apelação se mantiver pendente, prosseguirá a execução como “definitiva” quando tais embargos houverem sido recebidos sem efeito suspensivo; como “provisória”, caso recebidos com efeito suspensivo (art. 587). Nos casos de “rejeição liminar”, com maior motivo a execução prossegue como definitiva, mesmo quando da sentença haja sido interposta apelação pelo executado.

9. São mantidos os embargos aos atos executivos, a serem apresentados no prazo de 5 dias contados da adjudicação, alienação por iniciativa particular ou arrematação – art. 746.

Como interessante inovação, a possibilidade de, se oferecidos e recebidos tais embargos, o adquirente desistir da aquisição – art. 746, §§ 1º e 2º. Na hipótese de serem declarados como manifestamente protelatórios, o juiz imporá multa ao embargante, em valor até 20% do valor da execução, multa que reverterá em favor de quem desistiu da aquisição – art. 746, § 3º; art. 694, § 1º, IV.

Espera-se, com estas previsões, tornar mais seguro o negócio para os interessados nos bens, incentivando-os a melhores ofertas.

10. O novo sistema, é licito supor, extinguirá (por falta de interesse processual) a assim chamada exceção de pré-executividade (melhor dito, “objeção de não-executividade”), criação pretoriana permissiva da apreciação “prévia” – em procedimento anterior aos próprios embargos, da questão da própria existência de título executivo ou de sua invalidade flagrante, com a conseqüente extinção imediata da própria execução (Cândido Dinamarco, Execução Civil, Malheiros, 5. ed., 1997, n. 295, p. 451).

Na impossibilidade de embargar sem a prévia segurança do juízo, a apresentação da “exceção” era o expediente, tolerado pela jurisprudência e aceito pela doutrina, pelo qual o executado buscava impedir, em casos excepcionais, a penhora de bens, por vezes altamente prejudicial a seus negócios (como nos casos de penhoras on line de depósito bancário, ou de penhora incidente no faturamento da empresa).

Já agora, a apresentação dos embargos não mais depende da segurança do juízo, ou seja, de atos invasivos da esfera patrimonial do devedor. Citado, o executado pode desde logo apresentar seus embargos e neles argüir a invalidade do título ou que o mesmo não se reveste de eficácia executiva (art. 745, I); neste caso, em exegese harmônica com o sistema, se a argüição for verossímil, ao juiz será facultado, em providência de caráter cautelar, atribuir aos embargos efeito suspensivo independentemente de penhora.

Em suma, a objeção de não-executividade passa a ser apresentada nos próprios embargos do devedor, evitando-se a procrastinatória sucessão de petições de objeção e, depois, de embargos.

11. Ponto da maior relevância: o sistema processual civil passou a admitir o direito do executado a, sob determinadas condições, obter uma moratória – art. 745-A.

Condições de deferimento:

a) no prazo para embargos, apresentar petição reconhecendo o crédito do exeqüente e renunciando, assim, a qualquer pretensão a futuros embargos;

b) depositar trinta por cento (30%) do valor em execução, inclusive das custas e honorários de advogado;

c) propor o pagamento parcelado do restante da dívida, em até seis parcelas mensais, com correção monetária e juros de 1% ao mês.

Pelo novo instituto (que deve a Ada Pellegrini Grinover suas características fundamentais) ambas as partes resultam favorecidas. O exeqüente vê seu crédito reconhecido pelo executado, e poderá de imediato levantar os 30% depositados; e não estará sendo prejudicado pela demora em receber o saldo, pois provavelmente os atos executórios demandariam mais tempo. Também favorecido o executado, porque diante de um débito vencido e inconteste obtém um prazo razoável para efetuar o pagamento, com ônus bem inferiores aos de qualquer empréstimo em instituição bancária.

Caso a proposta de moratória seja deferida pelo juiz, são suspensos os atos executivos e o credor poderá de imediato levantar a quantia depositada. Caso denegada (por exemplo, o devedor recusa reconhecer parte do crédito em execução, ou não deposita de imediato a totalidade da parcela inicial), seguir-se-ão normalmente os atos executivos, sendo mantida em depósito, a título de penhora em dinheiro, a parcela de 30%.

Caso o devedor, no curso da moratória, não pague pontualmente qualquer das parcelas, as conseqüências serão as seguintes:

a) as parcelas subseqüentes ipso facto consideram-se vencidas;

b) o juiz imporá ao executado multa de 10% sobre o valor das prestações não pagas;

c) seguir-se-ão de imediato os atos executivos, mantida a vedação de embargos.

12. Talvez a mais relevante “novidade” trazida pela Lei nº 11.382/06 ao processo de execução por títulos extrajudiciais (CPC, Livro II) consista na substancial modificação no sistema dos meios executivos, com o deslocamento da vetusta alienação em hasta pública para uma posição ancilar, residual.

Como refere Araken de Assis, o mecanismo dos meios de expropriação de bens estrutura-se na suposição da ausência de dinheiro disponível no patrimônio do devedor, e na “possibilidade de nele se localizarem outros bens, passíveis de conversão em moeda corrente. A falta de dinheiro impõe desvios e reclama técnica hábil para alcançar a solução da dívida. Ao contrário, localizado dinheiro, o procedimento se simplifica, bastando localizá-lo e, ato contínuo, entregá-lo ao credor, consoante autoriza o art. 709, caput.” (Comentários ao Código de Processo Civil, RT, v. 9, 2000, p. 56).

Até agora, tínhamos como formas de expropriação de bens do devedor, sucessivamente: 1) a alienação de bens do devedor, a ser realizada em hasta pública, por meio de praça ou leilão; 2) frustrada a hasta pública, só então abria-se oportunidade à adjudicação pelo credor; 3) finalmente, era admitida a opção pelo usufruto de imóvel ou de empresa.

Pelo novo sistema – art. 647, a forma preferencial de alienação dos bens penhorados é por sua adjudicação pelo exeqüente, ou pelas pessoas indicadas em lei; não realizada a adjudicação, o exeqüente pode requerer a alienação por iniciativa particular, quer pelo próprio credor, como por intermédio de corretor credenciado perante a autoridade judiciária; e é mantida a opção pelo usufruto de bem móvel ou imóvel (excluído o usufruto de empresa).

13. O instituto da adjudicação, agora regulado pelo art. 685-A, prevê a aquisição do bem penhorado pelo próprio exeqüente, por preço nunca inferior ao da avaliação. O requerimento do credor pode ser exercido sem um prazo predeterminado, salvo se terceiros já se houverem habilitado à aquisição; neste caso, para gozar de preferência, deve ele pelo menos igualar a proposta do terceiro, a fim de que a adjudicação lhe possa ser deferida.

Além do exeqüente, podem requerer a adjudicação as pessoas indicadas no art. 685-A, § 2º: o credor com garantia real, o credor concorrente com penhora no mesmo bem ou, ainda, pode a adjudicação ser postulada pelo cônjuge, ascendentes ou descendentes do executado. Havendo mais de um pretendente, far-se-á entre eles licitação, nos termos do art. 685-A, § 3º.

A lei contém a previsão de que, no caso de penhora de quota por exeqüente alheio à sociedade, esta será intimada do pedido de adjudicação, assegurando-se então preferência aos sócios – art. 685-A, § 4º.

Ante as previsões supra, a nova lei extingue o instituto da remição, com a revogação dos arts. 787 a 790 do CPC e o respectivo Título V (Lei nº 11.382, art. 7º, II). Quem podia remir, agora pode adjudicar.

14. A nova sistemática é também profundamente inovadora ao instituir a alienação por iniciativa particular, procurando formas mais práticas e eficientes, menos formalistas que a hasta pública, com a finalidade de converter em moeda corrente os bens penhorados (no que encontra muitos símiles em direito comparado). Nem sempre desejará o exeqüente efetuar a adjudicação, mesmo porque, em sendo o valor do bem superior ao montante de seu crédito, poderá não dispor de quantia suficiente para depositar a diferença (art. 685-A, § 1º), ou não lhe ser convinhável tal prática.

A permissão da alienação dos bens penhorados mediante o concurso de profissionais especializados na intermediação comercial (credenciados perante os tribunais), constitui, a nosso ver, um dos pontos mais relevantes na atualização e busca de eficiência para os procedimentos executórios. As negociações, no entanto, permanecem sob a plena orientação e supervisão do juiz (art. 685-C, §§ 1º e 2º), sendo a lei expressa em que os tribunais poderão (= deverão) detalhar os procedimentos a serem observados e dispor sobre o credenciamento dos corretores, exigindo-lhes inclusive que estejam em exercício profissional por não menos de 5 anos (art. 685-C, § 3º).

15. A Lei – art. 716, passou a dispor que o juiz pode conceder ao exeqüente o usufruto de imóvel ou de móveis (inclusive semoventes, como um rebanho), quando reputar tal prática menos gravosa ao executado e igualmente eficiente para a satisfação do exeqüente. O usufruto de empresa não mais é previsto, mesmo porque empresa sob usufruto será, ao final das contas, empresa sob recuperação judicial e, assim, sujeita às normas do direito falencial.

Vale observar que surge fundada dúvida sobre a natureza do provimento judicial que resolve a respeito do usufruto. Os arts. 718 e 722, § 1º utilizam a palavra “decisão”, o que indicaria sua impugnação mediante AI. Todavia (por lamentável omissão), o art. 719 não foi modificado nem revogado, e o mesmo dispõe que o juiz proferirá “sentença”. Assim, até que sanada a incongruência, cremos que o recurso cabível continuará sendo a apelação.

16. No concernente à hasta pública, mantida a dicotomia “praça” e “leilão”, menciona o art. 686 que a mesma será realizada caso “não requerida a adjudicação e não realizada a alienação particular do bem penhorado” – art. 686.

16.1 As tradicionais características do instituto são mantidas, mas com adaptações tendentes a torná-lo menos formalista. Assim, a intimação “pessoal” do executado, a fim de que tome ciência do dia, hora e local da alienação judicial – fonte de freqüentes manobras procrastinatórias -, foi substituída pela intimação preferencialmente na pessoa do procurador:

“Art. 687, § 5º. O executado terá ciência do dia, hora e local da alienação judicial por intermédio de seu advogado ou, se não tiver procurador constituído nos autos, por meio de mandado, carta registrada, edital ou outro meio idôneo”.

Em expressiva novidade, o art. 689-A autoriza que a hasta pública, a requerimento do exeqüente, possa ser “realizada por meio da rede mundial de computadores, com uso de páginas virtuais criadas pelos Tribunais ou por entidades públicas ou privadas em convênio com eles firmado”. O Conselho da Justiça Federal e os tribunais regulamentarão tal forma de alienação judicial – art. 689-A, parágrafo único.

É, outrossim, autorizada a arrematação a prestações de bens imóveis com pagamento de 30% à vista e o restante parcelado, sob garantia de hipoteca do próprio imóvel – art. 690, §§ 1º a 4º.

16.2 Com o objetivo de conferir maior segurança aos interessados na aquisição dos bens, o art. 694 veio a dispor que, após assinado o respectivo auto, a arrematação considerar-se-á “perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado”.

Refere-se a norma legal aos casos em que a interposição de embargos não haja suspendido o curso da execução (art. 739-A, caput), vindo a ocorrer a alienação de bens penhorados. A alienação, destarte, permanecerá eficaz, cabendo ao executado o direito de haver do exeqüente (que credor não era) o valor por este percebido como produto da arrematação; caso tal valor seja inferior ao real valor do bem, haverá do exeqüente também a diferença (art. 694, § 2º).

Realmente, entre o manifesto interesse público na seriedade e segurança das alienações judiciais, e o interesse privado do executado que sofreu uma execução infundada e viu seus bens alienados, prevalece o primeiro (e o executado, tornado credor do exeqüente, não se subtrai ao risco de, entrementes, este se haver tornado insolvente). Pior solução seria transferir o ônus ao arrematante, que correria o risco de ficar sem o bem arrematado e sem o preço por ele pago.

——————

Athos Gusmão Carneiro
Advogado; Presidente do Conselho do Instituto Brasileiro de
Direito Processual; Ministro Aposentado do STJ.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento